Por Enric Llopis
Nos dias 17 e 18 de Outubro, aconteceu no Espaço Encamación Gonzáles, número 8, de Vallecas (Madrid) a exposição “Arte e propaganda libertária”. As 34 pessoas e coletivos que participaram entendiam a arte como um ato comunicativo que não existe só para ser contemplado, exposto e armazenado como uma mercadoria. Recordaram que uma palavra – nem sempre usada de forma positiva – “a propaganda”, foi capital na estética anarquista. “Não acreditamos nos gênios do mesmo modo que não acreditamos nos santos; estamos convencidos de que a arte é o aqui e o agora; não queremos fazer teoria da arte, mas antes sacar-lhe conclusões em prática”.
Com este precedente, a XVI Mostra do Livro Anarquista de Valência, que acontece entre o dia 7 e o 21 de Abril de 2016, incluiu na sua programação a mostra “AnArco: arte liberal vs arte libertária”. Amplia-se a gama de práticas artísticas mais habituais no anarquismo a outras, como por exemplo a ação direta “fortemente estetizada” de movimentos sociais como o Movimiento de Objección de Conciencia (Movimento de Objecção de Consciência) – MOC – contra os exércitos. Ou propostas pouco reconhecidas tradicionalmente no campo libertário, por serem consideradas artes “cultas” e “elitistas”. Os organizadores aclaram que os 57 artistas participantes na exposição “AnArco” (que pode visitar-se entre o 8 e o 18 de Abril) não foram eleitos por um “comissário” (“palavra de aroma tão policial”), mas sim mediante um grupo de afinidade. As obras permanecem expostas no Centro Social Okupado e Anarquista de L’Horta de Benimaclet, o Ateneu Libertário de Al Margen, o Ateneu Libertário de Cabanyl e Cabanyl Horta #lacasadeloso. Como atividade paralela apresenta-se a exposição “Arte e Anarquismo; rastros biográficos” na Biblioteca da Faculdade de Belas Artes da Universidade Politécnica de Valência, com textos teóricos, catálogos de artistas, livros de história, estética e agitação que veiculam, desde as suas origens, o anarquismo como arte.
Assim como a mostra de Vallecas (Outubro de 2015) apresentava uma mesa redonda sobre um lugar da arte e o artista no mundo libertário, no dia 8 de Abril de 2016 celebrou-se um debate no Centro Social Okupado e Anarquista L’Horta de Benimaclet sobre o “papel da arte nas lutas para uma mudança social”. Participou o grupo de afinidade “Democracia”, constituído em Madrid em 2006 e que promoveu o uso da esfera pública para levar a cabo a sua sorte de agit-prop de conteúdos emancipatórios. A sua web tem como principal símbolo da “equipe de trabalho” um escudo com o símbolo da monarquia espanhola invertido e a epígrafe “Sem estado”. Em 2015 realizou uma “intervenção” na rua Caballeros (centro histórico de Valência) cujos balcões se enfeitam, durante a festa do Corpus Christi, com bandeiras de índole religiosa. A ação consistiu em exibir cartazes anarquistas no Dia dos Defuntos, onde se podia ler, sobre fundo negro, em italiano, inglês e castelhano: “A nossa pátria é o mundo inteiro, a nossa lei a liberdade”; “Batalhão da morte”; “Nem servo, nem patrão”… Outra iniciativa de 2015 baseou-se na difusão da consigna “A melhor luta é a que se faz sem esperança”, em espaços de rua reservados habitualmente a publicidade comercial e institucional. A mensagem associou-se ao centenário do nascimento do guerrilheiro anarquista “Quico Sabaté”.
Artista multimídia, poeta e de “performance”, Belín Castro recorda que nos anos 90 a política já era, como hoje em dia, “uma grande patetice; a época dos yuppies felizes e onde todos aparecíamos nas fotos; na década de 2000 perdemos a esperança e então é quando decides lutar; quando não tens nada a arriscar, ou a perder, podes fazer o que quiseres”, explica este membro – durante seis anos – da equipe de gestão do Espaço Tangente (Centro de Criação Contemporânea de Burgos) e dos Artistas Visuais Agrupados (AVA) de Castelena e León. “O capitalismo aperta, sufoca, meteu-se até às moléculas das pessoas”, acrescenta. Estabelece uma prioridade: “Há que começar a dar sentido ao vazio das pessoas”. Considera “maravilhoso” estar num centro social, mas o problema é que quando se sai daqui, volta-se a estar desorientada”. O anarquismo “que nos orientou a muitos nas situações de luta”, tem de ser repensado porque a situação atual não é a mesma de 1936 (“aquela época fica-nos fora de mão”). “Temos de saber onde estamos e procurar uma bússola que nos leve a uma boa vida, a uma boa companhia, à utopia e a uma boa morte”. Belín Castro arremata com um final em forma de desejo: “estou desejando saber onde estão todos os outros e se me podem ajudar”.
Nelo Vilar leva 25 anos a trabalhar, na teoria e na prática, sobre a arte de ação contra a “instituição-arte”. Artista insubmisso, ganhou a vida como lavrador e “artista-coletor” de laranjas. Teorizou, também, sobre a arte paralelo como forma de ação coletiva, desde um foco sociológico-crítico. Considera que referir-se à “arte anarquista” está um pouco fora de contexto, pois qualquer artista se subscreveria, hoje em dia, a esta denominação. Arte anarquista ou arte liberal? “Se a Repsol ou a Endesa subvencionam a subversão, isso significa que o liberalismo está, também, em cada um de nós”. Considera que há movimentos artísticos – em princípio “políticos” – que se estilizaram e se comercializaram e por tal, “no final, não serviram para nada”. “Outro dos grandes debates sobre a arte é o da sua utilidade”. Está generalizada a ideia, reflexiona Nelo Vilar, que o anarquismo se baseia em liberdade de decisão, na auto-determinação do artista,… mas há outro ponto decisivo nisso tudo que é o fator da justiça social e comunitária.
A arte e o anarquismo têm a sua origem na modernidade, no estado burguês e têm o mesmo propósito: a emancipação do ser humano. Trata-se da ideia que figura na portada da ilustração, por exemplo em Schiller e a sua ideia da educação estética do ser humano. A ter em conta também a nota do filósofo Luis Navarro Monedero, no debate sobre “o papel da arte nas lutas por uma mudança social”, que teve lugar no Centro Social Okupado e Anarquista L’Horta de Benimaclet. “A educação estética é o que pode elevar o ser humano da sua condição miserável”, opina, de acordo com Schiller, o coordenador do projeto editorial “Literatura Gris” (Literatura Cinzenta), tradutor dos textos da Internacional Situacionista e fundador do coletivo de ação estética “Industrias Mikuerpo”.
Luis Navarro Monedero sustenta que, imersa nas redes do capitalismo, a arte sucumbe às lógicas da separação: e cada uma das artes se converte num âmbito de especialização, excluída do resto. Produz-se assim uma separação entre o espectador – admirador e quem aplaude do que os outros fazem – e o artista que se refugia na intimidade da sua oficina, quando não está a ser “estético”. A obra é fruto da personalidade única do autor que impõe a marca sobre os conteúdos. “Trata-se de artistas emancipados que consigam fazer da sua vida algo interessante, enquanto os outros trabalham”. Este artista “separado” mostra o sentido de propriedade e o individualismo burguês, ressalta Navarro Monedero – que formou parte do coletivo “Maldeojo”, uma tentativa de atualização da crítica situacionista. Que compartilham, nas suas origens, a arte e o anarquismo? A ideia do trabalho liberado, da atividade livre fora do sistema produtivo. A arte assemelha-se ao trabalho pelo fato de apontarem um propósito; e ao jogo, na ideia de liberdade.
Três ativistas do Coletivo CreArtEducAcción Comunitária de Valência explicam uma iniciativa na que trabalham desde há dois anos: a “Biblioteca Itinerante” que reivindica os espaços públicos e a participação inter-geracional. Poesia, teatro, contos, música e dança para romper as fronteiras entre a mente e o corpo; e para impulsionar a transformação pessoal e coletiva. “Frente à repressão, a emancipação do nosso corpo” é o propósito. Identificam-se, desta forma, com uma frase do escritor Eduardo Galeano “os cientistas dizem que estamos feitos de átomos, mas a mim um passarinho contou-me que estamos feitos de histórias”. Também se identificam com a proclamação do ilustrador e psicopedagogo italiano, Francesco Tonucci “Frato”: “Senhor presidente, não queremos dispositivos, nem cadeirões, queremos a cidade”. E ainda há aqui, referência ao livro do pedagogo Paulo Freire, “a educação como prática de liberdade”. Outro projeto que começará muito em breve é o “Marcadito Nómada” que visitará os bairros com livros, alimentos, oficinas, produtos artesanais e propostas artísticas.
Tradução > Ophelia
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