Tem sido um desbravar de terreno notável da equipe, que, pelo terceiro ano consecutivo, vai apresentar o ciclo de conferências sobre o punk e todos os seus afluentes. As KISMIF Sessions decorrem na Faculdade de Letras da Faculdade do Porto, e também em diversos pontos da cidade Invicta, entre 18 e 21 de Julho.
Primeiro foi a desconfiança da própria Academia, e depois dos próprios praticantes da modalidade in your face. É curioso como os extremos se tocam, e ambos os lados antagônicos concordaram imediatamente que estas coisas não são para se estudar nas faculdades.
Só que é. Ou melhor, também é, apesar de nunca dispensar – como noutras disciplinas – um intenso trabalho de campo, o que para muitos investigadores de todos os pontos do globo já começou, mesmo ainda sem saberem que o estavam a fazer, lá por alturas do liceu.
Depois foi seguir a vida fora e aprofundar a coisa, que não há lá nada melhor do que usar a sua própria profissão para aprofundar assuntos de que se gosta. Portanto, não, não é uma cambada de nerds a olhar para o movimento punk com distanciamento; é, sim, um inside job que já curtia isto, e que trouxe até si, uma abordagem mais científica.
No cardápio estará, por exemplo, Billy Bragg, um músico independente britânico, que começou numa banda punk, os Riff Raff, e posteriormente desenvolveu uma carreira a solo, nas áreas da folk. Ativista político, conhecido pelas suas posições anti establishment e canções de protesto, desenvolveu um interesse especial pela identidade britânica, numa nação que se tornou multicultural.
Depois há outro personagem, absolutamente lendário: Steve Ignorant. Ele foi o membro fundador dos anarco-punks, Crass, crítico do movimento punk em si e tem um percurso vincado nas práticas de resistência. Por alturas do lançamento do polêmico tema “Reality Asylum”, Steve arranjou problemas com a indústria fonográfica irlandesa, que considerou o tema blasfemo, e daí saiu a criação da sua própria editora, numa atitude muito conhecida como Do It Yourself (DIY).
Mas, se calhar, o incidente mais lendário foi quando, nos anos 80 e no auge da Guerra Fria, os Crass forjaram uma gravação, onde, alegadamente, aparecia Margaret Tatcher (primeira-ministra inglesa) e Ronald Regan (presidente dos EUA) a falarem das ilhas Malvinas – um território estratégico muito disputado, graças ao qual o Reino Unido travou um conflito armado durante três meses com a Argentina – assim como falavam em bombardear a Alemanha, então comunista.
Por brincadeira, enviaram as gravações para uns jornais belgas, e a coisa descontrolou-se, com a CIA a levar aquilo muito a sério, e quase que criou um incidente diplomático, com Inglaterra e os Estados Unidos a culparem a Rússia por orquestrarem aquela contra-informação. Steve Ignorant só soube do sucedido muitos anos mais tarde, e mostrou-se surpreendido, mas também apontou o grau de paranoia instalado na época. A sua experiência, não só na música mas também em práticas de resistência e inconformismo, faz dele um convidado que foge ao tradicional academismo e traz aqui a sua experiência de vida.
Também Don Lets, um carismático DJ da área do dub e reggae, mas que se integrou na estética punk e Do It Yourself (faça você mesmo), rapidamente se lançou no mundo cinematográfico, via documentários ou vídeos musicais. Como artista, viu os seus trabalhos reconhecidos tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido. Teve também um projeto musical chamado Big Audio Dynamite, juntamente com o guitarrista dos Clash, Mick Jones. Atualmente, Lets tem um programa na BBC 6 Music.
Para além destes nomes mais sonantes da cultura popular, marcarão também presença Paula Guerra, a fundadora de todo este movimento, e principal impulsionadora destas conferências, assim como outros reputados acadêmicos de todo o mundo, do Brasil à Austrália, de Inglaterra passando por França até aos Estados Unidos.
Novamente com o apoio da Preguiça Magazine, esta é uma conferência que convida à participação não só estudantes e professores como artistas e ativistas. Conferência que pretende, cada vez mais, quebrar barreiras entre a academia e a rua, entre estudiosos e simples melômanos.
Mais informações em: kismifconference.com
Fonte: http://preguicamagazine.com/2016/06/07/as-conferencias-do-punk-voltam-ao-porto/
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Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!