Somos o Coletivo Libertário Severas Flores
Somos um coletivo enquanto grupo de pessoas, não como massa uniforme, e sim como um conjunto heterogêneo, como multiplicidade de corpos, existências, sentires e lutas que se atrevem ao encontro; e somos coletivo na medida em que resistimos à linguagem patriarcal desde o exercício de denúncia da masculinização das línguas, desde o reconhecer-nos como palavras e espaços em disputa, construção e desconstrução.
Somos libertárias porque associamos o libertário com a tradição anarquista da eliminação de todas as formas de opressão; entendemos o libertário como a posição que luta pela liberdade de “ser” com outres, de existir em coletivo, de destruir todas as formas autoritárias em que se tenta encapsular o poder.
Somos severas flores porque nos reapropriamos de um escárnio, de uma piada, de um insulto, de uma violência naturalizada, dissimulada, que esconde um profundo sexismo para com corpos considerados masculinos ao propô-los débeis, femininos, errados, insuficientes. Somos flores, flores tão fortes como delicadas. Somos severas ao nos mantermos firmes, ao lançar raízes contra a exploração e resistir sendo nós mesmes. Entendemos a feminidade não como sinônimo de debilidade ou passividade, mas sim como uma de tantas cores que nos compõem e que a monocromia patriarcal quer negar. As flores crescem apesar de tudo, são o esforço constante de uma planta para fazer sementes, contêm seus órgãos sexuais e são parte do equilíbrio natural inter-espécie. Ao mesmo tempo, as flores transitam, são efêmeras; tão efêmeras como nossas vidas e burlam o dogma, a rigidez e o controle que se quer impor em nossas formas de vê-las, pois estão sujeitas à mudança, à mutação. As flores rompem o sistema de preconceitos, negando o binário e propondo o múltiplo, dado que muitas são hermafroditas, diversas, subversivas: Não só são “belas”, há flores horríveis e que cagam para os cânones de beleza racistas e ocidentais; nem todas cheiram “bem”, algumas exalam a rebeldia e sonhos de liberdade; nem todas são débeis, algumas matam, incomodam e irritam caso não sejam respeitadas.
Apesar de tudo isto quem nos vê se empenha em chamar-nos de homens, reafirmando a violência de um sistema que define nossas vidas a partir de nossos genitais. Mas nós reiteramos que não somos homens: somos flores; flores de muitos tamanhos, de muitas formas, de muitas cores. Também somos todas marikas. Entendemos o marika, não como uma orientação sexual, mas sim como uma aposta política que desafia a heterossexualidade obrigatória, essa ideologia que constrói uma única forma de sentir, expressar e viver o desejo controlando nossos corpos. E esta aposta, a marika, é uma aposta que vêm a partir do questionamento e da rebeldia contra o sistema sexo-gênero binário e as maneiras como o temos vivido em nossos espaços e contextos. Portanto somos parte, consequência e futuro de muitas lutas. Viemos dos índios sodomitas que arderam na fogueira como pecadores, dos pervertidos afeminados que assassinaram nas limpezas sociais, dos bichas criminosos que encarceraram nas prisões, dos enfermos mentais que lobotomizaram nos hospícios, os vulgares obscenos que censuraram nos meios de comunicação, as loucas de Stonewall ou de qualquer rua que a polícia tentou submeter, as plumas revoltosas que os machos rechaçaram, os degenerados mórbidos que foram marginalizados nas revoluções. Somos todas estas flores e mais.
E como flores, convidamos vocês a plantar juntas um jardim diferente; um jardim que cubra este e outros planetas; um jardim que desloque esse desolador panorama que vemos no estado atual desta realidade imposta, alienadora de desejos, violentadora de corpos, consumidora de afetos, precarizadora de bem-estar e de erotismo. Convidamos a todes que sejam flores conosco, que venham e reguem o que semeamos, que venham e compartilhem seus aromas, que venham e sugiram novas sementes, pois nós não temos todas as respostas, nem nos interessa tê-las. Venham e enfrentem junto a nós as múltiplas dimensões do sistema, para que semeemos outras alternativas. Nós já o estamos fazendo…
Diante da infecção hétero-patriarcal semeamos ervas rebeldes que curam as identidades hegemônicas, estáticas e violentas de homem e mulher.
Diante da radioatividade do capitalismo que intoxica relações, mentes, corpos, emoções e vidas semeamos a ternura dos povos, a autogestão das comunidades, a autonomia dos corpos e o compartir das resistências.
Diante do massacre especista semeamos respeito para com as formas de vida submissas ao consumo e a exploração humana.
Diante das cadeias do racismo colonialista semeamos campos de flores com múltiplas cores, línguas e cosmovisões.
Diante do grito atordoante do autoritarismo semeamos caminhos de consenso e horizontalidade.
Diante do fuzil militar semeamos proteção e cuidado de nós mesmes.
Nosso jardim se faz no presente, com trabalho constante aqui e agora.
As flores não só resistimos, não só lutamos: também dançamos e desfrutamos nossa rebeldia, caminhamos por espaços de criação de novas possibilidades. Acreditamos na construção da vida digna a partir dos afetos em nossas comunidades. Nos deixamos a partir de uma sexualidade com a qual rompemos as cadeias de submissão e domesticação e nos atrevemos a explorar prazeres novos. Criamos nossa liberdade a cada ato, cada abraço, cada beijo, cada palavra, cada emoção e pensamento compartilhado no cotidiano, pois estas também são sementes que germinam para que construamos um lugar onde possamos ser seres poderosos e soberanos. Queremos jardins de liberdade para todos os corpos e para este planeta em que sonhamos, rimos, dançamos, cantamos, lutamos, nos conhecemos a nós mesmas e às outras, aprendemos, crescemos, amamos e, mais que tudo, vivemos.
Venha semear rebeldias conosco…
Terra, Saúde e Anarquia.
Arriba las que luchan!
Tradução > PF
agência de notícias anarquistas-ana
aquecer as mãos
requentar as noites
esquecer os dias
Goulart Gomes
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!