Diário Página/12 (Buenos Aires)
Há uma história que é conhecida. É a do italiano Severino di Giovanni, que emigrou à Argentina nos anos 20 para trabalhar como operário tipógrafo e foi o anarquista expropriador mais procurado no Rio da Prata durante o início do século passado. Osvaldo Bayer estudou-o com detalhe e precisão no livro Severino di Giovanni, o idealista da violência, que é uma referência do estudo histórico deste homem que foi fuzilado pela ditadura de José Félix Uriburu, aos 29 anos, no transcorrer de 1931. Mas há outra história que não é tão conhecida: a história de amor que travou este jovem de convicções muito fortes com uma adolescente argentina e também anarquista: América Scarfó. Quando se conheceram, ela tinha somente quatorze anos e Di Giovanni, vinte e sete. Não só se amavam, senão que se enamoraram das ideias que cada um defendia. E isso consolidou a relação, apesar de que tratou-se de um amor clandestino em mais de um sentido. Esta é a história que narra “Los ojos de América”, documentário realizado por Daiana Rosenfeld e Aníbal Garisto que, após ganhar o Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Latino-americano (DocTV), estreou em 20/8/2015 no Espaço Inca Gaumont [Buenos Aires].
A dupla começou investigando a história das mulheres anarquistas do final do século XIX e princípios do XX na Argentina porque sabiam, desde o princípio, que havia um movimento pequeno mas bastante forte no país. A ideia primitiva era estudar o papel da mulher dentro do anarquismo e, através desta busca, os realizadores chegaram à figura de América Scarfó. “Era diferente das outras mulheres porque apesar de ter sido conhecida como companheira de Severino e como a irmã de Paulino Scarfó, a verdade é que nos encontramos com o que era uma menina de quatorze anos com ideias muito avançadas para essa época”, conta Rosenfeld na entrevista, com Página/12, na qual também participa Garisto.
A estrutura narrativa do documentário se sustenta com muito poucas entrevistas (logicamente opina Bayer) e o acerto radica em não deixar de mencionar o espirito político da época, mas centrando-se nessa história amorosa. Isto contam através das leituras das cartas que se enviavam Severino e América, assim como também de escritos pessoais desta mulher, guia do relato representada através da voz em off de uma atriz. “É uma história de amor e também reflete uma história política e social do momento”, sustenta Garisto, que entende que os dois “eram militantes que lutavam e viam que se podia chegar a mudanças: pensemos que o movimento anarquista era o movimento operário mais importante do país e eles dois militavam de uma maneira muito forte dentro do mesmo”.
Por quê decidiram focalizar no aspecto mais íntimo do personagem político?
Daiana Rosenfeld: Nós cremos que contar uma história da intimidade é muito mais interessante porque joga a humanidade de uma pessoa em relação ao espirito da época na qual está vivendo. Cremos que ficar somente no personagem público implicava aprofundar pouco. E esta é uma história de amor em termo mais amplo: não só amor na relação, senão amor pela liberdade, pela igualdade, amor fraternal entre os camaradas, como diziam os anarquistas entre si. Nos pareceu mais interessante focá-los desde um ponto de vista mais pessoal e íntimo como reflexo do que também pode sentir uma pessoa aos quatorze, quinze anos, quando começou com a relação e a luta anarquista. Creio que é mais universal.
Aníbal Garisto: E também, de Severino se sabia toda uma parte: que ele tinha uma forma de fazer atos políticos sobre certas coisas que estavam acontecendo nesse momento, mas não se conhecia seu lado amoroso, sua escrita, que era professor, que falava três idiomas, que editava, que traduzia…
Isso descobriram fazendo a pesquisa?
A. G.: Sim, descobrimos na pesquisa e, em grande parte, pelo livro de Osvaldo Bayer, por ir a bibliotecas, a arquivos pessoais, por falar com militantes anarquistas. As vezes, para a imprensa é melhor dizer que alguém pôs uma bomba e não explicam por quê, nem tudo o que faz essa pessoa a nível social. E a intimidade é também para mostrar que há outra pessoa da qual não se contou a história a partir desse lado.
D. R.: Voltando à intimidade, também há uma questão que tem que ver com que eles eram consequentes com suas ideias a nível público e a nível privado. Então, a intimidade é interessante por isso.
Por quê decidiram que a estrutura narrativa seja basicamente a leitura das cartas de amor e escritos pessoais deles?
D. R.: Era uma relação complicada: ele estava a maior parte na clandestinidade. Então, a relação se baseou em cartas de amor, encontros fugazes. E são os documentos mais fieis, mais interessantes e mais íntimos para refletir também todo esse momento: não só a relação entre eles. É um ponto de vista muito pessoal dos próprios personagens. Creio que por isso decidimos contar a história através deste tipo de documentos e confrontá-los também com os documentos da época, com os diários que criminalizavam não só a Severino, senão a todo o anarquismo expropriador.
Como acessaram o material histórico das cartas?
D. R.: Na primeira versão do livro, Bayer publicou quase todas as cartas. Em sua investigação, Bayer encontrou as cartas no Museu da Polícia. E aí foi quando América ficou sabendo que as cartas seguiam existindo porque, na realidade, ela deveria destruí-las e nunca o fez. Quando prenderam Severino, Paulino e América na quinta de Burzaco, a polícia confiscou essas cartas e as deixou no Museu da Polícia, onde Bayer as encontrou. Na realidade, os familiares doaram ao ateneu anarquista de Constitución todos os documentos e arquivos pessoais de América e as cartas estão em posse de uma de suas amigas.
Após haver pesquisado, como crêem que era viver um amor na contramão de uma sociedade preconceituosa?
A. G.: Foi difícil. Também nas cartas há tanta expressão de amor porque era um desejo: não podiam se ver. Se viam pouco. Era perigoso para ambos ver-se porque ambos arriscavam suas vidas. São cartas que tem um tempero muito especial e carregado de nostalgia, de amor, de paixão. Há muitas cartas que tem muita paixão, muitos relatos de encontros fugazes entre eles…
D. R.: E também se enfrentavam com a violência, com a ação direta, que é também a brincadeira do filme: o lado romântico desta relação e, por outro lado, a ação direta dos personagens.
A. G.: E tampouco se pode esquecer que eles, durante muito tempo, realizaram amor e ideal porque estiveram vivendo em uma quinta de Burzaco, onde cultivavam o que comiam, falavam de não matar animais. Tinham uma impressora para imprimir as propagandas que eles queriam. Ou seja, não foi algo que deixaram só no papel, senão que estiveram vivendo em Burzaco da forma que pensavam e conseguiram: foram pequenos modos de vivência autossuficiente.
Fonte: http://www.entornointeligente.com/articulo/6733416/–
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
a lua ilumina
na roda do chimarrão
o choro do violão
José Ramos Gomes
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!