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[Romênia] ‘Cresci como um animal enjaulado num orfanato, mas às vezes tenho saudades’

By A.N.A. on 16 de Abril de 2016

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Depois da Revolução de dezembro de 1989 na Romênia e da derrubada do líder comunista Nicolae Ceausescu, o mundo descobriu o universo misterioso dos orfanatos onde crianças haviam sido mantidas em condições precárias durante o período ditatorial.

As espantosas condições em que meninos e meninas viviam ali chocaram o planeta: as fotos mostravam centenas de crianças raquíticas e sujas, algumas amarradas às suas camas; outras, balançando para frente e para trás, com olhares perdidos. Os sinais de negligência eram óbvios.

Organizações humanitárias se apressaram a encontrar uma maneira de melhorar a vida dos menores.

Centenas de crianças foram adotadas por famílias do Ocidente. Uma delas foi Izidor Ruckel, que passara toda a infância em uma instituição para crianças “irrecuperáveis” – um dos locais onde as condições eram especialmente devastadoras.

O ambiente era sombrio. Mau cheiro terrível, sujeira e excrementos podiam ser encontrados por todos os lados. Para lá eram encaminhados os casos mais graves, as crianças que necessitavam do melhor atendimento possível – e que estavam recebendo o pior.

Izidor contou sua história à BBC:

“Quando tinha seis meses de idade, fiquei doente e meus pais me levaram a um hospital para ser atendido. Mas em vez de voltar curado, acabei tendo um problema muito pior: saí de lá infectado com poliomielite.

Meus pais me levaram, então, a outro hospital. E nunca mais voltaram para me buscar.

Órfão de pai e mãe, acabei sendo levado para uma instituição de crianças com deficiência, um orfanato conhecido como ‘o hospital para crianças irrecuperáveis’.

Ninguém está preparado para o que encontrei lá. Os funcionários pareciam adorar nos espancar. Eu pensava: se essas pessoas tiverem filhos, será que elas os espancam em casa também?

Eu acabei virando cruel também. Desde cedo aprendi a ter controle sobre as demais crianças. Os funcionários perceberam isso, e pensaram: ‘ele não deve ser tão deficiente assim’. E me deram a tarefa de bater nas crianças quando elas se portassem mal, da mesma forma como (os adultos) batiam na gente.

Isso era tudo o que conhecíamos, tudo o que podíamos lembrar.

Não tínhamos compaixão; não tínhamos quaisquer sentimentos ou emoções. Simplesmente existíamos para vegetar.

Éramos animais selvagens que precisavam ser enjaulados.

Passei ali 11 anos da minha vida e cresci naquelas condições, um ano repetindo o outro.

Depois da queda do comunismo, as coisas começaram a melhorar. Eu mudei para melhor, houve mudanças na direção e na equipe. Nós passamos a poder sair (do orfanato), formos educados. Começamos a expandir nossa mente.

Lidando com o trauma

Depois disso, fui adotado por uma família de San Diego, na Califórnia, Estados Unidos: o casal Marlis e Daniel Rackhome. Disseram para eles: ‘essa criança tem sérios problemas, é deficiente’. Eles responderam: ‘o aceitamos como ele é’.

Cheguei em 1991. (Mas) foi muito difícil, porque eu não conseguia me adaptar a um ambiente familiar.

Três dias após chegar aos EUA, eu já estava discutindo com a minha mãe por conta do cinto de segurança (do carro).

Minha cabeça estava acostumada com a instituição (romena). Eu sentia raiva, fiquei muito amargo e estava desesperado para voltar à Romênia.

Até escrevi aos assistentes sociais para pedir a eles que me deixassem ficar lá, na Romênia, até que completasse 18 anos. Todos me disseram não.

Retorno

Visitei a Romênia em 2001, aos 21 anos. Fui encontrar minha família biológica em busca de respostas. Também visitei a instituição onde cresci.

Tentei entender minha mãe e conhecê-la de verdade.

Mas infelizmente, nem todos os pais estão dispostos a assumir seus filhos.

Se eu nunca tivesse vindo para os Estados Unidos, eu com certeza estaria morto ou vivendo como um mendigo nas ruas (da Romênia). Há tantas crianças que são simplesmente expulsas do sistema.

Hoje moro no Colorado (EUA) e escrevi minha autobiografia.

Quando vejo, na Romênia ou em qualquer outro país, algum adulto balançando para frente e para trás ou se comportando do jeito típico de pessoas institucionalizadas, posso reconhecer na hora: ele cresceu em um orfanato.

Ainda assim, às vezes eu sinto falta dessa instituição. As pessoas não conseguem entender, porque nunca viveram essa experiência. Estávamos acostumados a isso, ali foi onde crescemos, era o nosso lar.”

Fonte: bbc.com/portuguese/noticias/2016/04/160411_depoimento_orfao_romenia_rm

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Núbia Parente

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