Escritora feminista e anarquista, Antonina Rodrigo foi premiada no último 30 de janeiro, como acadêmica de “Buenas Letras” de Granada.
I. Nistal | Periódico CNT
Pergunta > Você sente este prêmio como um reconhecimento de sua larga trajetória literária?
Resposta < Sim, o reconheço como gesto generoso de minha gente e o aceito com gratidão.
Pergunta > É hoje o mundo da cultura diferente ao de algumas décadas? Sucumbiu à chamada modernidade?
Resposta < Atravessamos um momento crucial de desvalorização tanto da Cultura como da Saúde e dos Direitos Humanos, elementos básicos de toda sociedade, pela falta de respeito e incoerência de nossos retrógrados e indiferentes gestores políticos.
Eu, mais que à modernidade, diria que sucumbi a uma ruína. Por exemplo, basta pensar nas filas que há para o livro de Belén Esteban. Essa cultura dos meios [de comunicação], de gente que nunca lê e compra o livro que viu na TV. Neste sentido vivemos em uma época de ruína da cultura.
Pergunta > As biografias, ensaios, contos e versos que escreves têm vocação pedagógica?
Resposta < Sim, com rotundidade. Um personagem não é uma árvore solitária em uma pradaria. Concebo a biografia como uma coisa total. À diferença de Savater, me interessam os detalhes. Não é o mesmo que uma pessoa que nasceu em uma casa burguesa, que dispõe de biblioteca, etc., a aquelas de família operária, que apenas foram a escola, que passaram fome, frio… mas tem uma cultura anarquista porque com a cultura se pode mudar o mundo, como podem ser os casos de José Molina ou Luis Garcia Gallo. Eu considero esta gente que não tem em conta os acadêmicos.
Neste sentido, destacaria a qualidade humana de meus personagens, homens e mulheres, conhecidos ou anônimos, que viveram a república, a Guerra e o Exílio. Foram pessoas que lutaram por sua emancipação, contra o fascismo (1936-1945). Em sua considerável maioria pertenceram a essa geração de adultos precoces que, a partir do levantamento militar de 18 de Julho de 1936, adquiriam uma maturidade e um sentido da responsabilidade, que não correspondia a sua idade cronológica. Muitos, adolescentes, da noite para o dia, nos bairros operários, colaboraram nos comitês e grupos surgidos da classe trabalhadora, para incorporar-se às frentes. Mas também pessoas da classe média e burguesa que, com a República de 1931, haviam adquirido consciência social, se lançaram a defender a democracia desde seu status universitário ou laboral, ante o levantamento fascista, de uns militares que juraram à Constituição e colocavam em perigo o processo democrático iniciado.
Pergunta > Precisamente agora que se encontra trabalhando em uma obra sobre o desenhista Gallo. O que te motivou para escrever este livro?
Resposta < Admiração. Pertenceu a uma família humilde, teve escassa formação escolar e começou a trabalhar muito cedo. Desenhou com grande maestria por geração espontânea, em sua adolescência se apaixonou pelo cinema, maravilhado pela força dos filmes mudos. Foi desenhista durante toda a guerra na imprensa anarquista. Passou à França em 1939, incorporado a seu exército. Esteve em quatro campos de concentração. Depois marchou a Paris e ali foi pioneiro internacional dos quadrinhos sob o vulgo Coq, seu segundo nome traduzido para o francês. Sua assinatura alcançou alto nível de popularidade na Europa e América.
Me interessam e maravilham estes triunfantes autodidatas. Famosos fora de nossas fronteiras e ignorados em seu país.
Pergunta > Uma boa parte dessas biografias você dedicou a mulheres mais ou menos reconhecidas. No que respeita as mulheres libertárias como Federica Montseny ou Amparo Poch y Gascón, que aponta seu pensamento de novidade à sociedade?
Resposta < Elas representaram a rebeldia, o compromisso, a luta, a ânsia por cultivar-se, sobretudo a classe operária, ingredientes transgressores da mulher nova que oferecia o advento da República, elas que vinham de um tempo de submissão, silêncio e analfabetismo.
Federica Montseny, uma das mulheres mais cultas de sua época, esteve embalada nas ideias racionalistas e libertárias de seus pais. Sua contribuição ao campo literário, através da incansável luta editorial de seus pais, com publicações dedicadas especialmente ao mundo operário, foi exemplar. A força da oratória da líder anarquista que enchia as praças de touros, com milhares de espectadores. Figura emblemática do movimento anarquista, foi a primeira ministra da Espanha e, ao parecer da Europa, ministra da Saúde e Assistência social, de setembro de 1936 a maio de 1937, implicada na descriminalização da intervenção voluntária do aborto. Em 1939 se exilou, de onde foi perseguida e encarcerada por nazis na França ocupada. Salvou-se de sua extradição à Espanha franquista que a reclamava, por uma lei francesa, que protegia à mulher grávida.
Amparo provinha de uma família absolutamente pobre e muito beata. E esta mulher sabe em seguida que quer ser médica e vai às fábricas e oficinas e em uma pizzaria ensinar aos operários e operárias sobre pedagogia sexual. Cofundadora da revista Mulheres Livres, uma grande parte de seus escritos estiveram consagrados a difundir ensinos essenciais sobre maternidade, puericultura, sexualidade e higiene e as pragas da época: sífilis, tuberculose e alcoolismo. Como jornalista, aborda a todas no jornal da Universidade. Tivéssemos estado à cabeça da Europa a nível pedagógico gente como Ampara ou Franscisco Ferrer i Guardia…
Advogava por uma maternidade consciente, onde pudesse eleger quando, como e com quem ter filhos, o qual na Espanha nos anos vinte e trinta era escandaloso e o enfrentamento e ruptura com as ideias imperantes. Partidária do amor livre, fez o Elogio do Amor Livre, escrito com grande beleza e coerência. Em 1936 foi candidata a Ministra de Saúde, mas elegeram Federica Montseny. No começo da guerra civil atuou como médica miliciana nos hospitais de campanha e de sangue em Madri. Membro da Junta de Proteção de Órfãos Defensores da República, dedicada às crianças e aos anciãos refugiados. A França proibiu os médicos exilados espanhóis de exercer sua profissão, mas Amparo Poch, clandestinamente, prodigava seus cuidados aos necessitados, até que pode exercer em um consultório da Cruz Vermelha em Toulouse, onde acabou seus dias com o mesmo altruísmo que começou sua vida.
Eram mulheres que tinham sido “batidas de cobre” desde meninas e eram anarquistas. A humanidade que tem o anarquismo não é apresentada pelos socialistas, nem pelos republicanos nem por ninguém.
Pergunta > Quem era María de Lejárraga? O que a atrai neste tipo de mulheres?
Resposta < Era uma grande feminista, educadora muito valiosa, mas na sombra, injustamente silenciada por ela mesma ao escrever com o nome de seu marido. Mary foi uma das mais nobres vozes da Espanha: professora, escritora, política, jornalista, tradutora, cofundadora das revistas modernistas… Ela criou a Associação Feminina de Educação Cívica, para as mulheres que trabalham. Ela é a primeira mulher deputada que há em Granada. Escreve de forma corajosa contra a Igreja, posicionando-se com o povo. Escreveu uma tese com o que viu na Europa, como por exemplo, que meninos e meninas façam esportes na escola e ginásio, e os padres consideraram um escândalo.
Meus personagens sempre têm estado ao lado do povo, com o compromisso, com a militância, são gente humana que se pode tocar com as mãos.
Pergunta > O que resta da Mariana Pineda, que nos legou a historiografia romântica?
Resposta < Através da minha pesquisa, eu encontrei uma mulher engajada na luta revolucionária contra a tirania absolutista de Fernando VII. Condenada a garrote vil antes dos 27 anos, o povo a nomeou como Heroína da Liberdade. Em outros países teria uma estátua em cada cidade, como a Joana d’Arc dos franceses, pois representa o símbolo da liberdade.
Federico García Lorca a exaltou nos palcos do mundo em seu primeiro drama Mariana Pineda. Romance popular em três impressões. Ambos, Mariana e Frederico seriam vítimas de uma sociedade retrógrada, que se perpetua de um século para outro, sintoma muito grave que reflete o estado de consciência de um país.
Pergunta > Você acaba de participar do 75º aniversário da morte de Antonio Machado. O que vem à mente quando você pensa em figuras-chave como ele ou Lorca ou Miguel Hernández?
Resposta < Machado pertence aos chamados “poetas do sacrifício” com García Lorca e Miguel Hernández. Os três representam a alta tensão do regime de Franco. Lorca, executado antes de um disparo. Machado, fugindo para o exílio. E Miguel Hernández, doente, abandonado em uma prisão, punido pela Igreja por negar-lhe a ver o seu filho por não estar sacralizada sua união com a mãe de seu filho. Mas Machado disse uma bela frase, algo como que “agora os políticos, acadêmicos, dirão que somos os vencidos, mas eu duvido que nós sejamos os perdedores”.
Trata-se, sem dúvida, dos mais importantes poetas do século XX e de outros séculos. Temos de perceber que Miguel Hernández nos deixa com apenas 30 anos. Machado foi uma consciência na época e é ainda agora. É por isso que está tão vivo.
Pergunta > Se pudesse definir brevemente o mundo atual no que vivemos, como o descreveria?
Resposta < Um caos. O mundo não vai levantar a cabeça enquanto a Igreja está metida na vida das pessoas, das cidades, dos países – quando se sabe que têm os bancos e fábricas como armas mais importantes.
Pergunta > O que você acha da situação criada em torno da independência da Catalunha?
Resposta < Eu, como uma mulher libertária, não quero fronteiras para as pessoas.
Pergunta > Como observa o movimento libertário hoje? Segue tendo este potencial transformador?
Resposta < Eu conheci através do exílio um anarquismo que não se parece ao dos jovens de hoje. Mas a força do anarquismo está aí, à flor da pele, é uma fonte de vida, por seu humanismo e seu sonho utópico. Não morrerá nunca.
Pergunta > Sentimos falta de seu companheiro Eduardo Pons Prades. Até os últimos momentos de sua vida, ele esforçou-se para dar a conhecer o trabalho construtivo da revolução espanhola. Será que teria desfrutado de momentos como a explosão do 15-M [15 de Março]?
Resposta < Sim, sem dúvida. Teria estado muito feliz. Acreditava muito na juventude, estava cercado dela, porque é onde está o futuro.
Fonte: Periódico CNT, nº 409 – Março 2014
Tradução > Caróu
agência de notícias anarquistas-ana
meus hai-kais:
lápis caídos
de um estojo frágil
Valdir Peyceré
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!