Em 21 de fevereiro passado, escrevemos uma síntese dos acontecimentos para quem está no exterior, supersaturados de informação sobre a Venezuela, necessitando de uma cronologia dos fatos. Passaram-se apenas 4 dias desse relato, mas há tantos elementos novos que é necessária uma atualização para sugerir que qualquer fotografia da realidade venezuelana mudará nas próximas horas.
O primeiro elemento a ressaltar, é que as manifestações dos críticos ao governo continuam até o momento em que isto se escreve, e não parece que se deterão nos próximos dias. A cultura venezuelana havia se caracterizado por promover o esforço de resultados a curto prazo, sem permanência no tempo, pelo que a soma de cada novo dia de protesto contradiz o imediatismo político que parecia próprio do “fazer” no país. Por isso que o próprio presidente Maduro utiliza como uma de suas estratégias fomentar seu mais rápido desgaste, aumentando dois dias mais o feriado de carnaval para que comece em 27 de fevereiro, dia que se cumprirá 25 anos da revolta popular de “El Caracazo”, com dezenas de assassinatos ainda impunes.
Uma segunda novidade, como sugeríamos em nosso texto anterior, é que Caracas tem deixado de ser o epicentro da mobilização nacional. No sábado, 22 de fevereiro, pró-governo e opositores convocaram passeatas na cidade de Caracas, ambas com ampla concorrência. No entanto, em pelo menos 12 cidades do interior do país também se realizaram mobilizações dissidentes, algumas delas proporcionalmente tão massivas como a da capital. No caso da cidade de San Cristóbal, capital do estado Táchira (fronteiriço com a Colômbia), a intensidade das mobilizações e conflitos, que incluíram além dos estudantes e classe média, setores populares e rurais, motivaram a militarização da cidade sob controle a distância a partir de Caracas. O governador da entidade José Vielma Mora, do partido oficialista PSUV, criticou a repressão e solicitou publicamente a libertação das pessoas detidas, o que até agora têm sido a primeira crítica pública de um membro do governo às decisões de Nicolás Maduro.
Quando isto se escreve, haviam sido registradas a morte de 15 pessoas em manifestações ou em fatos relacionados com os protestos; 8 delas cuja autoria aponta a funcionários policiais, militares e paramilitares; 2 delas vítimas de “armadilhas” montadas no protesto oposicionista denominada “guarimba” e o resto por fatos obscuros ocorridos nas proximidades das mobilizações, que devem ser investigados e esclarecidos (por exemplo, o desenvolvimento de um adolescente de 17 anos). As reportagens do diário Últimas Notícias, respaldados por fotos e vídeos que circulam nas redes sociais, têm obrigado a que a Fiscalização detenha a funcionários da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e o Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN), para investigá-los pela autoria material dos fatos. No entanto, altas vozes do Executivo Nacional, como a Ministra das Comunicações Delcy Rodríguez e o próprio presidente Maduro, continuam culpando a oposição de todas as mortes. Capítulo a parte, merece o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, que através de seu programa diário “Con el mazo dando”, transmitido pela televisão estatal, realiza afirmações delirantes sobre as causas dos assassinatos.
A “guarimba” é uma estratégia que setores da oposição promoveram no final do ano de 2002. Consiste em realizar, em um lugar considerado “seguro”, protestos – geralmente nas imediações das moradias dos manifestantes -, fechando a via com barricadas e lixeiras ou pneus incendiados. A “guarimba” possui várias características que a diferenciam de outras manifestações. Uma é sua relação simbólica com o Golpe de Estado e a chamada “greve petroleira” do ano de 2002, por que se carregou de um conteúdo insurrecional, propenso a confrontação física com os organismos de segurança. A segunda, como consequência da anterior, tem sido insistentemente criminalizada pelo governo, sendo por isso uma estratégia excludente: Se bem pessoas pró-governo puderam incorporar-se a uma manifestação pacífica por exigências comuns, dificilmente o farão a uma “guarimba”. Terceiro, geram uma ampla rejeição dentro dos próprios setores oposicionistas, como o demonstrou a marcha de 22 de fevereiro em Caracas, onde havia tantos cartazes de rejeição às “guarimbas” como à atuação dos grupos paramilitares. A medida que o presidente Nicolás Maduro tem estimulado a repressão felicitando em público a atuação da GNB, não reconhecendo a responsabilidade estatal em parte das vítimas fatais e legitimando institucionalmente a atuação dos grupos paramilitares mediante o estímulo aos “Comandos Populares contra o Golpe de Estado”, têm gerado um caldo de cultura de indignação que tem permitido a aparição de “Las Guarimbas” em alguns focos, tanto em Caracas como em cidades do interior do país. Não obstante, uma olhada a todos os tipos de mobilização em todas as cidades do país que se mantêm nas ruas, corrobora que a manifestação continua sendo majoritariamente pacífica.
A entrega do líder opositor conservador Leopoldo López, em 18 de fevereiro, foi toda uma “performance” para catapultar sua imagem como “novo líder” da oposição venezuelana e centro do movimento nacional de protestos. Sua entrega se realizou junto a uma massiva concentração na fronteira entre o município Chacao e Libertador de Caracas. No entanto, até o dia de hoje a dinâmica de multidões na rua continua sendo de redes descentralizadas, com múltiplos centros. Há toda série de convocações por redes sociais, como “panfletagens”, “fazer orações nacionais na mesma hora” e até “baileterapias”. Algumas, se tornam virais e são assumidas por boa parte do movimento. Muitos opositores acostumados ao modelo vertical de organização leninista da era analógica, exigem permanentemente que os protestos “tenham uma direção” e “exigências comuns”.
O governo insiste em que se enfrenta a um “Golpe de Estado”, alguns dizem que “repete o roteiro de abril de 2002” e outros argumentam que se trataria de um “Golpe continuado”. Nicolás Maduro convocou a enfrentar os manifestantes na rua, ativando “comandos populares antigolpe”. No entanto, as duas manifestações realizadas nos últimos dias pelo governo nas ruas de Caracas, não contam com o respaldo e os níveis de convocação das realizadas por Hugo Chavez. Se bem os níveis médios e altos do governo expressam seu apoio às decisões de Maduro, o chavismo de base começa a ressentir-se pela repressão aberta aos manifestantes, que tem gerado centenas de imagens que fluem através dos telefones celulares. Por outro lado, o próprio presidente emite mensagens contraditórias sobre a natureza da hipotética ameaça a qual enfrenta: Convocando insistentemente a celebrar os carnavais, dançando para as câmeras de televisão, pedindo publicamente – em várias oportunidades – melhorar as relações diplomáticas com os Estados Unidos, designando seu representante ante o Fundo Monetário Internacional, retirando as credenciais de trabalho na Venezuela da CNN – que significou de fato sua expulsão do país – e em 24 horas convidá-los a transmitir de novo a partir do país.
Apesar que no nível internacional permaneça a polarização midiática informativa sobre a Venezuela, no interior do país continuamos sofrendo um importante bloqueio informativo. Os canais de televisão de alcance nacional não informam sobre as manifestações, nem tampouco transmitem ao vivo as mensagens dos líderes políticos de oposição, enquanto, por outro lado, são tomados por declarações dos principais funcionários públicos. O governo pensou o conflito em termos analógicos, pensando que a invisibilidade televisiva e a repressão seriam suficientes para silenciar os protestos. Tardiamente tem iniciado uma ofensiva em redes sociais, enquanto o serviço de internet, controlado pelo Estado, sofre irregulares diminuições de velocidade e bloqueios em alguns dos aplicativos mais populares utilizadas pelos usuários, como Twitter e What’sApp.
A radicalização dos principais grupos do conflito fazem que não seja majoritário, ainda, a exigência de diálogo para a resolução da crise. O presidente Maduro convocou a realização de uma “Conferência Nacional de Paz” paralelamente a seu governo – e ele mesmo – continua desqualificando como “fascista de ultra-direita” aos opositores e aumenta o número de detidos em todo o país, os quais denunciam torturas, tratamentos cruéis, desumanos e degradantes durante sua privação de liberdade. O aumento da quantidade de pessoas assassinadas, feridos por armas de fogo, tiros e bombas lacrimogêneas, incrementa o espiral de violência e ressentimento em ambos os grupos que, não deixando canais políticos para a resolução do conflito, abona o terreno para que os militares assumam garantir a “governabilidade” mediante um golpe de Estado, bem seja de tendências do próprio oficialismo ou ligados à oposição. A extravagante imagem de um general retirado do exército venezuelano, Angel Vivas Perdomo, no teto de sua casa, mostrando armamentos de guerra – na tentativa de detenção, após ser acusado da autoria intelectual das armadilhas localizadas na “guarimba” que ocasionaram uma morte em Caracas -, têm originado um furacão de rumores sobre os presumidos “mal estares” dentro das Forças Armadas. A isto se soma uma série de saques de comércio em vários lugares do país, com uma coordenação tal que levanta demasiadas suspeitas.
Os acontecimentos se encontram em pleno desenvolvimento: A fotografia deste momento pode ser completamente diferente nas próximas 48 horas. Esperamos seguir conectados à internet para contá-lo.
Rafael Uzcátegui
Caracas, 25 de fevereiro de 2014.
Tradução > Sol de Abril
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