Em pleno século XXI, quase 18 mil pessoas estão condenadas à morte no mundo, revela um relatório da Anistia Internacional. Destas, 58 são mexicanas. Na China, o país onde houve mais execuções e condenações durante 2010, o governo se nega a publicar os nomes dos executados por ser “segredo de Estado”. Decapitação, lapidação e enforcamento são alguns dos métodos que se utilizaram para sancionar penalmente ao menos 527 pessoas no ano passado. A lista de executores é encabeçada pela China, Irã, Coréia do Norte, Yemen e Estados Unidos.
À distância se assemelha a um campus universitário. A proximidade acaba com a idéia: aparecem as cercas e os arames farpados. Por dentro, a cor branca dos muros dá um toque de frieza ao lugar. Trata-se da prisão de segurança máxima de Greene, localizada na Pensilvânia, Estados Unidos. Ali se encontra preso Mumia Abu Jamal – jornalista e ex-pantera negra – condenado à morte desde 1982, acusado de homicídio.
“Um homem com a capacidade de despertar as mentes da comunidade e de fomentar a rebelião contra o opressor é perigoso nos Estados Unidos; um país onde o número de negros e latinos condenados à morte é maior que o de brancos, apesar de que os brancos cometem os mesmos delitos que estes. Sua sentença foi racista; foi julgado por um juiz que se baseou em sua cor para condená-lo”, declara Goldii, filha de Abu Jamal, em entrevista a Contralínea. Tinha dois anos quando prenderam seu pai.
O caso de Mumia – condenado à morte apesar de múltiplas irregularidades jurídicas – se une ao de outras 17.833 pessoas, entre estas 58 mexicanos, segundo cifras do relatório anual Condenações à morte e execuções em 2010, da Anistia Internacional (AI).
O relatório indica que dos 197 países – que reconhecem a Anistia Internacional do mundo – mais da metade aprova a pena de morte em suas legislações. A cifra dos 96 países abolicionistas contrasta com a dos 101 retencionistas que se negam a abolir esta sanção penal. Entretanto, destes últimos, 34 países não executam ninguém há 10 anos, e apenas em nove esta sanção se contempla para delitos excepcionais ou previstos no código militar.
Em 2010, em 23 países executaram ao menos 527 pessoas; entretanto, não se contabilizam as execuções em países como Afeganistão, Paquistão ou Coréia do Norte, porque não existem dados oficiais. Enquanto isso, no Vietnã está proibido por lei publicar dados sobre as execuções, e na China as cifras são consideradas como “segredo de Estado”.
Com aproximadamente 1.300 bilhões de habitantes, a China é o país com o maior número de execuções – segundo dados extra-oficiais -; foram executadas mais de mil pessoas no ano passado; seguido pelo Irã, com ao menos 252 execuções oficiais, embora se tenha conhecimento de aproximadamente outras 300 extra-oficiais.
O Paquistão encabeça a lista com o maior número de condenações a morte em 2010, com 365; enquanto no Iraque são 279. O saldo final de 2010: 2.224 novas condenações à morte em 67 países. Entretanto, não se contabilizam as massivas condenações que o governo chinês ditou, já que não existem dados oficiais.
Condenações políticas
Sério e introspectivo, como o descreve entre risos sua filha, Abu Jamal é autor de seis livros e uma centena de colunas e artigos. Além de escritor, estuda música: “Ele compôs a mais bela canção de amor para minha mãe”, comenta Goldii.
“É considerado um indivíduo perigoso. O que mais temem é a sua mente; é inocente, mas é demasiado negro, demasiado esperto e demasiado forte. O governo trata de silenciar qualquer pessoa que possua o poder de abrir a mente do povo”.
– Porque considera que a pena de morte persiste como uma sanção penal no seu país?
– Talvez devido aos políticos. As cortes [judiciais] são como vampiros; têm sede de sangue.
José René Paz, colaborador da área internacional do Centro de Direitos Humanos Miguel Augustín Pro Juárez, considera que muitas condenações têm um caráter político e os grupos minoritários são os mais vulneráveis a ser condenados.
“Foram executados muitos dissidentes políticos na China, Irã e Arábia Saudita por serem opositores do regime. Nos Estados Unidos, os hispânicos e os negros não têm acesso a uma boa educação; não conhecem seus direitos, e é mais fácil que sejam condenados à morte”.
Sob o argumento de que é apenas utilizada para os delitos mais graves – aqueles com conseqüências fatais -, os países retencionistas justificam a pena de morte. Entretanto, tem sido documentados casos onde a pena se impõe por delitos comuns, o que viola o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966.
Acusados de moharebeh (um termo islâmico que significa declarar guerra a Deus), 17 iranianos foram condenados à morte em julgamentos onde abundam as irregularidades jurídicas. Além de ser kurdos (minoria étnica no Irã), foram acusados de ser membros do Partido por uma Vida Livre no Kurdistão e do marxista Komala, organizações opositoras ao governo e proibidas pelo Estado.
O delito de blasfêmia, entendido como faltar com respeito para com Deus, foi suficiente para condenar à morte Aasia Bibi – mãe de cinco filhos – em 8 de novembro de 2010 no Paquistão, o pior país onde se pode viver uma mulher, segundo o jornalista irianiano Amirian Nazanin.
Três sinaloenses em poder da Malásia
As sentenças por delitos relacionados com drogas crescem em países como Malásia, Singapura e Tailândia. É precisamente na Malásia onde podem ser condenados à morte três mexicanos originários de Sinaloa, acusados de narcotráfico. Trata-se dos irmãos González Villarreal: Luis Alfonso, de 47 anos; José, de 36, e Simón, de 33, que esperam que a máxima instância judicial da Malásia pegue o caso para que se abra a possibilidade de não serem condenados à forca, já que o juiz que conduz o processo é conhecido por seu punho duro em outros casos.
Ao ser sentenciados, os irmãos seriam os primeiros a ser condenados por narcotráfico e não por homicídio, como seus compatriotas sentenciados nos Estados Unidos. Além disso, seriam os primeiros cuja execução se realizaria pela forca, e não por injeção letal.
Morte por preferência sexual
Estimada como uma orientação sexual comum na maioria dos países, a homossexualidade é considerada como um grave delito na Uganda. Ao aprovar-se a Lei Contra a Homossexualidade neste país africano, seriam condenados à morte aqueles que tenham esta orientação sexual. Não é o único caso extraordinário: no Irã um homem foi condenado em dezembro passado por visitar páginas pornográficas na internet. Os juízes consideraram que abrir estes sites é um insulto ao Islã.
Contralínea solicitou uma entrevista com funcionários da embaixada da China no México, mas até o fechamento desta edição não houve resposta. Também foi solicitada uma entrevista com a embaixada do Irã no México. Patricia Frías, assistente do embaixador, argumentou que a representação do governo iraniano só dá entrevistas sobre questões culturais. Agregou, ainda, que no mês do Ramadán não podem dar entrevistas.
Debate jurídico
Desolado, como se ninguém vivesse ali, o terreno montanhoso rumo à prisão parece infinito. Múltiplas recordações aparecem na mente de Goldii, filha de Mumia Abu Jamal. O trajeto até a prisão lhe implica duas horas. Por fim chega a recompensa: ver seu pai. Não pode abraçá-lo, apenas escutá-lo.
“Me sinto feliz por vê-lo, mas ao mesmo tempo frustrada e enojada: o tratam como um animal. Falamos sobre política, música, sobre as novidades no mundo do hip hop; compartilhamos histórias divertidas sobre minhas filhas e meus sobrinhos. Falo sobre o trabalho que fazemos para conseguir sua liberdade e sobre as milhares de pessoas que o apóiam em nível mundial. O que mais amo é escutar seu riso, é um escape temporal do inferno onde vive”, relata Goldii.
O debate jurídico sobre a pena de morte gira em torno da viabilidade deste castigo como uma forma de prevenir delitos.
Alfredo Nateras, investigador da Universidade Autônoma Metropolitana, considera a aplicação da pena de morte como um retrocesso ao direito internacional, além de existir altos níveis de corrupção nas instâncias de justiça.
“A pena de morte não resolve nada, não tem demonstrado que abaixe os índices de criminalidade. E este sistema está propenso a falhar. Se condenam um inocente e ele é executado, o dano não se repara. Possuir penas tão cruéis significa dar mais poder às instâncias de justiça, que a história tem demonstrado que se equivocam”, explica Nateras.
Apesar do direito internacional não proibir a pena de morte, coloca como destino sua abolição. Os países que ainda a contemplam em suas legislações, insistem no fato de que apenas a utilizam nos delitos mais graves instituídos em suas leis. Argumentam que as resoluções de órgãos internacionais não são obrigatórias, já que suas leis estão acima destas resoluções.
Em 1989, a Assembléia Geral da ONU adotou o Segundo Protocolo Facultativo do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que estabelece a abolição total da pena de morte. Apenas 73 Estados – entre eles o México – o firmaram e ratificaram.
Três protocolos regionais complementaram o adotado pela ONU: o Protocolo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Relativo à Abolição da Pena de Morte, firmado em 1990 pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos; o Protocolo 6 do Convênio Europeu dos Direitos Humanos, adotado pelo conselho da Europa e, 1982, que permitia a pena de morte em tempos de guerra; e, finalmente, o Protocolo 13 do Convênio Europeu dos Direitos Humanos, adotado pelo conselho da Europa em 2002, que não permite a pena de morte mesmo que em tempos de guerra.
Em 21 de dezembro passado, foi adotada a resolução 65/206 da ONU, referente à moratória sobre o uso da pena de morte. Foi votada a favor por 109 países, enquanto 35 – a maioria africanos – se abstiveram. A resolução foi rechaçada por 41 nações, entre elas Estados Unidos, China, Iraque e Afeganistão. A Argélia e Mali votaram a favor da resolução, embora no ano passado tenham condenado dezenas de pessoas à pena capital.
Em entrevista, a deputada do Partido Ação Nacional e integrante da Secretaria da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Rosi Oroxco, declara que apesar de existir delitos graves como o tráfico de pessoas ou o seqüestro, não se deve aplicar a pena de morte.
“Eu não acredito que o Estado deva ter a legitimidade de privar a vida de uma pessoa. Há uma declaração universal dos direitos humanos da ONU e nela se estabelece que todo indivíduo tem direito a vida, liberdade e segurança, e não prevê nenhuma exceção em relação ao direito a vida. Existem pactos internacionais, mas há países onde não tem sido respeitados, e isto é grave”.
Em agosto de 2008, o Partido Verde Ecologista do México (PVEM) planejou a possibilidade de implantar novamente a pena de morte como sanção judicial em delitos como seqüestro, homicídio ou estupro.
Sobre isso, a deputada comenta: “Respeitamos muito as opiniões das pessoas; eu compreendo a dor das famílias prejudicadas, mas acredito primeiramente no direito à vida. Não temos um sistema de justiça onde se possa conseguir que todas as pessoas tenham acesso à mesma. As pessoas que mais sofreriam de injustiça são aquelas com menos recursos; além disso, a privação da vida é um ato violento e não é responsabilidade do Estado decidir sobre a vida”.
A questão jurídica vai mais além das resoluções internacionais; no Irã, alguns advogados defensores dos condenados têm sido levados ao cárcere por protestar contra a execução.
Na Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Paquistão, Sudão e Yemen, pessoas que não haviam completado 18 anos no momento em que cometeram o delito foram condenadas, violando-se assim o direito internacional.
Foi solicitada uma entrevista com o deputado Guillermo Cueva Sada do PVEM, promotor da pena de morte no México. Em seu escritório se desculparam, pois “o deputado está fora do país”.
A questão cultural
Ao chegar à prisão de Greene, Goldii mostra sua identificação. Para passar pelo detector de metais, tem que tirar seu cinto, sutiã e todo tipo de metal. Depois, é revistada individualmente em uma pequena sala com uma máquina que detecta drogas. Então passa por um posto de controle. Finalmente chega à área de visita. Este processo se repete cada vez que Goldii visita seu pai.
“É devastador para a minha família. Poderia escrever um livro de todos os sofrimentos que temos tido”, relata a filha de um dos condenados mais significativos para os grupos abolicionistas de todo o mundo.
Complementa: “Apesar do rosto do presidente [Barack] Obama também ser negro, o racismo segue presente nos Estados Unidos. Gostaria de confiar que o sistema de justiça é imparcial depois de 29 anos, mas a história tem me demonstrado o contrário”.
– Qual é o momento mais difícil da visita?
– Deixá-lo neste lugar sabendo que não pertence a ele. É uma experiência desoladora.
– O que você pensa no trajeto de volta para casa?
– Me pergunto o que estará fazendo, e o que acontece com ele assim que nos vamos. Penso em nossa conversa e o imagino com um sorriso.
José René Paz define a pena de morte como um tratamento cruel e degradante para a dignidade humana, em sintonia também com as declarações de Alfredo Nateras e da Anistia Internacional.
Paz identifica três pontos vermelhos no mundo onde se lavam a cabo mais execuções e mais condenações: a região do Oriente Médio, China e Estados Unidos.
“O tema da pena de morte é muito cultural, em muitos países se justifica com o Alcorão; mas não creio que este permita estas práticas; depende muito da interpretação que se dá ao provérbio ‘olho por olho, dente por dente’. No México, por exemplo, na ‘guerra’ contra o narcotráfico, o debate da pena de morte retorna. Muitas pessoas querem a pena de morte para todos os narcotraficantes”, declara o colaborador internacional.
Quanto aos métodos de execução, diz que apesar da injeção letal ser o procedimento mais adotado nos tratados internacionais, existem casos em que os químicos da injeção falham e a pessoa permanece agonizando durante três horas.
Ainda comenta que, em casos de lapidação o método é desigual; os homens são enterrados até a cintura antes de serem apedrejados, enquanto as mulheres têm que estar cobertas de terra até os ombros. Se a pessoa consegue escapar enquanto está sendo apedrejada, lhe concedem a graça. É mais fácil que os homens consigam sair.
Os métodos de execução variam dependendo do país. No Japão ou Egito, o método utilizado é o enforcamento. A lapidação é comum no Paquistão. Na Somália e Coréia do Norte se executa com arma de fogo. Na China e Estados Unidos é por meio de injeção letal, e na Arábia Saudita se termina com a vida mediante a decapitação.
Na América, o país onde são feitas mais execuções é Estados Unidos: mais de 3.200 pessoas esperam sua execução, e 138 condenações foram comutadas desde 1973. Apesar de na América Latina a pena de morte ser considerada abolida, alguns países – como Guatemala, Belice – e algumas ilhas caribenhas – como Bahamas e Jamaica – ainda a praticam. Em Cuba, desde 2003 não acontecem execuções.
A Europa é o continente mais abolicionista, apenas a Bielorrusia manteve esta prática vigente. Em 7 de outubro de 2010, em uma tentativa de abolir por completo a pena de morte, se criou – por iniciativa do governo espanhol – a Comissão Internacional contra a Pena de Morte. Formada por diferentes personalidades internacionais – ex-primeiros ministros, embaixadores e advogados -, seu compromisso é acompanhar as organizações e órgãos abolicionistas para conseguir um mundo sem a pena de morte.
Apesar das milhares de execuções e condenações na Ásia – o continente onde mais se executa – e Estados Unidos, a Anistia Internacional se mostra otimista e declara que o mundo se encaminha para a abolição da pena de morte. Em seu Informe 2010, explica que a cada ano mais países proíbem esta prática.
Alfredo Nateras considera que para terminar por completo com a pena de morte no mundo, é necessário cidadanizar as instâncias de procuração de justiça; além disso, trabalhar a partir de diferentes âmbitos em uma cultura de paz, de vida e respeito aos direitos humanos. Planeja que para que isso ocorra, os movimentos sociais têm que ser capazes de influenciar as legislações e pedir satisfações aos funcionários públicos sobre seu trabalho, até chegar a uma verdadeira democratização social onde não se execute nenhum ser humano.
O julgamento de Abu Jamal se encontra em um momento crítico; os tribunais revisarão novamente o caso; abre-se a possibilidade de que a pena de morte seja comutada e mude para prisão perpétua. Para seus familiares e as milhares de pessoas que o apóiam a nível global, só existe uma opção: sua liberdade absoluta.
– Se seu pai for libertado, haverá justiça?
– Justiça atrasada, mas sim.
Goldii, a filha de Mumia Abu Jamal, conclui: “É impossível retornar no tempo; não posso voltar a quando tinha três anos de idade. Não posso voltar à minha graduação do quinto grau. Houve muitos eventos da vida que ele perdeu e que jamais serão substituídos. Isso é muito triste. O corredor da morte é desenhado para quebrar o espírito humano, mas seu espírito ainda está vivo”.
Logo Goldiin levará sua filha menor para conhecer o avô na prisão, do mesmo modo que a levaram para conviver com seu pai por detrás de um grosso vidro de acrílico, desde que tinha dois anos e meio.
Por: Rogelio Velázquez
Fonte: Revista Contralínea 247/21 de agosto de 2011 – México
Tradução > Coletivo Anarcopunk Diversidade
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