[EUA] O que faria a Emma Goldman?
No seu livro mais recente, “Emma Goldman: A Revolução como forma de vida”, Vivian Gornick examina a vida e o pensamento da grande anarquista e dissidente americana. David Johnson, editor da Web BR, falou com ela, na semana passada [17 de outubro de 2011], acerca do seu novo livro e da psicologia dos radicais e dos protestos do Occupy Wall Street.
David Johnson > Antes de escrever o livro já era admiradora da Emma Goldman? Conhecia muito acerca dela?
Vivian Gornick < Conhecia-a na forma de clichê, a de uma criança que cresce no seio de uma família de esquerda e que conhece certas figuras marcantes. Ela era conhecida como amiga da classe trabalhadora internacional. A classe trabalhadora era santa, heroica, intocável e todos os que eram associados à causa do trabalhador eram heróis. E isso era tudo o que eu conhecia.
DJ > Ao pesquisar para o livro, descobriu algo surpreendente sobre ela?
VG < Muitas coisas foram surpreendentes. Emma Goldman foi uma pessoa de contradições internas enormes e disse e fez muitas coisas que deixariam a minha mãe de boca aberta. Tinha muitas facetas e compulsões que deviam ter sido chocantes para as pessoas daquela geração, para as quais ela era simplesmente um ícone.
DJ > O livro oferece um retrato psicológico profundo de Emma Goldman, em vez de uma biografia histórica tradicional. Acha que existe algo como uma psicologia de um radical ou dissidente? E, em caso afirmativo, em que medida a Emma representa isso?
VG < Para mim, Emma foi o protótipo da rebeldia. Acho que é isto o que caracteriza os radicais de esquerda: a recusa profunda de aceitar o mundo como ele é, quando sentem que é injusto, desafiando a autoridade quando essa autoridade é injusta. Acho que existe um temperamento que leva uma pessoa a ser ativista, é o caso dela; ela constitui o primeiro exemplo disso.
DJ > O que pensa que ela faria em relação aos atuais protestos do Occupy Wall Street?
VG < Acho que ela iria diretamente para lá. Aliás, eu ainda não fui mas planejo ir esta semana. Pelo que entendi, não têm um orador “profissional”, eles funcionam tomando a palavra, de uns para outros.
DJ > O microfone um a um?
VG < Sim, é uma tática maravilhosa. Mas se a Emma estivesse lá, estaria em cima de uma caixa de sabão, fazendo em dois segundos a sua declaração, a pleno pulmões, a qual se poderia ouvir até ao rio. Acredito que adoraria. Diria que está na hora. Há já longo tempo.
DJ > Vai falar? Ou só irá na de “tomar tudo”?
VG < Não, vou até lá, dar uma olhada e talvez participar.
DJ > Admito que fiquei muito entusiasmado ao ler este livro, considerando o estado das coisas. Muitas pessoas acham que precisamos de mais ativismo: precisamos ter raiva, sair às ruas, precisamos ter alguma dessa paixão de Emma Goldman.
VG < Então, o que podemos aprender dela? Foi uma grande insurreta, desafiadora da injustiça da autoridade. Ela estava sempre nas ruas. Ela é uma figura maravilhosa para ser invocada nestes tempos. Isso é verdade, mas sabemos o que acontece com as grandes figuras radicais: não podem fazer com que o movimento exista. Podem só conduzi-lo se este está a acontecer.
Não estamos a viver tempos políticos. Não é o momento para fazer um discurso na rua para 10.000 pessoas como nos anos 60. Tudo o que está acontecendo em Washington…
Obama está sempre a ser comparado com FDR [Franklin Delano Roosevelt] e a Grande Depressão, mas quando o Roosevelt abriu a boca e sugeriu a reforma, e que reforma, todo o país o seguiu, aplaudindo nas ruas. Obama – que é de fato um presidente assustadoramente decepcionante – está mais fraco por não ser apoiado pelas pessoas. Precisamos saber quantas Emma Goldman há nos nossos dias cujas vozes estão a ser abafadas em vez de ser seguidas. É possível que o movimento Occupy Wall Street se vá espalhar, chegando a ser um movimento popular e a ter os efeitos que tiveram os movimentos pacifistas do Vietnam e acho que muitas pessoas pensam da mesma maneira que eu, vamos ver. Mas não é possível haver uma Emma Goldman a surgir do nada que tenha o poder de virar a maré da crescente atmosfera da extrema-direita.
DJ > Questiono-me se o tempo dos “líderes” como Emma Goldman já não passou…
VG < Não, não passou, não é só aqui agora. Não é passado enquanto tivermos um futuro, enquanto estivermos vivos. Emma foi considerada louca porque falava eloquentemente em público sobre a sua autolibertação. É por isso que amava os Estados Unidos da América.
DJ > Porém, quando se olha para os protestos do Occupy Wall Street, observa-se que estes são baseados no modelo de um coletivo sem liderança.
VG < É o estilo do momento, acho que foi uma das razões pelo qual a revolta egípcia inicial foi maravilhosamente não violenta e sem liderança no início: eles colocaram a liderança do mundo em torno deles, com o qual tiveram contato profundo, devido à tecnologia. Quando a usaram, continuaram a dinâmica de acreditar que poderia ser dessa forma. É um período intensamente democrático, mais do que nunca, e assim, não, não acho que as vozes como a de Emma vão surgir em breve. Não temos uma atmosfera revolucionária, agora.
DJ > Uma das coisas que achei interessante foi o fato da Emma se ter identificado tão fortemente com a América e quão desanimada ficou com o exílio forçado na Rússia em 1919. Mas eu ainda não entendi porque é que ela achava a América o lugar certo para ela e para as suas políticas radicais. Com tantos lugares radicais, por exemplo, na Europa, porque é que achou a América o lugar certo para ela?
VG < Porque a essência do anarquismo que floresceu nela foi a questão da individuação: o indivíduo que se experimenta a si próprio de maneira internamente livre. Ela foi mais devotada à ideia da autolibertação do que a qualquer outro aspecto do anarquismo – essa é uma característica americana de anarquismo, o tema da autolibertação – e essa não estava na agenda dos anarquistas europeus.
Em vez disso, eles dedicaram-se à busca de alternativas para o governo central e para o sistema de comunas. Como eu afirmo no livro, os heróis dela não eram políticos, mas sim literários e filósofos – Thoreau, Emerson e Whitman. Ela era grande admiradora das pessoas que falavam eloquentemente acerca da autolibertação. Por esta razão amava os Estados Unidos e ficou surpreendida tanto quanto qualquer outra pessoa quando se viu ser deportada. Na verdade, nunca superou esse momento.
DJ > Ela escreveu um livro acerca dos anos vividos na Rússia bolchevique no qual tomou uma posição muito crítica em relação a ela, o que lhe custou muitos amigos dentro da esquerda radical.
VG < Famosamente crítica. Não diz nenhuma coisa positiva. Naquela época muitas pessoas de esquerda ainda estavam dispostas a simpatizar e compreender a revolução russa, mesmo depois de esta ter começado a azedar. Era apenas 1920 e alguns estavam dispostos a ver o bem que a revolução fazia, mas ela não estava disposta a fazê-lo, nem por um segundo. Houve uma luta enorme a acontecer nas mentes e corações de muitas pessoas na Rússia com quem ela não simpatizava. Ela viu as coisas muito a preto e branco, como o fez mais tarde durante a guerra civil espanhola, quando os anarquistas estavam a ser derrotados pelos comunistas e aqueles escolheram acomodar-se e fazer acordos com os comunistas. Ela nunca perdoou, achava que deviam ter ido embora, debaixo de fogo. Emma era assim.
DJ > Juntamente com a sua falta de simpatia e cegueira em relação à complexidade das situações, também escreve que ela nunca teve qualquer conhecimento real da força motivadora por trás do seu próprio comportamento.
VG < Não, não tinha. Como exemplo que nunca assumiu a sua própria experiência, que nunca aprendeu com ela e que se autojustificou até ao fim, recorri à sua vida amorosa. Fez uma gloria enorme do amor romântico e insistiu que era a chave para a libertação: esse amor, esse desejo sagrado é a melhor coisa que alguém jamais poderá experimentar e que te transformará num qualquer tipo de pessoa milagrosa, e claro que isso não aconteceu.
Repetidamente não aconteceu. E ela não assumiu esta realidade psicológica para perguntar “Porque estou a fazer isto?”. Qualquer pessoa hoje, com o mínimo de capacidade ia perguntar “Porque estou a fazer isto repetidamente e o que é que isto revela sobre mim mesma? Mas ela nunca seguiu este caminho.
DJ > Pergunto-me se ela leu Freud.
VG < Ela leu Freud. Tirou dele o que queria e ignorou o restante [risos].
DJ > A respeito da sua relação com o feminismo, você escreve: “Emma Goldman não era uma feminista, ela era uma radical sexual o que fez dela uma defensora do controle da natalidade e do sexo sem casamento, mas não uma defensora dos direitos das mulheres como o termo é geralmente entendido”.
VG < Não, não foi e isso é evidente na sua crítica da mulher moderna. Ela disse que a mulher moderna se tornou dura e não feminina, que desistiu do amor e de tudo o resto, coisas que ela considerava de importância primordial. Dizia que o amor é a coisa mais importante da vida de uma mulher, disse que ter filhos é a coisa mais importante que pode acontecer na vida de uma mulher; isto não consta na agenda dos direitos das mulheres. Os direitos das mulheres é um movimento pela igualdade. Isso não lhe interessou de todo e nem os apoiava – não lhe interessava minimamente.
DJ > No fim do livro afirma que a expressão “O Pessoal é Político”, é legado de Emma. Acha que absorvemos completamente o ideal de que “O Pessoal é Político”?
VG < Eu posso-o fazer, na medida em que as pessoas estabeleceram uma série de “sentimentos próprios feridos” segundo a terminologia publicitada nos anos sessenta. Todos os movimentos nos anos sessenta surgiram do testemunho pessoal: levantamo-nos e dissemos: “Isto é o que somos, isto é o que sentimos, isto é o que precisamos para nos sentirmos humanos e vivemos num mundo que não nos dá o que necessitamos para nos sentir humanos”. É como vejo “O Pessoal é Político”, exatamente como acabei de parafrasear: para se exigir a um governo e à cultura o que permite às pessoas sentirem-se humanas e tomar cuidado com o que nos faz sentir inumanos.
David Brooks escreveu uma obscena coluna no Times, quando disse [parafraseando]: “Todos estão lá fazendo de vítimas, o mundo não funciona assim. 99% das pessoas autodenominam-se vítimas e estão contra os 1% como se isto fosse resolver todos os problemas”. Foi nojento. Geralmente gosto dele, é razoável, mas foi horrível descrever desta maneira o que se passou nesse dia. “99% fazem de vítimas”. Isto é todo o país! Foi uma loucura.
DJ > Ele é inteligente, mas pode ser muito escorregadio.
VG < Foi uma rejeição dolorosa do significado do que estava acontecendo. É certamente possível que porta-vozes possam sair dos protestos, mas não é o que é necessário neste momento. Quando se olha para o movimento dos anos sessenta contra a guerra, não acho que houve heróis em particular. Foi um movimento verdadeiramente democrático. Se estes protestos continuarem e se tornarem um movimento genuíno, devem ser capazes de pôr um pouco de espinha dorsal na administração de Barack Obama, fazendo-o aumentar os impostos, pelo menos isto, se nada mais. Occupy Wall Street é um agrupamento diverso, mas é uma revolta do povo. Veremos o que faz…
Portanto não, não é o momento para a Emma, mas não se esqueça do tempo em que ela vivia e de todos os anarquistas e comunistas que se tornaram famosos. Eram contra a mais inumana das épocas – a industrialização. Então, face a essa pressão, as pessoas sensatamente enfrentaram-na e quando o fizeram deu-se uma revolução. Mas as pessoas como ela e o Lenin estão intimamente ligadas à revolução, e nós não temos uma revolução agora.
DJ > Não. Pelo menos ainda não.
VG < [risos] Não.
DJ > Vai ser interessante ver o que as próximas décadas nos trazem.
VG < Devemos viver e estar bem para ver o que trazem as próximas décadas.
Tradução > Anita N.
agência de notícias anarquistas-ana
pousada na lama,
a borboleta amarela,
com calor, se abana
Alaor Chaves
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!