[Mesa proletária. Alimentação nutritiva e saudável. Vinho. Ecologia. Autogestão. Literatura. Centro de estudos. Anarquia. Confira a seguir o bate-papo com o projeto “Cozinha Popular”.]
Agência de Notícias Anarquistas > Quanto tempo faz que vocês vêm trabalhando com o projeto? É um projeto político-libertário-ecológico-gastronômico?
Cozinha Popular < O projeto “Cozinha Popular” nasceu em 2003. É uma ideia do Arquivo-Livraria da FAI da região de Reggio Emilia [Federação Anarquista Italiana] junto com os artistas Pablo Echaurren e Guido Andrea Pautasso e o “anarcoenólogo” Luigi Veronelli. A partir da ideia de organizar um evento no qual se estudasse pela primeira vez na Itália a relação entre a mesa proletária e os movimentos sociais. Convocamos as forças políticas da esquerda da região e a algumas revistas alternativas nacionais. Logo foi constituído o Centro de Estudos da Cozinha Popular, com sede em Massenzatico [Reggio Emilia], graças à disponibilidade dos companheiros locais que, como primeira atividade, editaram um livro com as atas do convênio [Editorial Zero in Condotta, Milano, 2005] Seguiram outras duas atividades, o convênio sobre “Vrebeldes” e outra grande, dois dias sobre alimento e literatura: “Cozinha literária. Mesa proletária e narrativa social”. Esta teve um êxito muito grande, e foi criado o site cucinedelpopolo.org.
O Centro de Estudos se autofinancia e está aberto a todos, contra a lógica comercial relacionada com o alimento e o vinho. Estamos buscando a forma de concretizar os projetos. A ideia tem sido muito apreciada, tanto que companheiros de outras regiões da Itália têm perguntado se podem usar o nome para realizar atividades similares, e dessa maneira ir criando uma rede ampla incluída no programa do Centro de Estudos.
É um projeto idealizado por anarquistas e gestionado sobre bases libertárias [assembléia, rotatividade nos cargos, sem líder, autofinanciado], mas que inclui muitas pessoas e grupos não anarquistas da esquerda italiana. Trata-se de um projeto cultural, mas que, obviamente, também é político, pelo que se propõe a fazer.
ANA > E o encontro em Massenzatico…
Cozinha Popular < O encontro da Cozinha Popular ocorreu em Massenzatico, na terra de Camillo Prampolini, porque ali foi construída, em 1893, a primeira Casa do Povo italiana. Nesse lugar mágico, aonde materialmente se concretizou a reunião, nossas irmãs e irmãos do passado colocaram azulejo por azulejo para edificar o primeiro espaço de transformação social do movimento operário e camponês. A escolha do Teatro Artigiano de Massenzatico não se fez aleatoriamente. Este teatro foi construído e reformado sobre as fundações daquela que foi à Casa do Povo, a primeira a irradiar um futuro de igualdade, liberdade e fraternidade.
Daquela Casa do Povo partiram as indicações para todo o movimento de emancipação social tendente a transformar as bases da sociedade em sentido horizontal e solidário, aonde trabalhadores, camponeses e explorados atuaram diretamente em primeira pessoa na construção de outra sociedade.
A volta ao passado é necessária para compreender o futuro mais próximo, e a tentação de formular perguntas à história nesse lugar tão significativo foi fortíssima. Inclusive nesta região, para poder perguntar e perguntar-nos acerca dos temas de nossa história, da de nossos progenitores, de nossas avós e avôs, nos aproximamos a Massenzatico.
De fato, temos vivido juntos, tantos de nós, uma jornada inesquecível de reflexão e comparação da cozinha social, que tanto contribuiu na formação dos espíritos rebeldes que animaram, desde o princípio do movimento dos trabalhadores, os sonhos de liberdade e igualdade.
ANA > Vocês estão presentes em toda Itália, ou é uma iniciativa de uma região italiana como Reggio Emilia?
Cozinha Popular < O Centro de Estudos está em Reggio Emilia, mas a rede está se estendendo para outras localidades italianas.
ANA > Quais atividades têm promovido ultimamente?
Cozinha Popular < Junho de 2006: Convênio “Cozinha literária. Mesa proletária e narrativa social”; neste momento estamos realizando os autos desta atividade e preparando alguns dados para os próximos meses, degustações, acordos com pousadas, e produtores para criar uma rede de produtos e lugares com preços econômicos, mas de alta qualidade e sustentabilidade.
ANA > A “marca” de vocês foi feita por um artista anarquista? É muito bonita a imagem. Parabéns!
Cozinha Popular < As marcas – para nós são belíssimas e muito apropriadas – tanto a do primeiro convênio – que logo se transformou na marca do Centro de Estudos-, quanto do segundo, foram realizados pelo artista romano Pablo Echaurren – fundador do projeto no início -, muito famoso e considerado na Itália e no mundo. Parte da história da logo é muito linda. Também a marca do evento – agora sede do Centro de Estudos – é uma história bela e interessante.
A marca: Colher no alto e garfo com punho fechado, uma fita vermelha os une; bandeiras vermelhas e bandeiras vermelhas e negras flamejando pela vitalidade. Imagens e signos que anteciparam o clima e a relação de um encontro feito com sentido de comunidade e mistura, aonde todos e todas se sentiram incluídos na grande casa do povo. Foi enormemente apreciado o manifesto realizado por Pablo Echaurren, artista em liberdade e, em especial, artista da liberdade, capaz de interpretar os sonhos e os desejos do movimento como nenhum outro; “manifesto que oxalá todos tentaram buscá-lo para que seja o ícone novo de um socialismo antigo”.
ANA > Além das atas do convênio, o que o livro trás mais no seu conteúdo? Receitas, dicas?
Cozinha Popular < Há receitas [integravam o informe do convênio]; uma poesia inédita de Luigi Veronelli: intervenções da cozinheira vermelho e negra [da formação do Centro de Estudos da Cozinha do Povo]: as comunicações apresentadas por alguns produtores/participantes deste projeto, acerca de ervas extintas, vinhedos rebeldes, produções enogastronômicas radicais e sustentáveis…
ANA > Vocês produzem seu próprio vinho? Que outros produtos pretendem “comercializar”?
Cozinha Popular < O Centro de Estudos não produz nem comercializa nada enogastronômico, mas estamos tentando criar uma rede entre produtores, distribuidores, restaurantes, locais e consumidores, seguindo os princípios expressos no convênio.
ANA > Uma curiosidade, “Lambrusco” é o melhor vinho italiano?
Cozinha Popular < Nós não julgamos a qualidade do gosto. O Lambrusco é um vinho particular, fino, e inclusive agora não é considerado de qualidade e lhe é dado escasso valor. Sem dúvida, por suas características peculiares no Lambrusco encontramos elementos que demonstram que desde tempos antigos têm sido um vinho rebelde, ingovernável. Além de possuir uma multiplicidade de funções: a clássica de amalgamar nossa cozinha, tranquilizante para as crianças e, em especial, a de ser um ingrediente de batismo laico que se realiza desde tempos antigos substituindo a água benta, o Lambrusco como desprezo do poder eclesiástico.
ANA > Vocês usam muito o termo “cozinha social”, o que seria exatamente isso?
Cozinha Popular < A cozinha dos pobres, dos proletários, os seus alimentos, os lugares aonde se consomem [lugares de trabalho, sindicatos, casas do povo, centros sociais]. Também nos referimos ao receituário popular formado sobre a base da “escassez” com os produtos da terra. Pelo qual este redescobrimento se origina tanto pelo objetivo da investigação, quanto pela necessidade de retornar as origens da cozinha popular, para voltar a propor os alimentos, a cultura e o cultivo do movimento trabalhador e camponês.
ANA > Também explique melhor o termo “revolucionário é a qualidade”.
Cozinha Popular < Porque na atualidade o conceito guia não é a qualidade, senão o de lucro e da exploração. São necessárias então tantas revoluções: política, enogastronômica, de estilo de vida, cultural, de consumo etc. Revolução significa movimento, evolução, vida. E se acontece no sentido libertário, estaremos no caminho justo.
ANA > O vegetarianismo também faz parte do projeto?
Cozinha Popular < Sim, pese que em nossa terra está muito difundido o uso de gorduras animais na cozinha, por razões de sustento físico pelo trabalho e território/cultura.
ANA > “Cozinha Popular” também é um projeto contra a alimentação industrial, os transgênicos, certo?
Cozinha Popular < Efetivamente, e propõe um redescobrimento dos alimentos da cozinha social e, por seqüência, em geral nutritiva e saudável, desvinculada da lógica comercial, aonde prevalece à diversidade, a riqueza da terra, diferentemente dos alimentos industriais que exploram e dominam a Natureza em busca do lucro.
ANA > O que acha dessa frase: “a saúde é subversiva porque não dá lucros?”
Cozinha Popular < No papel é certa, porque na realidade a saúde faz parte do mecanismo econômico e produtivo, sendo um negócio de grandes dimensões, e, portanto contra a riqueza alimentar e territorial.
ANA > Alguma coisa mais a acrescentar? Obrigado, sorte e ânimo no projeto!
Cozinha Popular < Estamos preparando um convênio internacional sobre “A Cozinha da Revolução” com estudiosos e visitantes de todo o mundo. Aceitamos colaborações dos companheiros para o projeto, ainda que seja só para realizar as traduções dos materiais do Centro de Estudos e do site em outras línguas. A revolução será um almoço de gala!
Centro Studi Cucine Del Popolo
[entrevista realizada em outubro de 2006]
agência de notícias anarquistas – ana
Dentro da lagoa
uma diz “chove”, outra diz “não”:
conversa de rã.
Eunice Arruda
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!