A Utopia é uma garrafa vazia
Se refletir sobre o estado do tempo não significa de todo falar da cor do céu, nem tão pouco ficar a derreter ao sol numa magnífica tarde de domingo no velho oeste português conhecido por Caldas, resta apenas uma sincera reflexão sobre o estado do tempo e dos tempos que passam. Foi no passado dia 6 de maio, na Casa Bernardo, a convite da malta [do pessoal] das Caldas, que movimentos, coletivos e associações como o Centro Cultura Libertária, Margem Sul-Libertação Animal, Caldas da Rainha pela Ética Animal, Coletivo Es.col.a, Rua com Todos, Eletricidade Estética e Ozzy Project, se reuniram em torno de questões essenciais para a compreensão do momento delicadamente ingrato que todo/as parecemos viver.
Esta congregação não necessariamente ideológica, nem tão pouco utópica, pois como nos disse o Mário Trovador “a utopia é uma garrafa vazia“, deu aso [origem] a libertárias e multifacetadas manifestações artísticas, de entre as quais dois memoráveis concertos acústicos, uma performance brutal e uma exposição de arte também ela brutal e memorável. A feira arrancou [começou] com um almoço, sem vestígios alguns de carne ou derivados, uma ementa dedicada às pessoas e aos vegetais – preço amigo, veganismo e bom paladar.
Os membros da Tertúlia Liberdade apresentaram-se a todo/as, dando, assim, início a uma reflexão à volta das ações desmesuradamente nefastas a que se tem nos últimos tempos vindo a assistir, dos supradomínios implacáveis dos senhores que quiseram sitiar um conjunto de pessoas, da submissão, em suma, a que se tem vindo a obedecer escusadamente nos últimos tempos. Uma tentativa de alerta para uma libertação total da troika [grupo formado por União Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu]. Não tardou a consulta, leitura e venda de alguns textos raros nas estantes de qualquer livraria, coisa que ali não faltou, pela mão do Centro Cultura Libertária e Tertúlia Liberdade, com publicações, zines e livros anarquistas.
Numa versão ainda assim ligada ao pensamento, às artes e ao punk, ainda que com um teor não especificamente anarquista, foi também possível consultar, ler e comprar algumas zines realizadas por núcleos de artistas a residir em Caldas da Rainha.
De Coimbra chegou o Guilherme Neves com o Projeto Old Trees, a rasgar um sonoro que parecia querer dizer qualquer coisa, um SxE firme e convicto, assente no poder de uma guitarra acústica, uma harmônica e uma voz ativa!
Logo após, o Coletivo Es.col.a sentou as pessoas lá presentes num círculo e falou abertamente sobre as incidências mais felizes e menos felizes, também, do seu projeto de ocupação. Mais um momento importante na conscientização sobre o assunto em causa. A discussão de conceitos como a ocupação, o direito à habitação, a propriedade privada, o poder de uma câmara municipal na luta contra as forças sociais de ação libertária, entre outros. Foi bonito escutar e poder debater sobre todo este processo em curso, a Fontinha veio às Caldas e isso foi bonito!
Menos bonito foi constatar que a mulher não mais bonita pode ser sem que seja mercadoria torturada – uma abordagem chocante sobre um universo de mordaz chauvinismo e intensa violência, numa performance idealizada e realizada pelo Coletivo Negativo. Isto aconteceu posteriormente num dos quartos da Casa Bernardo, em simultâneo com todo um corpo de exposição que por lá já anda à mais de um mês a marcar território, da autoria do UiU, um artista que está intimamente ligado às Caldas e que tornou, também, possível este dia.
Não chegou a decorrer um previsto momento de Dança da Juliana da AIT de Chaves, para imensa pena de todo/as. O evento encerrou com um magnífico concerto do Mário Trovador, recheado de pequenas estórias de encantar e fazer pensar, com espaço até para publicidade contra comercial, o que funcionou e funciona sempre muito bem nestes cenários pós-modernos de decadência acelerada gerada por meros e não tão desejados artifícios capitalistas. O Mário, sendo o poeta que é, e que foi naquela noite, deixou as pessoas lá presentes com entusiasmo suficiente para dar continuidade ao movimento de conscientização sobre a natureza e, sobretudo, sobre a natureza do ser humano, coisa que propícia uma melhoria total de cena, e por isso se jantou e se celebrou, num tempo em que se avizinha a vontade alheia de proibir que se coma e que se celebre!
João Sousa
Fotos:
› http://crhc-zine.tumblr.com/post/22616827759/ozzy-art-report-na-casa-bernardo-feira
› http://crhc-zine.tumblr.com/post/22616223324/ozzy-art-report-na-casa-bernardo-feira
Vídeos:
› http://crhc-zine.tumblr.com/post/22584227123/old-trees-feira-libertaria-domingo-6-de-maio
› http://crhc-zine.tumblr.com/post/22579093880/mario-trovador-feira-libertaria-domingo-6-de
A música que animou o dia começou com canções SxE, vegan, eco-anarquista. Um projeto “pioneiro” em Portugal. Conheça e apoie este jovem músico.
› http://www.metalunderground.org/viewtopic.php?f=33&t=39973
Aqui a programação da 1ª Feira Libertária das Caldas da Rainha:
› http://www.pt.indymedia.org/conteudo/newswire/7476
agência de notícias anarquistas-ana
Tarde de outono —
Assustada a coruja
Acorda com o trovão
Eduardo Balduino
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!