Texto de M. Ricardo de Sousa [de Portugal]
Este artigo é dedicado ao meu velho amigo Danilo violentamente torturado durante a ditadura militar que nunca perdeu a esperança numa mudança radical no Brasil.
A situação no Brasil está explosiva. Uma crise econômica grave soma-se a um descontentamento generalizado com as políticas do governo de Dilma Rousseff que levaram às ruas, no ano passado, protestos principalmente de jovens não identificados com os partidos, um fenômeno novo desde que o PT assumiu o poder. Seguiram-se manifestações principalmente de classe média descontente. Faltava lançar gasolina no fogo, e a corrupção revelada nos últimos meses foi o elemento de ignição, as ruas encheram-se com manifestações agressivas contra o governo, o PT e Lula, numa mistura de classes e interesses contraditórios onde não faltam até uns quantos saudosos da ditadura militar.
O escândalo do “mensalão”, em 2005, que expôs os podres do PT, seus esquemas de corrupção para comprar as alianças partidárias com os setores conservadores que sustentam as suas políticas, foi a ponta do iceberg que se avistou. Dirigentes do topo do partido, como José Genoíno e José Dirceu, não são, como é óbvio, funcionários secundários do PT apanhados em pequenos esquemas de corrupção; do que se tratou foi de um processo bem estruturado de governar comprando os votos dos aliados, algo que não podia ser ignorado por Lula.
Desde que Lula ganhou as eleições em 2002 que estava claro que teria um dilema político resultante de não ter maioria no legislativo, nem no poder estadual, podendo governar através dos velhos processos brasileiros de alianças assentes nos favores e na corrupção, ou rompendo com o status quo e fazê-lo através da pressão social nas ruas. Lula e os seus estrategas decidiram-se, com um cinismo pragmático, aliarem-se com os inimigos para viabilizar as suas políticas de governo. E que inimigos! De Sarney, a Maluf, e quem diria, Collor de Mello, o seu arqui-inimigo dos anos 90! O Lula de 2002 já não era o Lula de 1989 da frente Brasil Popular, a sua “Carta aos Brasileiros” era já um compromisso manifesto com a ordem capitalista.
O custo destas alianças foi não só destruir o discurso “ético” do PT de crítica da velha política corrupta, como colocar o partido, e Lula, na mão das velhas raposas da política brasileira. Mas mais que isso, esta coalizão fez eclipsar a anunciada vontade de reformar profundamente a sociedade brasileira. A reforma fiscal e urbana, a reforma agrária, o combate à corrupção endêmica, a defesa da ecologia, o controle do aparelho policial, tudo isso, que havia sido prometido, desapareceu nos corredores das negociações com a base de apoio conservadora. O máximo que as velhas elites admitiram foi uma política assistencialista, com tradição no Brasil, basta pensar em Getúlio Vargas, que não mudava nada de substancial na sociedade embora tivesse um evidente resultado positivo de tirar da miséria mais absoluta um número significativo de brasileiros.
Toda a política de Lula, ao longo dos seus dois mandatos, foi objetivamente de dinamização do capitalismo brasileiro e de reforço das classes dominantes: grupos industriais, financeiros, agro-negócios, alta burocracia do Estado. Numa situação em que a economia brasileira crescia, era inegável a popularidade de Lula, um líder carismático que encarnava o protótipo de caudilho latino-americano, não só as classes populares estavam satisfeitas, mas a média e grande burguesia já não se preocupavam com o fantasma do “socialismo”. O PT que havia nascido da convergência de múltiplos setores da esquerda, saídos da grande derrota que foi a ditadura militar, foi perdendo a sua dinâmica coletiva de base com forte implantação nas classes populares e associado às comunidades urbanas, aos sindicatos e ao MST, que esperavam no mínimo que o partido aplicasse políticas profundamente diferentes das da elite política tradicional. Ao invés disso o PT, e Lula, foram desmobilizando a sua militância popular, controlando os movimentos sociais e os sindicatos e cooptando os principais ativistas de base para cargos políticos de um partido que se foi profissionalizando e burocratizando.
Não admira, por isso, que se tivesse chegado ao descalabro geral que emergiu nos diversos escândalos dos últimos meses, que se traduz na continuidade do “mensalão” por outros meios. Milhões desviados da Petrobras foram para os cofres do PT e seus aliados, e não se trata de financiamento ilegal de partidos, isso já seria o suficiente para descredibilizar o PT, mas de dinheiro destinado à corrupção de partidos e dirigentes para beneficiar grandes grupos econômicos.
Discutir se Lula, se beneficiou ou não de todo este esquema é importante, até pelo papel que ele desempenhou no crescimento do PT e na conquista do poder, mas bastaria o fato de as políticas de governo do PT serem de aliança com os inimigos do povo brasileiro; ou de o partido, e o Instituto Lula, receberem dinheiro das grandes empreiteiras para se concluir que há um problema real e efetivo com esse partido. Negar, como faz o PT ou muitas pessoas da esquerda portuguesa, como Boaventura de Sousa Santos e Rui Tavares, que o PT foi todo minado pelos esquemas de corrupção e de alianças obscuras com setores políticos e empresariais dominantes é não enfrentar os fatos já conhecidos, e provados, e o depoimento de todos os que no PT se afastaram em função desta realidade sinistra. Falar dos milhões de brasileiros tirados da miséria ou da ameaça de um novo golpe militar é puro cinismo demagógico.
O PT traiu miseravelmente a esperança que milhões de brasileiros depositaram nele e demonstrou, na prática, que não há mudança possível, a partir do coração do Estado, das regras do Sistema. As consequências do reformismo, das alianças de classe, das políticas ditas pragmáticas dentro do sistema capitalista, é o que podemos constatar nestes anos de governo PT no Brasil. Essa conclusão que já podíamos tirar da experiência da social-democracia histórica confirmou-se, mais uma vez, e da pior forma, nesta experiência dos governos PT-Lula.
Fonte: http://www.jornalmapa.pt/2016/03/23/pt-da-corrupcao-como-tactica-politica/
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!