Como fazer as pessoas perceberem que estão acorrentadas? Para o Soundz of the South (Sons do Sul, SOS) – coletivo de resistência anticapitalista de Khayelitsha, Cidade do Cabo – você dá hip hop a elas.
Essa conjunção acontece desde as origens do hip hop em Nova Iorque. Em festas de rua no sul do Bronx dos anos 1970, equipamentos de som eram muitas vezes ligados aos postes de iluminação de parque. As origens do hip hop foram estritamente “faça você mesmo” e, o que é mais importante, uma reação direta à marginalização estrutural de comunidades e do racismo da grande mídia. O SOS mantém esse espírito inicial através de seu ativismo hip hop relevante às suas lutas.
Sendo um coletivo tanto de ativistas quanto de artistas, estão comprometidos com a descentralização, a ação direta, a autonomia e a independência. Tal como os pensadores anarquistas Emma Goldman ou Mikhail Bakunin, acreditam que hierarquias corrompem e que somente a organização horizontal pode eliminar a desigualdade. Além de gravar discos, o SOS realiza reuniões regulares e apresentações “críticas” de documentários, seções semanais deSlam e organiza protestos e debates, participam de conferências regulares e iniciaram campanhas como a “Não vote! Organize-se!” ou iniciativas para salvar Philippi High (uma escola na planície da Cidade do Cabo). Também iniciaram a Caravana de Hip Hop Africano, uma série de eventos anuais (esta é a terceira edição) que está acontecendo agora no final de dezembro.
Uma de suas músicas recentes foi diretamente inspirada pelo envolvimento do coletivo com os protestos estudantis #FeesMustFall (Abaixo as mensalidades).
Quando entrevistei os membros Milliha, Anele, Khusta, Sipho e Monde, eles estavam convictos de que a sua música precisa ser política. “O hip hop precisa ser sobre a responsabilização daqueles que estão no poder”, diz Anele. A razão é a de que trata-se de um gênero com o qual os jovens se identificam e têm acesso, pois, ao contrário da música punk, “Você só precisa de papel e caneta, a batida vem por si mesma”.
O sentimento é o de que, quando a principal virtude do presidente do país, Jacob Zuma, é uma dança carismática, e o bling bling, bebidas e mulheres inundam a grande mídia, o hip hop de raiz é a mídia alternativa.
Como também fazem parte de outras organizações ativistas, tais como a Assembleia de Moradia e a ILRIG (International Labour Research and Information Group – Grupo Internacional de Pesquisa e Informação dos Trabalhadores), os membros do SOS compreendem que para a mudança social é necessário mais do que música. Para participar do coletivo, é necessário estar envolvido em discussões, protestos e reuniões regulares, assumir tarefas, organizar, bem como identificar-se com os princípios. Muitas vezes o trabalho de base vem primeiro, e ele inspira as ideias para as músicas. Mas Anele ressalta que o que o hip hop faz é ajudar os ouvintes a despertarem e se mobilizarem para a ação. “Ele desmistifica grandes questões e traz a política de volta para o povo”, diz. Ou, como Monde coloca, “estamos pegando o que está lá e trazendo para perto de quem não podia alcançar.” O objetivo da Caravana de Hip Hop Africano é levar esse tipo de consciência por todo o continente. Ela foi concebida em 2011 pelo SOS, pela Uhuru Network e por diversos ativistas culturais.
Em cada cidade africana que participe, haverá uma Conferência de Hip Hop Africano para encorajar a discussão do papel do hip hop nas lutas das comunidades, e um Concerto de Hip Hop Africano, dando ao hip hop reprimido e underground uma plataforma para se expressar. A edição de 2015 começará em Arusha, Tanzânia, e o foco principal será a migração contra o pano de fundo dos recentes ataques xenofóbicos na África do Sul, a crise de refugiados na Europa e as mortes de adolescentes negros nos Estados Unidos. Inspirados por artistas de hip hop do Dakar, que se reuniram para impedir o presidente Abdoulaye Wade de reeleger-se inconstitucionalmente a um terceiro mandato, a ideia é explorar a origem de certos problemas, relacioná-los a questões atuais e transcender fronteiras.
O envolvimento do SOS na caravana, bem como tudo o que fazem, é autofinanciado. Rejeitando estritamente qualquer financiamento de marcas corporativas (dizendo não ao Red Bull, por exemplo, me diz Khusta) para manter a autonomia, o SOS decide coletivamente o que acontece com qualquer entrada de recursos. Ninguém recebe dinheiro para gastar como quiser. Em vez disso, explica Khusta, ele volta para a comunidade. Como grupo sem número exato de membros, não estão interessados em ter nem registrar uma marca. “Não fazemos músicas para rádio”, diz Anele.
Na África do Sul, a música tem tido um papel importante na luta dos povos oprimidos. O presidente Jacob Zuma deve saber bem o poder de convencimento de um ritmo – em época de eleições, ele leva DJs famosos aos povoados. É por isso que o SOS não quer que os ouvintes desliguem seus ritmos. Seguindo Bakunin, acreditam que uma democracia “doce”, que exige gratidão por pseudo-liberdades, acaba distraindo das realidades importantes. “E é isso que temos, e é por isso que estamos fazendo o que fazemos, para fazer as pessoas perceberem que estão acorrentadas. Elas trabalham e criam riqueza para outros usufruírem, explica Anele. Infelizmente, ele continua, muitos camaradas anarquistas não entendem o hip hop – “eles vêem muito poder negro e acham se tratar de nacionalismo” – mas ele está convencido de que não há linha divisora entre o anarquismo e o hip hop. O hip hop é a voz da classe trabalhadora.
Fonte, vídeos e músicas aqui: http://africasacountry.com/2015/12/south-africas-anarchist-hip-hop-collective/
Tradução > G Montenegro
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!