Em setembro de 2011, se estendeu a ocupação de praças ou parques públicos em cidades dos Estados Unidos, começando com o Occupy Wall Street em Nova York e chegando a dezenas de milhares de pessoas. “Occupy” foi uma mistura bastante estranha e muitas vezes contraproducente. Em algumas cidades foi tomada por “conspiranóicos” sem nenhuma experiência em assembleiarismo, em muitas outras serviram mais como veículo para as preocupações de uma classe média cada vez menor que impôs uma não-violência extrema, pedindo permissão para os acampamentos (mesmo mudando-os para outros locais indicados pelos conselhos locais), colaborando com a polícia e tentando proibir a participação anarquista. Em outras cidades, no entanto, tem sido um lugar onde se podia livremente discutir e desenvolver uma prática e uma análise radical.
O simples fato de ser um fenômeno em que pessoas desconhecidas se encontravam para discutir política, fazer reuniões e tomar o espaço público – em um país tão alienado e despolitizado – deu ao Occupy uma importância revolucionária difícil de negar. Além disso, a participação crítica de indivíduos anarquistas, a propagação no espaço Occupy de práticas como a horizontalidade, o assembleiarismo, a ação direta e a negação de petições aos políticos contribuiu substancialmente para a visibilidade anarquista, no aumento a nível nacional durante os últimos anos. Ainda mais quando veio à tona que um dos principais arquitetos do Occupy Wall Street era um acadêmico anarquista.
A cidade de Oakland (Califórnia), em particular, tem se destacado por uma natureza combativa e abertamente anticapitalista. Uma cidade com a experiência recente de vários distúrbios e sabotagens massivas em resposta às mortes cometidas por policiais, o Occupy de Oakland lutou para defender seu espaço. Tanto que foi conhecido como “A Comuna de Oakland”, e em 2 de novembro de 2011 organizou a primeira greve geral – em toda a cidade – que aconteceu nos EUA em muitas décadas. Posteriormente, em 12 de dezembro, Oakland junto com outras cidades da Costa Oeste organizaram bloqueios nos portos, fechando muitos com piquetes e com o apoio informal dos estivadores (cujo sindicato não endossou nem obstruiu a greve).
Desde 15 de novembro a “Comuna de Oakland” havia sido desalojada, havia recuperado sua praça (rebatizada de “Praça Oscar Grant” em memória a um jovem morto pela polícia) e foi desalojada novamente.
Em 28 de janeiro, 2 mil pessoas juntaram-se para ocupar um edifício e recuperar um espaço onde a Comuna poderia seguir se desenvolvendo. Encontrava-se um grande dispositivo de antidistúrbios, mas foram preparados com escudos, capacetes, pedras e tochas. Após várias horas de batalha, alguns policiais e muitos companheiros ficaram feridos (alguns permanentemente), a cidade de Oakland havia sido tomada e destruída por dentro, e 400 companheiros detidos. Dentro da prisão, muitos companheiros foram agredidos ou negaram-lhes seus medicamentos (incluindo alguns casos graves, por exemplo, vários compas com AIDS) e negaram-lhes comida e água. Enquanto isso, os progressistas e supostos aliados no movimento Occupy, incluindo muitos que haviam aplaudido os rebeldes no Egito ou na Grécia por terem atacado os bancos que fodiam suas vidas, em seus blogs condenaram a violência dos anarquistas e exigiam um pacifismo absoluto para evitar a repressão.
O que segue abaixo é uma carta escrita por algumas companheiras que participaram dos distúrbios do dia 28.
Informe sobre os acontecimentos de 28 de janeiro em Oakland
Começamos pedindo desculpas, já que nossas palavras podem ser incoerentes, nossos pensamentos tendenciosos e nosso tom muito emocional. Perdoe-nos, porque o zumbido em nossos ouvidos ainda interrompe nosso pensamento, porque nossos olhos seguem borrados e seguimos ansiosas e com o trauma de nossas feridas e a prisão das pessoas que queremos. Como muitos de vocês já estão cientes: após um longo dia e uma longa noite de batalhas de rua em Oakland, vimos derrotados os nossos esforços de ocupar um edifício grande para criar um centro social. Estamos escrevendo, em parte, para corrigir as falhas e enganos espalhados pela mídia-merda. Mas também para explicar a intensidade e urgência da situação em Oakland aos companheiros do exterior. Até certo ponto, esta é uma missão impossível. Os vídeos e meras palavras podem fracassar inevitavelmente em transmitir as inefáveis experiências coletivas das últimas 24 horas. Mas, como sempre, aqui vamos nós.
Ontem foi um dos dias mais intensos de nossas vidas. Dizemos isto sem hipérbole ou sobressaltos. O terror nas ruas de Miami ou de St Paul, o poder nas ruas de Pittsburgh ou no outono de Oakland; o afeto de ontem atingiu ou superou a qualquer uma dessas experiências. Os acontecimentos de ontem nos confrontou com uma série de momentos intensamente belos e igualmente terríveis.
Uma curta seqüência:
Belas palavras são transmitidas na praça Oscar Grant, incitando-nos a cultivar nosso ódio ao capitalismo. Centenas de pessoas abandonam a praça e logo somos milhares. A polícia tenta tomar o caminhão com o equipamento de som, mas é resgatado por uma onda de pessoas. Vamos então até o nosso destino e nos bloqueiam. Viramos para outro caminho e outra vez nos bloqueiam. Damos o seguinte passo lógico e de alguma forma a polícia não o havia antecipado. Estamos mais perto do edifício, agora rodeado por cercas e porcos armados. Derrubamos as cercas, criando alguns buracos. A polícia começa a sua primeira incursão de gás e fumaça. O medo inicial passa. Com calma, nos aproximamos de outro ângulo.
Os porcos criam suas linhas em Oakland. À nossa esquerda, o museu; à nossa direita, um complexo de apartamentos. Escudos e barricadas reforçadas à frente; empurramos. Lançam disparos de foguete e faíscas e bombas de gás. Respondemos com pedras e foguetes e garrafas. Os escudos avançam. Outro ataque dos porcos. Os escudos rebatem quase todos os projéteis. Nos agachamos, esperamos, avançamos todos de uma vez. Eles vêm até nós uma e outra vez. Lançamos sua própria merda, a nossa, e o que podemos jogar. Alguns de nós são atingidos por balas de borracha, outros se queimam com granadas de fumaça. Vemos alguns policiais caírem sob o peso das pedras perfeitamente lançadas. No que parece uma eternidade, nós mudamos o lançamento e os escudos. Nunca antes havíamos sentido isso. Almas adoráveis dos apartamentos nos jogavam jarras de água pela janela para limparmos os olhos. Encontramos um momento para agradecer a coragem sem precedentes e a delicadeza com que os estrangeiros que tinham os escudos realizaram sua tarefa. Recuamos para a praça, carregando e sendo carregados por outros.
Nos reagrupamos, fizemos esquemas, e mais mil coisas, nos preparamos uma hora depois. Falhando a nossa segunda opção, marchamos adiante com a terceira. A polícia implementa sua armadilha: tentam nos caçar no parque entre a rua 19 e o local da Broadway que havíamos ocupado. Instala-se o pânico; reforçaram todas as suas linhas. Eles começam a jogar gás novamente. Mais balas, nosso ataque é repelido. A inteligência da multidão avança rapidamente. Grupos de pessoas vão para as barreiras. Em uma inversão do momento em que ocupamos este terreno pela primeira vez, as cercas se voltam para ter uma rota de fuga. Não tentaremos explicar a alegria de mil selvagens correndo a toda velocidade pelo terreno, tirando uma segunda linha de barreiras e escapando para a liberdade da rua. Mais jogos de gato e rato. Em frente ao YMCA, outra armadilha. Desta vez é mais profunda e não há cercas ao redor para jogar. Suas linhas são profundas. Algumas dezenas agem rapidamente escalando uma porta próxima, saltando perigosamente perto do pavimento rígido abaixo. Passando a porta, o grupo encontra uma fila de furgões da polícia: podem imaginar o que acontece em seguida. Um trabalhador do YMCA abre uma porta. Inúmeras pessoas escapam para dentro do prédio e saem por outra porta. A polícia descobre ambas as rotas de fuga e começa a atacar e pegar aqueles que tentam passar, mas não conseguem. Aqueles que caem na armadilha são brutalizados e se resignam à sua prisão.
Algumas centenas continuam. Hora da vingança. As pessoas invadem a câmara municipal. Tudo o que encontram é destruído. Os arquivos jogados por todos os lugares, os computadores também, janelas estilhaçadas. A bandeira americana é puxada para fora e é cerimonialmente incendiada. Uma manifestação à prisão, muitas pichações, um furgão de notícias destruído, portas da prisão quebradas… Os porcos respondem com fúria. Impiedosamente batendo, empurrando, atirando em qualquer um que cruze seu caminho. Muitos dos que escaparam antes são presos por esquadrões de detenção. O centro da cidade parece uma zona de guerra. Os que sobram voltam às casas vazias e aos braços queridos.
Uma máquina de guerra também deve ser intrinsecamente uma máquina de amor. Quando escrevemos isto, centenas de compas estão atrás das grades. Inúmeros outros feridos e traumatizados. Passamos a noite passada literalmente ”papeando” e assegurando que todos os que conhecemos estão bem. Ainda não pudemos encontrar muitas pessoas no sistema, se ouve rumores, alguns foram libertados, a outros foram atribuídas graves acusações e colocados sob fiança. Esta máquina de afeto é muito do que temos chamado de Comuna de Oakland, tanto no acampamento como nas lutas de rua.
Passamos uma manhã ensolarada e a ilusão da paz social que se abateu sobre Oakland novamente. E em todos os lugares há provas do que aconteceu. Funcionários lutam para reerguer suas cercas patéticas. Mesas são colocadas nas janelas da prefeitura e bancos próximos (alguns para esconder o estrago, outros simplesmente para se esconder atrás). As mangueiras tentam limpar o resto do que sobra da estúpida bandeira. Não se pode literalmente olhar em qualquer lugar da Broadway sem ver pichações difamando a polícia ou elogiando nossa gente (anarquia, nortes, a comuna, incluindo Juggalos). Um olho entendido pode ainda encontrar os restos de latas de gás e resíduos dos foguetes. No refeitório, amigos se reúnem e compartilham notícias sobre quem foi ferido e quem tinha estado nos fatos. Nossas feridas estão começando a curar e serão finalmente cicatrizes ou desfigurações ridículas. Esperamos que nossos admiradores perdoem esta feiúra, ou podem vê-la como pequenos sinais de uma beleza única. Em ambos nossa adrenalina desaparece e encontramos momentos de solidão, nos vemos impressionados com a gravidade da situação.
Tendo fracassado na tomada de um edifício, nossa busca continua. Continuamos encontrando a combinação perfeita de confiança, planejamento, intensidade e ação que pode tornar a nossa luta uma presença permanente. A comuna tem e continuará ao longo do tempo, interrompendo a mortalidade e o horror do funcionamento cotidiano da sociedade. Os segmentos da comuna continuam de forma ininterrupta, assim como as afinidades e as relações construídas nos últimos meses. Um processo insurrecional é aquele que destaca essas relações e aumenta a freqüência com a qual a comuna emerge para interromper o vácuo da história capitalista. Para continuar esse processo, nossa missão é continuar incessantemente com a experimentação e a imaginação com que poderíamos iluminar as diferentes estratégias e caminhos para além dos limites atuais da luta. Às vezes, para esquecer, e outras para lembrar.
Concluímos com um apelo aos nossos amigos em todo o país e além fronteiras. Não deve olhar para todos os eventos aqui como uma seqüência separada de suas vidas. Entre a beleza e o espetáculo dos momentos na Baía, você vai descobrir a mesma alienação e exploração que caracteriza a sua própria situação. Por favor, não consuma as imagens da Baía como faria com as imagens de distúrbios estrangeiros ou de uma subscrição ao netflix. Nosso inferno é o seu, e o mesmo vale para a nossa luta.
E por favor… se nos queres como cremos que fazes, prová-lo. Queríamos tão desesperadamente que estivessem conosco presencialmente, mas sabemos que muitos de vocês não puderam. Estendam a comuna para os seus próprios lugares. Dez cidades já anunciaram as suas intenções para a realização de manifestações de solidariedade hoje à noite. Junte-se a eles, convoque a sua. Se você não estiver conectado o suficiente para ser uma força social para fazê-la, encontre então seus próprios caminhos para manifestá-la. Com seus colegas ou sozinho: destrua, ataque, exproprie, bloqueie, ocupe. Faça o que puder para aumentar a prevalência e a perversidade da nossa interrupção.
Por um conflito prolongado;
por uma presença permanente;
pela comuna:
Algumas amigas de Oakland
Fotos:
http://www.indybay.org/newsitems/2012/01/29/18705915.php
http://www.indybay.org/newsitems/2012/01/30/18706120.php
Vídeo da repressão policial:
http://www.youtube.com/watch?v=sFaviIoy4rg&feature=player_embedded
E como dito no manifesto, nos Estados Unidos ocorreram durante os últimos dias várias ações e manifestações em várias cidades, especialmente na Costa Oeste.
• Santa Barbara: http://anarchistnews.org/node/21578
• Portland: http://anarchistnews.org/node/21580
• Modesto: http://anarchistnews.org/node/21576
agência de notícias anarquistas-ana
Meus olhos não param:
a multidão de formigas
está de mudança.
Thiago Souza
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!