Amsterdam abriga um importante arquivo sobre a Guerra Civil, o exílio republicano e o anarquismo espanhol.
Três mil cartazes; dezenas de cartas de Max Aub e Juan Goyitisolo; 170 periódicos da Guerra Civil; o arquivo central da CNT-FAI – 43 caixas resgatadas a duras penas das garras de Franco -; o arquivo da lendária editora antifranquista Ruedo Ibérico; os papéis do líder anarquista Juan Manuel Molina… Tudo isto está perfeitamente catalogado, ao alcance de qualquer um com ganas de investigar a história do ativismo operário espanhol, em um edifício amplo e luminoso. Um pequeno detalhe: este caudal não se encontra em Madri nem em Barcelona, e sim no Instituto Internacional de História Social de Amsterdam (IIHS, socialhistory.org), um dos arquivos mais extensos do mundo no que se refere ao movimento operário. Há papéis de Emma Goldman, Marx, Engels e Bakunin. Há também uma coleção de documentos sobre a rebelião estudantil chinesa, incluindo duas balas disparadas durante o protesto da praça de Tiananmen em 1989. Além disto, guarda um verdadeiro tesouro de materiais sobre a Guerra Civil espanhola e o exílio republicano, sobretudo relacionados ao movimento libertário. Atualmente, o Instituto colabora com a criação e gestão de um dicionário dos quase 800 holandeses que lutaram na Espanha durante a disputa armada, inspirado na base de dados digital da Brigada Lincoln norte-americana.
“A esta altura já abandonamos a aquisição ativa de arquivos espanhóis, mas ainda assim continuam chegando materiais de tempos em temos”, explica Kees Rodenburg, que começou a trabalhar no IIHS em 1978 e que, já aposentado, segue ali como voluntário. Rodenburg foi responsável da área espanhola depois de que, em 1994, o bibliotecário anarquista Rudolf de Jong se aposentou.
A história do prodigioso arquivo da CNT-FAI é digna de filmes. O tomaram da Espanha, milagrosamente, em janeiro de 1939, e levaram até Paris; a partir de lá foi parar na Inglaterra, onde o Instituto havia criado uma filial no ano anterior, pois já se aproximava a Segunda Guerra Mundial. “Foi uma prevenção inteligentíssima, pois assim se pôde proteger muito material dos nazis, que não tardaram em ocupar a Holanda”, prossegue Rodenburg. Depois da liberação, as caixas dos anarquistas voltaram a Amsterdam, mas não foram abertas até décadas depois. Para então, o movimento havia se fraturado e tanto a CGT como a CNT se consideravam proprietários do arquivo. “Não houveram problemas com a FAI, mas houve uma interminável batalha legal sobre a parte que correspondia à CNT. Em 1979, quatro cenetistas chegaram até mesmo a ocupar o Instituto. No final, os tribunais assinaram o arquivo à CNT, com a qual firmamos um comodato em 1994. O material segue sendo propriedade da Confederação, mas o guardamos aqui. Há uma cópia microfilmada na Espanha”, relata.
O arquivo libertário espanhol é hoje uma das coleções mais consultadas. “O Instituto é um lugar maravilhoso”, opina Chris Ealham, hispanista britânico e especialista em anarquismo catalão. “A riqueza da coleção é enorme. Não somente porque contém a documentação oficial do movimento anarcossindicalista, mas também porque muitos militantes acabaram por lega-la seus arquivos pessoais. Para investigadores como eu é uma parada obrigatória”.
O Instituto completou 80 anos em dezembro passado. Foi fundado em 1935, mas suas origens remetem a 1914, quando Nicolaas Posthumus (1880-1960), erudito e colecionador inveterado, criou o Arquivo de História Econômica dos Países Baixos para preservar os documentos relativos à história da economia e das relações trabalhistas. Um generoso financiamento inicial através de De Centrale, uma asseguradora vinculada ao movimento social democrata, tornou possível adquirir coleções chave como as de Max Nettlau, Marx, Engels e Bakunin nos anos trinta. Quase todos estes documentos estão digitalizados e disponíveis online.
18 quilômetros de história
Desde 1989, o Instituto ocupa um edifício monumental no antigo porto oriental de Amsterdam. Mais de mil investigadores consultam a cada ano as coleções, e outros 300.000 o fazem através da internet. Além dos quase 18 quilômetros de arquivo, o Instituto é um importante centro de investigação. “O Estado holandês nos financia através da Academia Real de Ciências”, explica Jack Hofman, encarregado de preservar as coleções. A Academia paga o aluguel e as folhas de pagamento. Contudo, as coleções são propriedade da Fundação do Instituto – ou, se são empréstimos de uso, são gerenciadas por ela -. “A Fundação é independente do Estado. Em seu conselho sempre há representantes sindicais”, conta. Esta estrutura autônoma foi outra prevenção de Posthumus, que entendia que nem sempre se pode contar com o Estado para defender a luta operária, nem muito menos para preservar sua memória.
Na Espanha têm sido sobretudo os arquivos estatais que suscitam debate. Quando chegou ao poder, em 2011, o PP [Partido Popular] blindou arquivos que antes estavam abertos para investigação. Em junho de 2013, esta situação motivou um protesto massivo, respaldado por quase 300 investigadores de 17 países. Não obstante, em fevereiro de 2014, o PP rechaçou a desclassificação de documentação militar sobre a Guerra Civil nos arquivos do Ministério da Defesa, além de impor impedimentos para a consulta dos arquivos do Ministérios de Assuntos Exteriores. A votação foi criticada por historiadores como Ángel Viñas e Carlos Sanz, e também pela ONU. “Qualquer investigador que trabalha em arquivos”, escreveu Sanz em um artigo, “sabe bem como, em muitos outros países democráticos, as facilidades e garantias no acesso da documentação histórica são a norma e não – como ocorre na Espanha tantas vezes – a exceção”. Para Viñas, os argumentos aduzidos pela Defesa “são absurdos”. “Alega que as Forças Armadas têm outras coisas para fazer, e que podem haver documentos que causem problemas com outros países: leia-se o Terceiro Reich, a França de Vichy, a Itália de Mussolini, os britânicos ou os norte-americanos”, ironiza.
Fonte: http://www.lamarea.com/2016/02/19/un-tesoro-libertario-en-el-pais-de-los-tulipanes/
Tradução > PF
agência de notícias anarquistas-ana
do orvalho
nunca esqueça
o branco gosto solitário
Matsuo Bashô
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!