[Entre os dias 02 e 04 de maio acontecerá a “II Feira Libertária do Seridó”, em Caicó (RN), com uma programação extensa, no qual o foco é o “Anarquismo Hoje”. A feira é uma iniciativa do Coletivo Nenhures e do LAMPEAR (Laboratório Internacional de Movimentos Sociais e Educação Popular). Edu, do Coletivo Nenhures, conta mais sobre o evento.]
Agência de Notícias Anarquistas > Qual foi o ponto de partida para a criação da “Feira Libertária do Seridó”?
Edu < Estava morando em Natal, em 2012, quando aconteceram manifestações contra o aumento da passagem dos ônibus na cidade. Logo no primeiro ato houve forte repressão policial, que gerou grande indignação da população e motivou os atos seguintes. Na construção desses atos me aproximei de anarquistas que participavam das assembleias e atos de ruas da Revolta do Busão – principalmente a galera anarco, insatisfeita com as limitações das pautas e a forma que vinha organizando-se a Revolta do Busão, viria a rearticular o Movimento Passe Livre em Natal, em 2013. Ainda em 2012, também em Natal, aconteceu a ocupação do prédio da reitoria da UFRN [Universidade Federal do Rio Grande do Norte], motivada principalmente pela internação compulsória de um estudante que estava envolvido em atos de contestação dos gastos exorbitantes da universidade com a segurança privada – dias antes um segurança (da empresa terceirizada) havia disparado com arma de fogo (sem chegar a ferir ninguém) contra um grupo de estudantes que confraternizava nas ambientações da universidade no encerramento de um evento antiproibicionista que ocorrera lá. A ocupação da reitoria durou cerca de 11 dias e contou majoritariamente com a presença dxs anarquistas. Nesse curto período tive oportunidade de experimentar de forma muito significativa a autogestão e ainda fortalecer os laços com aquelxs anarquistas nas vivências da Okupa Reitoria. No mesmo ano rolou também a I Feira Anarquista em Natal, que contava na programação com uma oficina de produção artesanal de livros, oferecida por uma compa da Imprensa Marginal. A oficina me chamou bastante atenção e me levou a participar da feira.
No período de férias entre 2012 e 2013 vim para o interior visitar meus pais, que moram em uma cidade da região do Seridó, e encontrei com o Auri, compa que estuda na UFRN/CERES (Campus de Caicó), com quem conversei sobre as experiências das quais havia participado em Natal. Auri comentou sobre as atividades que vinham ocorrendo em Caicó, desenvolvidas pelo LAMPEAR (Laboratório Internacional de Movimentos Sociais e Educação Popular), e também pelo D.A. (Diretório Acadêmico) de lá, que encontrava-se em uma situação excepcional: a chapa que havia sido eleita vinha sofrendo constantes desfalques de pessoal por abandono de cargos. Essas vagas foram sendo preenchidas por estudantes voluntárixs, até que todxs aquelxs que compunham a direção oficial do D.A. abandonaram seus cargos e restara somente xs poucxs estudantes voluntárixs, que mantiveram o D.A. em funcionamento de forma autogestionada, sem especificação de cargos ou hierarquias.
Foi dessa troca de experiências que o Auri teve a ideia de reunir algumas pessoas para tentarmos articular atividades de caráter anticapitalista na região do Seridó. O encontro aconteceu, e contou com um número de aproximadamente 8 pessoas, mas somente o Auri, eu e o Matheus (um dos estudantes que participava do D.A. autogestionado) nos motivamos a articular alguma atividade, e depois de algumas sugestões, o modelo da feira, a exemplo da feira anarco em Natal, se mostrou a mais interessante para nós. Escolhemos a cidade de Caicó para realizarmos essa atividade por ser a cidade pólo da região do Seridó, realizamos a feira em uma praça de eventos (Ilha de Santana), mesmo local onde ocorrerá a 2ª edição. Cada um de nós elencou contatos de pessoas e coletivos que poderíamos convidar para ajudar a construir a feira, e à medida que nos articulávamos com esses contatos a feira foi se configurando como libertária, em vez de anticapitalista. Pela necessidade que sentíamos de melhor articulação dos grupos e indivíduos na região, escolhemos o tema “Organize-se e Lute” para direcionar as atividades da feira. Participaram da feira o LAMPEAR e a Incubadora Afesol (Articulação e Fortalecimento de Empreendimentos Solidários), de Caicó; e de Natal, o VEDDAS/RN (Vegetarianismo Ético, Defesa dos Direitos Animais e Sociedade), o MAP/RN (Movimento Anarco Punk), e a galera que formava o espaço Formigueiro; também compareceram para tocar e expor materiais o pessoal das bandas C.U.S.P.E. e Derrotista, de Campina Grande (PB).
Aquela 1ª edição da feira contou com palestras e debates, exposição de vídeos, oficinas de artesanatos, venda e trocas de materiais informativos, e apresentações musicais.
Logo após a feira abandonei a universidade, em Natal, e tornei a morar no interior com meus familiares. Convidei o Auri para pormos em prática a produção artesanal de livros, que havia aprendido na feira anarco em Natal, e poucos meses depois (entre julho e agosto de 2013) estávamos formando o Coletivo Nenhures, juntamente com o Matheus, e a Yasmim (bolsista do LAMPEAR que também participou da organização e realização da I Feira Libertária do Seridó), à convite delxs, com o objetivo de difundir a cultura e literatura anarquista e libertária na região. Desde então participamos de espaços autônomos no RN e proximidades, sempre que possível, promovemos atividades de caráter libertário na região do Seridó, fizemos novos contatos com coletivos e pessoas de diversos estados, e cada vez mais fortalecemos os laços antigos. Construímos ainda o Coletivo Autônomo de Estudantes do CERES, que conta com a participação de estudantes de múltiplas orientações políticas e ideológicas, mas que baseia-se nos princípios da equidade, autogestão e ação direta, e vem desenvolvendo constantemente atividades e eventos que buscam resgatar o caráter político do movimento estudantil no CERES, que há algum tempo tem se voltado fortemente à mera administração de interesses pelas entidades estudantis oficiais.
Acredito que esses acontecimentos são ainda frutos da I Feira Libertária do Seridó, e que vêm amadurecendo com nossas experiências posteriores. A II Feira Libertária do Seridó, que acontecerá em maio, também em Caicó, e vem para lançar novas sementes.
ANA > A feira é organizada por individualidades ou por um coletivo?
Edu < A feira surge, em 2013, por motivações individuais de pessoas interessadas em fazer manifestar-se inquietações na região e mobilizar formas de ações e organizações que estavam sendo percebidas e experimentadas nas grandes cidades. Porém é somente esse impulso inicial que se dá por individualidades, ela toma corpo, e inclusive se reconfigura à medida que essas individualidades e os coletivos começam a pensar e organizar a feira de forma conjunta. Este ano ela está sendo organizada pelo LAMPEAR e Coletivo Nenhures, com as contribuições dos diversos coletivos que constituirão a programação da feira. As diferenças são que no ano passado havia uma ponte/comunicação direta e presencial pelo menos com o pessoal de Natal. Fizemos reuniões em Natal, onde pessoas do Seridó iam participar e voltavam à Caicó para repassar e articular com o pessoal de lá. Também havia uma comunicação constante por lista de e-mail e, à medida que foi crescendo o número de pessoas interessadas em contribuir com a organização, em um grupo fechado na rede Facebook. Este ano não conseguimos fazer reuniões presenciais com pessoas de outras localidades, mesmo por que envolverá mais coletivos de outros estados. Também optamos por não nos organizarmos de forma concentrada no Facebook. Criamos um e-mail para a feira e divulgamos banners virtuais no Facebook para que xs interessadxs em contribuir com a programação sugerissem suas atividades. Coletamos todas as sugestões dentro de um prazo pré-estabelecido, verificamos as questões estruturais necessárias para realizar as atividades sugeridas, e no momento estamos montando o programa de realização que será divulgado nos próximos dias.
ANA > Neste ano a feira também será dividida em dois dias?
Edu < Esta edição acontecerá em três dias, de 02 a 04 de maio. No dia 02 pretendemos fazer uma roda de conversas de abertura e rolar um som pra confraternizarmos com o pessoal. No segundo dia ocorrerá a maior parte das atividades, e terá programação nos turnos da manhã, tarde e noite. No terceiro dia pretendemos fazer intervenções artísticas e contraculturais pela cidade, e um almoço coletivo para o encerramento.
ANA > Desde quando vem sendo organizada e preparada à segunda edição da feira?
Edu < Desde janeiro/2014 estamos atenciosos com a organização da feira, tendo o calendário como preocupação inicial, porque percebemos que muitos eventos anarquistas e libertários estavam sendo realizados no segundo semestre do ano – Recife, São Luiz, São Paulo e Porto Alegre realizaram feiras naquele período. Porém a que nos despertava mais atenção era a feira em Natal, por ser mais próxima, queríamos participar e também que o pessoal de Natal participasse da feira aqui. Inicialmente a II Feira Anarquista em Natal puxou uma data em dezembro/2013, mas acabou sendo adiada e realizada em fevereiro/2014, então tivemos o cuidado, articuladxs com o pessoal de lá, de não escolhermos datas muito aproximadas para que houvesse tempo das pessoas se organizarem para participar de ambas. Logo após a II Feira Anarquista em Natal nos reunimos presencialmente para tocar a organização da II Feira Libertária do Seridó.
ANA > E como será a programação? Já tem um desenho final?
Edu < A programação da II Feira Libertária do Seridó está sendo fechada e publicada muito em breve. Será um pouco diferente da 1ª edição, pois pretendemos fazer intervenções por outras localidades da cidade, não ficando restrita à praça de eventos, e ainda compartilharemos o espaço da praça com a feira de artesãs e artesãos locais. Terá um número bem maior de coletivos e pessoas contribuindo com a programação das oficinas, debates, lançamentos, e exposições de materiais informativos. Já confirmaram presença pessoas de Natal (RN), Campina Grande (PB), Recife (PE) e São Paulo (SP), e ainda estão a confirmar compas do Piauí e de Salvador (BA), além das pessoas aqui da região que tem se aproximado das práticas e ideias anarquistas. O tema desta edição será “Anarquismo hoje”, e trará atividades sobre feminismo, veganismo, música, artes urbanas, contracultura, performances, educação libertária, espaços autogestionados, corpo, sexualidades, guerrilhas cotidianas, direito à cidade, imprensa anarquista, além dos momentos de confraternização.
ANA > Pelo evento ser organizado numa praça, aberto, não rola problemas com as autoridades? Como vocês lidam com a questão segurança?
Edu < A 1ª edição da feira teve pouca visibilidade na mídia local, assim como esta 2ª edição, até o momento, não teve nenhum anúncio público por parte da mídia, mesmo porque também não divulgamos ainda a programação. Acredito que pela divulgação ter ocorrido muito informalmente na região, não despertou grande atenção das autoridades. Para utilizarmos a praça contactamos a secretaria responsável por agendar as atividades realizadas lá, já que habitualmente é um espaço de grande movimentação de pessoas e, por isso mesmo, bastante requisitada para a realização de eventos diversos. A segurança pública que se fez presente foi o contingente que comumente circula no local. Este ano, acredito, a feira terá naturalmente maior visibilidade, chamará mais atenção não só das autoridades como também dos populares, pelo próprio momento de agitações que vivenciamos de junho/2013 até o presente momento e pelo maior porte que terá em relação ao ano passado. Ainda assim acredito também que não ocorrerá problemas com a segurança. Como disse anteriormente, dividiremos o espaço da Ilha com a feira de artesanato local – que sempre ocorre na cidade no primeiro fim de semana de cada mês. É um calendário fixo do pessoal do artesanato, com quem conversamos para dividirmos o espaço. A segurança estará lá na sua ronda habitual para fazer a ‘segurança’ da feira de artesanato.
ANA > Poderia nos contar algum fato curioso ou engraçado que aconteceu durante a primeira edição da feira?
Edu < Sim. Na 1ª edição dividimos a feira em dois dias. No primeiro dia houve encerramento da programação com shows de bandas de rock, o que atraiu a autointitulada ‘cena rock de Caicó’. E no segundo dia haveria uma oficina de estêncil e uma programação aberta (ou seja, as pessoas que se fizessem presente decidiriam sobre atividades que desejariam e poderiam realizar). Porém poucas pessoas compareceram e somente a oficina de estêncil aconteceu. Em algumas paredes da praça foram aplicados os estêncil produzidos, e isso gerou uma histeria generalizada entre as pessoas que formam aquela ‘cena rock de Caicó’, que rendeu até mesmo uma carta de repúdio e discursos em uma rádio local que denunciava “os forasteiros”. O motivo: a “depredação” da Ilha manchava a reputação da ‘cena rock’, conquistada tão dificilmente. Dessa histeria que se fez, a secretaria responsável pelo espaço tomou conhecimento dos estêncil e solicitou que a organização limpasse as paredes. Ocorreram discussões no facebook e as críticas que se construíram à postura da ‘cena rock’ em publicar uma nota de repúdio e à ausência de discussão por parte dxs mesmxs sobre as mensagens/conteúdo dos estêncil, fez com que tirassem a nota de circulação. Penso que esse acontecimento é bastante interessante porque demonstra o caráter conservador existente na região, até mesmo em ‘grupos’ que teriam essencialmente uma rebeldia natural.
ANA > E qual era o conteúdo do estêncil? (risos)
Edu < Lembro que haviam mais símbolos e mensagens feministas, contra o patriarcado, também sobre ciclismo (uma anarcobike…), um símbolo de okupa (o círculo cortado por um raio)… São os que lembro, mas haviam mais… (risos)
ANA > E vocês acabaram limpando as paredes? (risos)
Edu < Então, primeiro um professor que esteve participando também da organização do evento foi até o local com a secretária e fez uma leitura das imagens, registrou umas fotografias e disse que enviaria as fotos para participar de um concurso de artes urbanas que estava rolando em Portugal. Mas a moça não ficou muito convencida… (risos) Daí um dos compas tinha um resto de uma tinta branca em casa, e foi lá com uma outra colega para limpar, dias depois, porque a secretária ficou ligando pra ele e pegando no pé. Elxs limparam umas duas ou três imagens mais visíveis. A tinta não deu para limpar tudo. E também tinha uns estêncil que foram aplicados nas caixas de energia, e da mangueira de incêndio, que eram de outras cores. Então elxs deixaram esses e outros que foram aplicados nas paredes menos visíveis porque também ninguém estava afim mesmo de limpar as paredes, nem de comprar tinta para isso. Acredito que alguns estão lá até hoje… (risos)
ANA > E como tem visto a produção literária anarquista-libertária contemporânea no nordeste do Brasil? Destacaria algum trabalho?
Edu < Como ‘caminhos de ratos na babilônia da informação’. Geralmente são produções marginais, artesanais, produzidas em casa ou em gráficas rápidas. Quando são produções de acabamentos de melhor qualidades (dos materiais de capa e de miolo, de impressão, de corte, de encadernação), ou tem uma parceria com pessoal de fora do nordeste, ou tem custo mais elevado de produção e, por isso, maiores dificuldades de circulação. O que nos chega às mãos, da literatura anarquista e libertária produzida no nordeste, é geralmente através das feiras libertárias, ou por arquivos virtuais resgatados na web. Na maioria os materiais são zines e livretos produzidos por grupos de estudos e coletivos, e algumas iniciativas individuais. Na última feira em Natal xs compas do Nenhures tiveram acesso a um material de um compa de Fortaleza (salvo engano), que acredito ser uma iniciativa individual (também não tenho certeza, pode ser de um Coletivo), é o título “Auto-Teoria Revolucionária”; na feira de Recife, ainda em 2013, tivemos acesso à edição brasileira do livro “A Insurreição que Vem”, Edições Baratas, mas que acredito tem uma cooperação na produção/impressão com o pessoal do Sul. As vezes também resgatamos materiais de bibliotecas virtuais, não necessariamente produzidos no nordeste, mas também com títulos trabalhados por aqui, como o acervo do GEAPI (Grupo de Estudos Anarquistas do Piauí), ou da Rádio Cordel Libertário que mantêm acervos virtuais disponíveis. Outras vezes nós mesmos inventamos o livreto, como por exemplo, essa noite mesmo, eu resgatei o texto de uma fala do professor Vantiê Clínio, “Sobre as radicalidades libertárias”, e já fui editando e imprimindo em formato de livreto para nossa biblioteca e também para enviar para coletivos e outras bibliotecas com quem fazemos parcerias. No trabalho de editoração que realizamos temos justamente o interesse em por em circulação essa literatura produzida aqui, mas que tem dificuldades para circular no formato físico. Realizamos esse trabalho a cerca de 8 ou 9 meses e já colocamos dois títulos autorais em circulação. O “Devaneios de Alguém?” escrito por um compa de Natal que assina com o pseudônimo de “Alguém?”, e o “Expressões do Nada: coletânea de poesias libertárias”, escrito também por um compa de Natal, o Bio Panclasta. Além desses dois títulos temos feito contato com outras pessoas, tanto de Natal como aqui da região do Seridó. Porém acredito que as distâncias e outras atividades vão colocando outras prioridades à frente dessas publicações. De toda forma acredito que tem bastante material rolando pelas gavetas nordestinas, que tem muita coisa rolando por aí, ou pelo menos possível de rolar, mas que nós ainda não encontramos os canais ou não fizemos os esforços necessários. Durante a feira em Caicó veremos a possibilidade de mantermos um computador disponível para trocarmos arquivos digitais, pra facilitar a circulação desses materiais informativos entre todxs.
ANA > Algo para finalizar?
Edu < Estamos bastante animadxs com a programação que tem se formado e com os contatos que pessoas e coletivos tem feito conosco, interessadxs em participar da feira em Caicó e contribuindo com a divulgação, incentivando e apoiando o evento. Para nós, e acredito que para todxs que participam dessas atividades, é muito importante a realização da feira, para fortalecer os laços e estreitar as distâncias, para cultivar os afetos, expandir os contatos, trocar experiências, realizar novas, e, claro, articular e organizar as lutas necessárias. Agradecemos enormemente a Agência de Notícias Anarquistas pelo apoio e espaço para promoção da II Feira Libertária do Seridó… compareçam! Mais infos: feiralibertaria@riseup.net
agência de notícias anarquistas-ana
Tens frio nos meus braços
Queres que eu aqueça
O vento
Jeanne Painchaud
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!