[Grécia] Agora o verdadeiro jogo começa

[Texto publicado em http://withoutreasonorrhyme.wordpress.com, sobre os acontecimentos recentes na Grécia.]

O negócio está concluído. O plano foi bem-sucedido, o governo mudou, o referendo não foi realizado e as eleições remontam a um futuro distante … se é que acontecerão.

Assistimos por vários dias um jogo muito bonito: os do partido governante Pasok se confrontam com Papandreu [1], este não se demite, Samaras [2] quer a renuncia, Karatzaferis [3] e Bakoyanni [4] fingem “seriedade diante dos momentos críticos”. Em última instância, os competentes líderes da nação, depois de alguns dias de oscilações e argumentos que recordam às crianças na creche (“vai”, “não, vai você”), conseguiram deixar de lado suas “diferenças” e uniram-se pelo bem da nação.

Mas, principalmente, tudo isso teve um resultado lateral: nossos patrões começaram a se sentir desconfortáveis em suas cadeiras. Tudo foi calculado muito bem, embora tenham se esquecido de uma coisa: a sociedade grega. Ultimamente, embora claramente não esteja em uma situação pré-revolucionária, a sociedade grega começou a reagir de uma forma “rara”. Canais de televisão que estavam esperando acalmar a raiva estão esgotados. Os partidos “reacionários” não ganham com o descontentamento das pessoas. E gradual e progressivamente ressurgem novas forças, que se referem aos conceitos que o capitalismo queria enterrados profundamente em nosso subconsciente: palavras como solidariedade, dignidade, igualdade, verdadeira democracia, direitos, resistência, desobediência, voam pelo ar e têm, pouco a pouco, cada vez mais receptores.

Aproximadamente neste ponto foi quando eles souberam que algo estava errado. E decidiram chutar-nos e dirigir-nos aos nossos sofás, porque havíamos levantado a cabeça e isso é indevido. Por isso, montaram um golpe de Estado de novo tipo, o qual todos fomos testemunhas nos últimos dias, imobilizados e fixados em nossos aparelhos de televisão. Durante toda essa confusão, no entanto, ao observador avisado foi revelado o verdadeiro objetivo: basta dar uma olhada no discurso de Papandreu no Parlamento, referindo-se aos bairros, à democracia direta e à solidariedade. Ou dar uma olhada nos meios de comunicação, onde o tele-terrorismo repete continuamente frases como “momentos cruciais”, “necessidade nacional”, “salvação da pátria”, a fim de convencer as massas aterrorizadas. Mesmo o novo primeiro-ministro parece concordar com o plano de limitação dos setores rebeldes da sociedade: um político impecável, tecnocrata, que sabe como resgatar o país, sem corrupção e as paixões do passado.

Assim, a partir de amanhã, um novo dia amanhece para o país: é hora de tomar o poder um governo que não foi aprovado por ninguém, com um primeiro-ministro que ninguém votou, com um programa que nunca foi anunciado ao povo e com as pessoas que vão avançar fazendo o que eles dizem, sem nunca prestar contas. A entrada do túnel é o contrato de empréstimo. Ninguém sabe qual é a saída, embora a suspeita seja a falência.

É claro, por outro lado, a Esquerda oficial está indo muito bem neste assunto. O Partido Comunista (KKE), por exemplo, depois de fazer uma boa e adequada análise, se pôs a vomitar isso dos indignados e outros que atacam o movimento popular, e tem chegado a… pedir eleições. A Coalizão de Esquerdas (Syriza) está ameaçando deuses e demônios que irá derrubar o governo e chegou a pedir… eleições. Sim, os dois partidos da esquerda parlamentar, agora, diante da nova ditadura, de uma sociedade que está sendo comprimida, do roubo da riqueza que deveria ser social, respondem com eleições. São umas pessoas incompetentes, umas mentes estúpidas, que no fundo de sua cabeça encontra-se o desejo de subir três pontos nas eleições e a necessidade de grunhir, talvez com o remoto fim de basear sua estratégia eleitoral no futuro com o argumento “é o que nós andávamos dizendo”.

Felizmente ou infelizmente, muitas pessoas têm notado que o “simbólico”, a “luta parlamentar”, o “protesto” são palavras estúpidas que a Esquerda (especialmente a parlamentar) usava para ocultar sua deficiência e sua falta de vontade de agir de verdade. E essas forças parecem ter começado a aparecer. Agora é a hora do julgamento: por um lado aqueles que querem lutar e de outro aqueles que querem rosnar. O movimento existe. Desorganizado, sim. Disperso, sim. Sem propostas claras, sim. Mas com um profundo desejo de mudar as coisas, desta vez para sempre. A maneira exata de fazer isso ninguém sabe, e na minha humilde opinião, ninguém pode saber. Mas eu sei que um movimento semelhante deveria ter em seu seio as mudanças que quer ver, mesmo em termos gerais ainda. Deveria começar a lutar, a partir de amanhã. Falar à sociedade, não como um portador da verdade absoluta e de uma diretriz para o futuro, mas de igual para igual, edificando sobre alguns conceitos básicos sua ação e desenvolvimento. As ações de nosso sistema nos mostram que a melhor forma de iniciar e continuar é acerta-lhes onde mais dói: fazendo o oposto do que eles querem impor. Respondendo à ditadura com verdadeira democracia. À indignação com dignidade. Ao individualismo com coletividade. À competição com solidariedade. À disciplina com desobediência. À resignação com a resistência. Ao desespero com a esperança.

O que o futuro nos reserva, ninguém pode saber exatamente. Tudo indica, no entanto, que estamos entrando em uma fase em que ansiamos o 2011 como um “bom ano”. Desesperador? Provavelmente, para aqueles que não acreditam que tenham a força para mudar alguma coisa. Para os outros, a mensagem dos nossos tempos é otimista, atingindo gradualmente a fase em que “não têm nada a perder, senão suas algemas”. Basta que vejamos e acreditemos. Agora, o verdadeiro jogo começa.

[1] Primeiro-ministro até há alguns dias.
[2] Líder da Oposição.
[3] Líder do partido ultradireitista.
[4] Líder de um pequeno partido neoliberal.

agência de notícias anarquistas-ana

Silenciosamente
Sinos badalam na tarde —
Brinco-de-princesa
Neiva Pavesi

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