Esse texto não busca ser parte do discurso vitimista tão usado por algumas organizações e grupos sociais, apresentando aos companheiros que caem presos como vítimas inocentes, escandalizando-se diante da falta de liberdade e democracia e as terríveis violações de direitos humanos. Tampouco é um relato de lamentações de como o malvado Estado persegue e encerra aos pobres anarquistas.
Pretendemos, mais que tudo, através da reflexão de alguns atos repressivos que a simples vista podem parecer inconexos, analisar coincidências que nos permitam tratar de ir compreendendo e desmontando o funcionamento de alguns dos mecanismos que conformam as montagens midiático-policiais-judiciais, quanto de extrair alguns ensinamentos que nos sejam uteis no avanço dos diferentes projetos revolucionários.
Para nós não tem sentido falar de montagens unicamente quando é evidente que as acusações são inventadas, pois a montagem não se limita ao âmbito jurídico-legal, se não que se fabrica desde e por outros elementos como o midiático, o qual joga um papel igual, ou inclusive mais importante que os outros na hora de apresentar ante a sociedade os ativistas e lutadores sociais. Um dos primeiros problemas que se nos apresentam nas montagens é superar a falsa divisão entre “inocentes” e “culpados”, entre “bons ativistas” e “vândalos”.
Para pensarmos que a solidariedade com perspectiva anticapitalista deve ter claro que termos como inocentes, culpados, prisão injusta, detenção arbitraria, uso excessivo da força, etc. alimentam e fortalecem o discurso do sistema e da autoridade. Quando é justificável a força? Quando uma detenção é justa? Como se justifica qualquer prisão?
Nossos companheiros não devem estar na prisão, não porque sejam inocentes, mas porque as prisões não devem existir.
Não podemos perder de vista que as montagens formam parte de uma estratégia do sistema e das classes dominantes para poder seguir perpetuando-se. Que formam parte de uma guerra contra a dissidência, e é sob esse prisma que a abordaremos; desde o contexto da guerra social ou de classes.
É ingênuo pensar em pedir que não nos reprimam, pois a repressão é a arma que o sistema utiliza para a perpetuação da dominação e exploração. Isto significa que devemos permanecer estáticos, esperando o golpe final? Nós pensamos que não.
Devemos entender que a repressão varia em intensidade e formas segundo as circunstâncias e que na medida em que podemos ver isso poderíamos desenvolver estratégias antirrepressivas mais eficazes que nos ajudem a ter uma prática revolucionária mais forte.
Esperamos que estas reflexões nos ajudem, pois, a elaborar essas estratégias tão necessárias e imprescindíveis. Não necessitamos nem queremos mártires nem vitimas, pois isto só nos mantém em um estado de imobilização, ocupando-nos em outras tarefas. Pensamos que devemos estar na ofensiva desde diferentes frentes, e uma delas deve ser começar a desmontar as montagens.
A repressão tem várias finalidades, mas o que no fundo busca é converter em hegemônico um determinado sistema político-social, por isso a repressão contra a dissidência é constante. Por isso os atos repressivos se sucedem um depois do outro, acelerando o ritmo em certos momentos, mas nunca os retardando o suficiente como para que não tê-los presentes. A repressão pretende mandar mensagens. Assim, as montagens buscam ser estridentes, ruidosas, quanto mais espetaculares melhor, fazendo andar a maquinaria midiático-repressiva pois com isso se busca bloquear-nos, paralisar-nos, promover que nos vejamos como seres isolados incapazes de enfrentá-las.
Boa parte do êxito das montagens se baseia precisamente nessa sensação de isolamento, de desconhecimento do que vai passar, do que é que está passando, produzida pelo primeiro golpe das montagens. E se bem que cada caso tenha suas particularidades, existem aspectos que se repetem. As montagens são diferentes na aparência, mas bastante repetitivas no que é essencial. As partes que as compõem são sempre as mesmas, ainda que sua disposição ou momento de aparição varie levemente se podem perceber de uma maneira concreta que nos permitem vê-las como são: composições pré-fabricadas para momentos e circunstâncias similares.
Como dizíamos, a finalidade da repressão é apresentar ao sistema e seus valores como uma entidade hegemônica, cuja presença deve ser algo não só aceita pela população, se não natural, pelo que podemos afirmar que a atuação repressiva busca moldar as sociedades e povos à semelhança de sua estrutura organizativa hierárquica.
Por isso se busca apresentar e assimilar toda dissidência com uma organização hierárquica similar à estatal. Assim, frente à figura do líder/governante se modela um líder/dissidente que o enfrenta. Não importa que por sua própria natureza e dinâmicas várias de estas dissidências sejam alheias a essas estruturas: o movimento anarquista é clara mostra disso, pois em seu seio não tem cabimento líderes nem chefes. Mas na falta de um líder real, são as instituições que participam das montagens que os elegem, convertendo-os em cabeças visíveis. Assimilar todo gesto de desobediência a uma estrutura hierárquica, na qual existem organizadores e/ou instigadores serve ao sistema para negar a possibilidade de rebelar-se e organizar-se fora de uma estrutura vertical. Serve para negar a capacidade de organizar autônoma e horizontalmente, assim como um conflito social latente, a raiva e a fúria estendidas a amplos setores da população.
Como mencionamos, as montagens formam parte de uma estratégia de guerra, uma guerra na qual o sistema tem como objetivo exterminar toda dissidência, e na busca desse objetivo abre mão de todos seus recursos, legais e extralegais. Suas instituições não podem se limitar a atuar dentro do marco ”legal”, já que este se resulta demasiado rígido para atuar rapidamente segundo as circunstâncias. O importante é dar um golpe de efeito rápido e pronto, já que haverá tempo depois para acomodar o caso dentro dos limites legais. Para isso estão os ministérios públicos e juízes.
O que se busca é gerar medo, pois é o medo a base e sustento das montagens. A ideia central é apresentar as dissidências como uma ameaça para a sociedade, uma ameaça repentina, mas que graças à oportuna ação do Estado, se consegue neutralizar.
Assim, pois, o papel fundamental das montagens é propagandístico, e para isso contam com os meios de comunicação em massa. Como dizíamos, as montagens buscam ser estridentes, espetaculares. Isso podemos constatar se comparamos o reduzido número de companheiros que sofrem estas montagens e o papel que tomam os meios de comunicação em massa. Seleciona-se a companheiros ou organizações conhecidas no entorno e sobre eles recaem a repressão e os ataques que se lançam desde a mídia. Desata-se então uma campanha midiática que acompanha e fortalece a montagem jurídica, se trata de apresentar ao dissidente como um ser perigoso, antissocial, tentando misturar as coisas e apresentar aos que lutam e se organizam como responsáveis dos problemas, buscando isolá-los da população.
Em muitos casos, estas montagens são encaminhadas para preparar o caminho para outras formas de repressão mais amplas, como a aprovação de leis que facilitem ainda mais o controle social, o aumentos de corpos repressivos, construção de mais cárceres, instalação de câmaras de vigilância, etc. como sucede agora no Chile, onde depois de uma montagem bruta que durou vários meses e na que se pretendeu prender a 14 companheiros por delitos como associação delituosa, agora se aprova a chamada lei antiprotesto ou lei Hinzpeter, que busca terminar com os protestos de rua. Não nos surpreenderá se em um futuro próximo se tente algo similar por estas latitudes.
Outro objetivo desta campanha é socializar o medo, estendê-lo e fazê-lo florescer entre a sociedade, tentando converte-la assim em cúmplice da repressão, assumindo como próprio o medo que o sistema sente ante a mobilização social e popular. Busca-se fomentar a submissão dos explorados às consignas oficiais, tentando que surjam colaboradores espontâneos ou sistemáticos com a repressão ou simplesmente que as ações repressivas se assumam como algo comum, normalizando a repressão ante os olhos da sociedade.
Na fabricação destas montagens intervêm várias instituições, as quais estão encarregadas do controle social e a contenção do protesto social, encarregadas de evitar que a frustração cotidiana se converta em raiva organizada. Segundo sua função se podem dividir em três eixos.
1. O eixo político são todas essas organizações encarregadas de manter os protestos dentro de um canal que convém ao sistema: negociação, pactos, respeito às leis, etc. no que cabem desde ONGs, sindicatos, partidos políticos e alguns grupos de esquerda que se dedicam a levar as lutas a esses terrenos, ajudando assim a manter o estado das coisas. Outra função que tem este eixo é a de levantar o dedo acusador, delimitando-se e assinalando aqueles que não participam das vias institucionais, convertendo-se assim em cúmplices inativos da repressão.
2. O eixo midiático é formado por todos os jornalistas e meios de comunicação ponta de lança da propaganda de guerra institucional, aqueles que pavimentam o caminho da repressão, mesmo que depois eles mesmos se encarreguem de justificar, não se importando em absoluto com a gravidade da mesma. São a correia de transmissão do medo.
3. O eixo jurídico-penal se conforma das diversas entidades do sistema legal. Desde a polícia de bairro ao carcereiro, passando por magistrados e ministérios públicos.
Este triângulo formado por políticos, jornalistas e corpos repressores é o encarregado de manter a ordem, cuidar que os interesses dos poderosos não se vejam afetados de maneira alguma por incidentes surgidos dos setores explorados da população. São guardiães da ordem e da lei. Eles são também uma fábrica de medo e terror, nos dosando processados e, no fundo, justificando sua existência.
Quer dizer, o medo não só é um produto que sai desta fabrica, como também é sua matéria prima.
Pois bem, como vemos, no desenvolvimento das montagens intervêm diferentes atores, cada um desempenhando um papel muito determinado. Assim mesmo, ainda que os contextos em que se apliquem sejam diferentes, podemos observar certos objetivos muito claros e concretos. Identificar e entender isto nos pode servir para anular os primeiros momentos da montagem; saber, ou pelo menos imaginar, o que se nos pode apresentar como cenário ante uma repressão nos dá melhores elementos para determinar as estratégias de resposta.
Se chegamos a identificar e conhecer os elementos, tempos e finalidades destas montagens, é possível resistir a elas de uma maneira mais efetiva. É uma oportunidade para conhecer nossas forças, as possibilidades do momento, nossos pontos fortes e os aspectos a melhorar.
Devemos responder às montagens utilizando nossa maior ferramenta: a solidariedade; é de suma importância abrigar a todos os companheiros reprimidos e/ou identificados. Nós pensamos que ante estes cenários é fundamental manter a calma. Entender que o que está passando forma parte de uma estratégia repressiva ampla e constante por parte dos grupos de poder; reforçar nossas medidas de segurança e, sobretudo, continuar com nossas tarefas organizativas e de luta.
É claro que o Governo do Distrito Federal (GDF), desde a administração de AMLO [Andrés Manuel López Obrador, chefe de governo até 2005], com Marcelo Ebrard como Secretário de Segurança Pública, tem construído um discurso que lhe tem permitido abrir mão de recursos repressivos que o ajudam em sua tarefa de controle social, como o famoso “Protocolo de manejo de controle de multidões”, o qual já aplicava desde antes de se aprovar e publicar, ensaiando com pequenas manifestações de grupos “radicais” pelo que ninguém protesta se são golpeados e encarcerados. Agora que tem um discurso legitimador e as ferramentas necessárias, não duvidamos que começará a utilizá-los já não só contra os grupos anarquistas, como contra todas as expressões dissidentes que saiam de seu marco de controle e mecanismos de corporativização.
Sirvam, pois, estas reflexões para contribuir ao debate das estratégias antirrepressivas.
Abaixo os muros das prisões!
Liberdade a todos e todas!
Cruz Negra Anarquista México
Tradução > Caróu
agência de notícias anarquistas-ana
Margeando riacho
Tenras folhinhas brotam
No campo queimado.
Mary Leiko Fukai Terada
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!