Desde Ação Libertária de Sants queremos expressar nossa opinião, como moradores que somos do bairro, sobre os acontecimentos dos últimos dias. O objetivo desta nota é para ajudar a esclarecer algumas questões com as quais temos encontrado ao dialogar com alguns moradores.
Sobre a negociação de Can Vies.
Sabemos que as negociações conduzidas pelos companheiros de Can Vies estiveram por todo o momento sob a ameaça de despejo por parte da Prefeitura. Não foi uma negociação, mas uma chantagem, e sua proposta de que os coletivos mudassem temporariamente para outro espaço para que o reformassem, uma mentira. O edifício que prometeram reformar agora está destruído e Can Vies não é uma excepção. O exemplo mais recente e mais claro: a metade das famílias da Corrala Utopia [ocupação] de Sevilha ainda está na rua, esperando o prometido realojo. As negociações com o Estado e o Capital são ganhas com a força, não engolindo suas mentiras.
Sobre o espaço de Can Vies.
Can Vies era um espaço comum dos moradores de Sants e assim foi comprovado nestes dias. A perda dele é um ataque direto ao bairro, com a clara intenção de romper o tecido social e, ante isso, não temos uma outra possibilidade que não seja a de nos defender.
Sobre os fatos ocorridos durante a semana.
Estes dias de distúrbios são o resultado da raiva e da indignação, não só pelo despejo de Can Vies, mas pela atual conjuntura. E se ainda acrescentarmos a isso a ocupação policial do bairro e suas provocações, não há outro resultado para a equação. Sem despejo não haveria distúrbios, sem repressão policial não teria havido distúrbios. Se nos atacam devemos nos defender, e esta semana Sants se defendeu com dignidade. O medo começa a ser percebido entre os políticos, que vêem o seu barquinho de praia em perigo, e entre a polícia, que vêem como a sua integridade física é posta em sério risco.
Sobre a violência no bairro e contra o bairro.
Os anarquistas são contra a violência e a nossa proposta é eliminá-la de nossas vidas, por isso estamos contra o capitalismo e o Estado, que são a violência na sua mais pura essência. Mas não vacilamos em nos defender, por todos os meios, das agressões sofridas e que sofremos. Muitos são os que dizem que perdemos a razão com a violência, mas deveriam perguntar por que tudo isso acontece e que resultados têm. Dois dias de distúrbios em Sants têm sido suficientes para a Prefeitura ficar disposta a negociar o que antes não queria nem conversar. Também queremos recordar o que aconteceu em Gamonal, em que a Prefeitura ignorou todos os protestos e ações pacíficas até que o fogo e as pedras chegaram às suas portas. O resultado nós já sabemos: obras foram paralisadas e o bairro ganhou. Neste momento, os governantes têm muito medo que o caos se instale sobre o assunto, então, apelam à calma e à negociação com os supostos representantes, enquanto chamam seus asseclas para esmagar os “violentos”. Estão com medo, porque começamos a perder o medo.
Sobre as tentativas de dividir o bairro entre violentos e não violentos.
A grande maioria das pessoas que estão mostrando oposição ao despejo do Can Vies são moradores do bairro de Sants. Pessoas de diferentes idades que, obviamente, lutam de diferentes maneiras. A violência que é usada pelos Mossos [polícia catalã], está sendo contestada com resistência dos moradores em forma de panelaços, manifestações e barricadas. Em nenhum momento foi atacada, e podemos comprovar, lojas do bairro. As exceções são apenas isso, exceções, e tem soluções. Não nos estranha a linguagem criminalizadora da mídia, tentando confundir as pessoas do bairro e colocar umas contra as outras. No entanto, queremos deixar claro que as barricadas e as chamas têm uma utilidade dissuadora; não pretende ser um incômodo para os moradores, porque nós mesmos somos os moradores do bairro e estamos na mesma luta.
Sobre o que “nos custa” a revolta.
Os meios de comunicação estão tentando nos levar as suas terras. Comentaristas de todos os matizes tentam fazer-nos ver que esse conflito nos custa muito dinheiro. Eles falam sobre o quanto estão custando os distúrbios e que nós que pagamos tudo no final. A reflexão deve ir mais longe e se concentrar em outros assuntos mais graves. Vamos falar sobre quanto nos custam os políticos, reis e outros parasitas, o roubo diário dos salários, as demissões, os aumentos do transporte, os gastos militares e policiais… Quem paga por tudo isso? Não acreditamos que ninguém nos “buracos” de mineração parou para pensar sobre o custo dos bloqueios de estradas. Tampouco façamos as contas de quanto nos custa alguns tristes contenedores.
Sobre o que exigimos agora.
Agora não podemos mais que nos juntar as exigências dos companheiros de Can Vies: a renúncia de Xavier Trias e Jordi Martí, Conselheiro de Sants-Montjuïc, o desmantelamento da presença da polícia no bairro, a liberdade e a absolvição de todos os presos e freio a todos os despejos de centros sociais.
E depois da revolta, o que fazer?
Nosso objetivo é destruir o sistema e construir nossas vidas de forma livre. Estamos conscientes de que a guerra noturna nas ruas de Sants terá seu fim, mas não a luta por um mundo novo. Então continuaremos desobedecendo: nos auto-organizado em assembleias de bairro, no trabalho ou onde quer que estejamos, porque não entendemos outra maneira de mudar as coisas senão lutando desde a igualdade; coletivizando e compartilhando nossos recursos com todos; criando redes de apoio mútuo para solucionar nossos problemas; ocupando casas e novos espaços para atender as nossas necessidades básicas.
Das fumegantes ruínas de Can Vies surgirá um bairro melhor, um bairro construído entre todos nós, sem políticos ou banqueiros envolvidos, com a solidariedade e o apoio mútuo como princípios. Não queremos que a chama se apague. Queremos que a raiva se transforme em destruição da miséria e da opressão. Como dizia um velho conhecido: “não nos dão medo as ruínas, porque levamos um mundo novo nos corações”.
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