[Reino Unido] Revisão de livro: Memórias da prisão de uma mulher japonesa

Anarquista com princípios, Fumiko Kaneko encarou a morte com bravura e é um modelo de desafio inabalável diante de adversidades esmagadoras

Jay Arachnid ~

Fumiko Kaneko não é uma figura bem conhecida na história japonesa, principalmente pela sua adesão ao anarquismo; Ela também não é uma figura bem conhecida na história anarquista, principalmente pela adesão à tendência mais niilista. Memórias da prisão é a autobiografia incompleta, solicitada pelo juiz presidente no seu julgamento por traição; ele queria saber o que levou à sua rejeição total, não apenas do processo judicial, mas de todo o Sistema do Imperador.

O resultado é um livro de memórias dos seus anos de formação, começando como não pessoa na burocracia do Período Meiji; os pais não eram casados na época em que nasceu, e só foi oficialmente registrada como filha da sua tia (então morando na Coréia recentemente ocupada) aos 9 anos de idade. O abuso físico e emocional por parte da tia e dos avós foi acompanhado por uma penúria forçada que poderia ser descrita como dickensiana. A opressão que sentiu quando criança foi reforçada dentro e fora da casa pelos maus-tratos da família aos coreanos que encontraram, bem como pelos maus-tratos dos ocupantes japoneses aos coreanos em geral.

Digo que a autobiografia está incompleta porque é apenas nas trinta páginas finais que a parte emocionante começa, quando, após breve período como devota do Exército de Salvação, ela se envolve com anarquistas coreanos em Tóquio. As mais de duzentas páginas anteriores são uma narrativa fascinante das diferenças de classe, da pobreza e da pretensão da classe média, o sistema rigidamente hierárquico do imperador e como tudo se entrelaça para esmagar os anseios e desejos de uma criança e uma jovem claramente inteligentes. Ela escreve: “Porém, enquanto levava essa vida sem objetivo e apática, nunca abandonei os meus verdadeiros objetivos e esperanças. Quais eram? Ler todos os tipos de livros, adquirir todos os tipos de conhecimento e viver a vida ao máximo”.

Entretanto, não esmagaram Fumiko, eles só a machucaram. As suas experiências de pobreza e opressão hierárquica (como criança do sexo feminino, como bastarda, como companheira de coreanos) claramente a prepararam para uma atração pelas ideias anarquistas. Ela diz: “O socialismo não tinha nada de particularmente novo para me ensinar; no entanto, me forneceu a teoria para verificar o que eu já sabia emocionalmente desde o meu próprio passado… o sentimento, quase como por um camarada, em relação ao pobre cachorro que meus avós mantinham; e a simpatia ilimitada que senti por todos os coreanos oprimidos, maltratados e explorados sobre os quais não escrevi aqui, mas que vi na casa da minha avó – todos eram expressões disso. A ideologia socialista só me deu a chama que acendeu esse antagonismo e essa simpatia, há muito latente no meu coração. Uma história clássica de amadurecimento anarquista, semelhante a tantas outras (cf., Paul Goodman, Emma Goldman e outros).

Quando encontrou o seu lugar entre outras pessoas com ideias semelhantes, ela foi capaz de ler tudo o que pôde pôr as mãos. Ela menciona as influências de Bergson e Hegel, mas os livros que tiveram maior influência sobre ela “foram os dos niilistas. Foi nessa época que aprendi sobre pessoas como Stirner, Artsybashev e Nietzsche.” Uma verdadeira galeria de ladinos! É de admirar que ela diga mais tarde: “O que é revolução, então, senão a substituição de um poder por outro?”

As memórias terminam com o início de seu relacionamento com o anarquista-niilista coreano Pak Yeol, com quem foi levada a julgamento. Infelizmente, para os leitores interessados nas especificidades das inclinações políticas de Fumiko, ou no movimento anarquista japonês da década de 1920 em geral, não há nada nas memórias sobre o julgamento, o absurdo das acusações ou os pogroms anticoreanos que ocorreram após o Grande Terremoto de Kanto de 1923. Fumiko e Pak foram presos junto com centenas de outros radicais coreanos e japoneses após o poderoso tremor.

Naturalmente, foram considerados culpados de traição e condenados à morte. A chamada misericórdia do imperador levou à sua sentença ser comutada para prisão perpétua. Seu desafio durante o processo judicial – bem recriado no filme Anarquista da Colônia – lembra outros anarquistas famosos que desafiaram juízes, como Louise Michel (“Eu terminei; se você não é covarde, mate-me.”) e Louis Lingg (“Desprezo a sua autoridade apoiada pela força. Enforque-me por isso!). Essa rejeição e desprezo continuaram quando ela recebeu a carta de comutação: ela a rasgou em pedaços na frente de seus carcereiros.

Fumiko Kaneko foi encontrada morta na cela em 1926. Ela havia escrito um manuscrito de quase 700 páginas, mas não deixou nenhuma nota de suicídio. E não houve autópsia. A introdução da tradução para o inglês, escrita por Mikiso Hane, afirma categoricamente que ela se enforcou em uma corda que fez na oficina da prisão, mas isso parece um conto conveniente contado por um historiador nomeado para o Conselho Nacional de Humanidades pelo primeiro presidente Bush. Independentemente da verdade, permanece o fato de que Fumiko Kaneko foi um exemplo de anarquista de princípios que enfrentou a morte com bravura e profundo desprezo pelo Estado e todas as suas instituições. A sua história, tanto as Memórias da Prisão quanto o contexto mais amplo do anarquismo asiático do início do século 20, merece ser mais amplamente conhecida entre os anarquistas contemporâneos. Não como nota de rodapé de derrota, mas como modelo de desafio inabalável diante de adversidades esmagadoras.

Prison Memoirs of a Japanese Woman, by Fumiko Kaneko. Detritus Books, 2025

Fonte: https://freedomnews.org.uk/2025/11/05/book-review-prison-memoirs-of-a-japanese-woman/

Tradução > CF Puig

agência de notícias anarquistas-ana

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Maria Santamarina

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