Por Flavio Solomon¹
“Todos os anos nos deparamos com as tais festas do Primeiro de Maio, promovidas pelas grandes centrais sindicais e que enchem praças e avenidas com milhares de pessoas. Com o objetivo de atrair o público, em meio aos shows de artistas famosos, sorteiam até carros e apartamentos. Esquecemos, no entanto, das origens dessa data tão importante, que marca a luta dos trabalhadores e das trabalhadoras contra as mazelas do capitalismo e suas brutais consequências sobre homens e mulheres”
Organização Anarquista Socialismo Libertário (OASL)²
O anarquismo atual tem uma breve história em Joinville. No contexto pós-ditadura civil-militar é possível identificar as agitações anarquistas em meados da década de 1990 até 2016. No primeiro momento, o anarquismo era uma expressão de setores da juventude urbana ligada ao punk, que foi importante por promover a circulação de jornais, informativos e literatura anarquista. Os primeiros anos do século XXI, novamente a juventude se mobiliza em torno do anarquismo. Porém, é uma juventude que divide o seu cotidiano entre o trabalho e os estudos. Neste segundo momento, o anarquismo é retomado por meio das lutas sociais por direito à cidade e do movimento estudantil no ensino médio e universitário.
É neste contexto que surge um grupo de estudos e ações da militância anarquista, com objetivo de formar de uma organização de intenção revolucionária. Entre os diferentes trabalhos realizados, uma das medidas é retomar a relação do anarquismo com o 1º de maio. A medida tem por intuito central a construção de uma identidade rebelde do povo oprimido inserido nas lutas sociais.
No informativo do Pró-Coletivo Anarquista Organizado, Palavras de Luta #02 de maio/junho de 2010, iniciávamos o editorial sobre o 1º de maio como um:
“…momento trágico, e por isso heroico, da classe explorada, quando no ano de 1886, em Chicago (EUA), travaram manifestações por 8 horas de trabalho, 8 horas de lazer e 8 horas de descanso. Os patrões, através do Estado, violentamente reprimiram com assassinatos a luta reivindicativa de trabalhadores que aspiravam uma vida digna (…) Passados 124 anos desde 1886, a exploração continua ofuscando o sol da liberdade, eclipsando nossa história de lutas por dignidade, nossas memórias libertárias. Os exploradores tentam nos fazer acreditar que a transformação social não é possível. Ao realizarmos a Iº Feira de Cultura Libertária, tendo como tema 1º de maio, uma história de luta, assumimos o compromisso político de discutir, escrever e propagandear a nossa memória de luta, identificando a exploração capitalista e estatal no presente, trilhando o caminho aberto por todos os trabalhadores e trabalhadoras que se dedicaram à revolução social, que se entregaram à liberdade”.
A Iª Feira de Cultura Libertária ocorreu na Associação de Moradores do Itaum, na zona sul de Joinville. Promoveu manifestações artísticas e narrativas dos movimentos sociais e entidades representativas, demonstrando que o dia 1ª de Maio é um momento de memória da luta da classe explorada, sustentada na realidade, ainda presente, da exploração capitalista e estatal. O evento procurou articular rodas de conversas sobre as lutas sociais, banca de livros anarquistas, poesias e filmes curta metragens. A Iª Feira aconteceu de modo a atender as expectativas da companheirada envolvida, inclusive apontando para um norte de novas atividades com este formato. Depois da edição que funcionou bem, infelizmente, em 2011, a militância anarquista não manteve os passos firmes para continuar a realizar atividade na data.
Entre os anos de 2007 a 2013, a militância anarquista organizava o GEIPA, Grupo de Estudos das Ideias e Práticas Anarquistas. O grupo de estudos tinha por objetivo debater a ampla tradição anarquista e temas que julgava pertinentes, quando dialogavam de alguma maneira com o anarquismo. Foi através dele que realizamos um debate no 1º de maio de 2012.
Em 2012, os trabalhadores e as trabalhadoras em educação de Santa Catarina entraram em greve. Uma greve de curta duração, sem grande adesão da base da categoria, quase um movimento das direções sindicais, o que indicava os elementos de burocracia que haviam tomado conta do sindicalismo do magistério. Estes fatos motivaram o GEIPA a realizar a exibição do documentário Um pequeno grão de areia, que aborda a realidade combativa dos trabalhadores e das trabalhadoras da educação no México. A exibição do filme foi um gatilho para o debate e a reflexão sobre as realidades do trabalho em educação e da luta sindical em Joinville. O evento contou com professoras e professoras em sua grande maioria, assim como a companheirada solidária de outras frentes.
Em 2013, a necessidade de retomar o 1º de maio estava presente nas discussões do Coletivo Anarquista Bandeira Negra. Porém, a realidade apresentava um intenso trabalho de construção nas pautas da mobilidade urbana e comunitária. Por conta disso, uma ação de agitação e propaganda nas ruas foi a medida para marcarmos a data. A modesta ação fortaleceu a convicção da necessidade de realizar de maneira mais efetiva o trabalho. A dúvida que pairava era a melhor maneira de realizá-lo.
Conscientes das nossas condições, em 2014 a data não foi retomada do modo que desejávamos. A razão era a forte repressão, especialmente por conta das prisões e aberturas de processos que companheiros anarquistas sofreriam no contexto pós-jornadas de Junho de 2013. Isso nos levou a não realizar a atividade com o corte político anarquista, mas de articular – junto a nossa militância inserida na luta sindical – uma atividade em formato de mesa redonda sobre os rumos das lutas da classe trabalhadora, evento que ocorreu no Centro dos Direitos Humanos Maria da Graça Bráz. É perceptível o quanto as conjunturas muitas vezes desgastam as intenções militantes. Foi um recuo tático para concentrar as energias rebeldes para resistir aos ataques dos patrões e dos governos.
Em 2015 o CABN idealizou o “I Sarau 1º de maio” na tentativa de construir uma identidade de organização das e dos oprimidos, combate frente todas as formas de dominação. Afinal, o 1ª de maio é uma data fundamental na história dos e das trabalhadoras: empregadas e desempregados, do campo e da cidade. A atividade foi destinada para cruzar a memória de luta com as experiências de hoje, tendo como enredo as diferentes manifestações criativas e combativas dos nossos companheiros e companheiras que se dispuseram a construir o ato.
Memoriando após um ano do evento realizado na sede do CDH, afirmamos que foi uma importante ação de 1º de maio. Na ocasião, por volta de 80 companheiros e companheiras, entre trabalhadores e estudantes, jovens e velhos, de diferentes lutas sociais relacionaram o saber, o pão e a poesia com as lutas das mulheres curdas, com a perda do escritor latino-americano Eduardo Galeano, a história contada pela compa Grazi, o teatro comunitário e as canções de “Eu também sou Zé”. Em nossas memórias vibram sorrisos rebeldes daquela noite de 1º de maio de 2015.
Agora, o CABN mantém o projeto de retomar o 1º de maio como um dia de luta e luto, de construir uma identidade de luta da classe oprimida. É a forma que encontramos de realizar uma proposta diferente dos governos, das entidades assistenciais e as grandes centrais sindicais. Sem deixar de esquecer que os enfretamentos ocorrem em diferentes setores, como nas memórias e histórias de lutas da classe trabalhadora que não entrega o seu passado aos patrões e governantes.
[1] Flavio Solomon é militante do Coletivo Anarquista Bandeira Negra, integrante da Coordenação Anarquista Brasileira.
[2] http://www.anarkismo.net/article/25449.
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!