[EUA] Mumia Abu-Jamal fala com a voz clara de um homem livre

Encarcerado por 44 anos, o preso político permanece inflexível diante da negligência médica.

Por Dave Zirin | 22/10/2025

O clima era animado, ou tão animado quanto possível para qualquer reunião na Instituição Correcional Estadual em Mahaney, na Pensilvânia. No dia 16 de outubro, junto com a advogada Noel Hanrahan, fui ver o prisioneiro político mais conhecido do país, Mumia Abu-Jamal. Um júri, informado de que os escritos políticos de Abdul-Jamal podiam ser usados para determinar a culpa, e condenou o ex-Pantera Negra à morte em 1982 pelo assassinato de Daniel Faulkner, um policial da Filadélfia. Não são apenas ativistas radicais comprometidos, mas organizações como a Anistia Internacional que acreditam que o seu julgamento e condenação foram uma farsa e pedem a reabertura do caso. Agora, Abu-Jamal está no que se chama de “corredor da morte em câmera lenta”, mas o Estado não conseguiu silenciar a sua voz política nem o movimento para trazê-lo de volta para casa após 44 anos de encarceramento.

Para que Abu-Jamal nos encontre, e comemore boas notícias, ele precisa passar por uma revista corporal completa. Essa é uma condição prévia para todos os presos antes e depois das visitas. Sem exceções. Um Abu-Jamal de 71 anos não está isento devido à sua idade ou estatura de “cabeça velha”.

A sala de reuniões, onde toda a família, amigos e advogados desses homens encarcerados se reúnem, parece uma cafeteria de escola com máquinas de venda automática nas paredes. A única diferença é que precisamos sentar ao redor de mesas em formato de U que impedem que os presos se sentem diretamente ao lado dos familiares. Também há uma área de brincadeira não monitorada para crianças, com uma coleção de brinquedos borrados e pegajosos.

Na sala de visitantes, os guardas mantêm olhar firme em Abu-Jamal. Até recentemente, ele só podia fingir que retribuía o olhar. Agora ele pode. Por 9 meses, Abu-Jamal, autor de 15 livros, ficou cego. Para restaurar a visão, precisou de cirurgia de catarata a laser de cinco segundos. Ainda assim, foi necessária uma batalha legal e protestos nos portões da prisão para que recebesse o procedimento. O problema não era só não conseguir ler ou ver mais do que manchas coloridas e claras. Para a própria segurança física, Abu-Jamal precisava manter a cegueira em segredo. Quando o entrevistei no início deste ano para a Rolling Stone, tive que concordar em não relatar a sua falta de visão. Mesmo para alguém a quem muitos prisioneiros demonstram grande deferência, ficaria vulnerável e podia ter se tornado um alvo. Então Abu-Jamal encobriu isso, andando em linhas diretas em padrões diários: comida, malhar e depois ouvir (não assistir) CSPAN na cela. Novamente, isso durou 9 meses. (Abu-Jamal insistiria que eu escrevesse aqui que a negligência criminosa com a sua saúde é um exemplo de como todos os prisioneiros são tratados.) Abu-Jamal precisa de acompanhamento. Ele terá perda permanente de visão sem mais tratamentos, e não há garantia de que os receberá. Mas nesse dia, celebramos que ele, agora, pode voltar a terminar a sua tese de doutorado, começar a ler uma pilha de livros e simplesmente cuidar de si mesmo.

Esse não era o único motivo para alguns sentimentos bons. Na noite anterior, Abu-Jamal falou, sem aviso ou preparação, por telefone e no microfone em um evento que comemorava a recentemente falecida revolucionária Assata Shakur, ex-membro do Partido dos Panteras Negras e do Exército de Libertação Negra que fugiu de uma prisão em Nova Jersey para Cuba há 46 anos.

O apresentador da noite, Marc Lamont Hill, recebeu uma ligação de Abu-Jamal, amigo e coautor de Hill’s, aleatoriamente durante o programa. “Marc viu o número e levou o telefone para o palco”, disse a diretora de programação da WPFW, Katea Stitt, que estava no local, “Ouvimos a operadora da prisão conectar a ligação, e Marc perguntou a Mumia se ele queria dizer algumas palavras. Sem hesitar, Mumia disse que não só Assata Shakur nasceu livre. Ela morreu livre. Ele diz isso de trás das grades com a voz clara de um homem livre; livre porque o Estado não o quebrou. Aquela sala lotada de gente estava só se abraçando, e você ouviu soluços.”

Abu-Jamal ficou satisfeito com os comentários e a recepção que as suas palavras receberam. Mesmo fazendo isso tem sido uma luta; Ao longo dos anos, enquanto apoiadores e advogados lutavam para garantir que a sua voz fosse ouvida em chamadas e impressos. É ótimo para o espírito saber que você não foi esquecido.

Também trouxe um presente para ele: meu novo livro favorito, A História Negra é Para Todos, de Brian Jones. Pelas regras do sistema prisional da Pensilvânia, eu podia mostrar o livro a Abu-Jamal, conversar com ele e folhear as páginas, mas ele não podia levá-lo de volta para sua cela. Eu teria que enviá-lo depois, por um “centro de processamento de segurança”, e o pacote seria avaliado.

O livro ressoou com Abu-Jamal. Um dos argumentos de Jones é que a frase frequentemente ouvida de que “A história negra é história americana”, embora verdadeira, é um pouco exagerada, porque esse sentimento social-patriótico exclui pessoas de Marcus Garvey a Fanny Lou Hamer, Malcolm X e Assata Shakur que, embora todos tenham uma política distintamente negra americana enraizada na resistência à opressão, são internacionalistas até o âmago. Eles rejeitaram o “patriotismo” por motivos políticos. Jones também argumenta que a história negra tem sido e continua sendo atacada e proibida de forma implacável justamente porque existe um poder libertador em uma história que expõe as raízes dessas desigualdades selvagens do país; desigualdades exemplificadas por ter a maior população carcerária do mundo enquanto o seu exército reprime cidades que contrariam a vontade de um regime grotescamente corrupto.

A prisão, concedendo um direito pelo qual Abu-Jamal lutou, então fez um funcionário prisional tirar nossas fotos usando o equivalente estadual de uma câmera Polaroid. Em uma foto, eu estava segurando o livro do Jones. Eles confiscaram essa. Existem regras rígidas: nada de imagens, nada de camisetas com slogans, nada de sinais de paz, nada de saudações com punhos fechados, você nem consegue fazer um coração com as mãos, porque pode ser um sinal de gangue.

Os guardas da prisão pareciam exclusivamente brancos e tinham tatuagens dos braços ao pescoço. Vieram trabalhar em Frackville, que já teve empregos na mineração de carvão e agora tem empregos em prisões. Pessoas cujos pais podem ter trabalhado juntas nas minas, agora, estão em lados opostos da jaula. Era difícil não pensar que, se alguma comunidade precisava de uma história libertadora, era Frackville, Pensilvânia. Existe uma rica tradição aqui de não se contentar com restos. A 10 minutos de carro da prisão, há até uma estátua que homenageia os Molly Maguires, lendários trabalhadores irlandeses radicais do século XIX que lutavam por melhores condições de trabalho nas minas a qualquer custo. A história está em toda parte, e o livro de Jones defende que ela precisa ser ensinada.

Após uma despedida em frente ao estrado elevado da guarda, cada um de nós recebeu duas fotos, menos a confiscada. Abu-Jamal, um avô com visão debilitada, tinha outra revista corporal esperando por ele do outro lado das portas de metal.

Depois de mais de 40 anos, legiões de pessoas ainda se importam com esse homem e o seu caso. Não importa o que façam para destruí-lo, ele, como Stitt disse, “fala com a voz clara de um homem livre”. Acho que ele ficou animado ao ouvir a história da libertação de Jones, porque, mesmo atrás das grades, ele faz parte dessa história. Abu-Jamal permanece intacto e, caramba, isso irrita os desgraçados.

Fonte: https://www.thenation.com/article/society/mumia-abu-jamal-dave-zirin-medical-neglect/

Tradução > CF Puig

agência de notícias anarquistas-ana

Flauta,
cascata de pássaros
entornando cantos úmidos.

Yeda Prates Bernis

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