[Breves palavras de homenagem ao anarquista Júlio Carrapato, escritas por Carlos Pimpão e proferidas no dia 24/06/2016, data do seu funeral, no cemitério “velho” da cidade de Faro, Algarve.]
Conheci o Júlio em pleno “Verão quente” de 1975 em Évora. Eu, jovem licenciado em engenharia agronômica com 26 anos, ao serviço do Centro Regional de Reforma Agrária de Évora, do Ministério da Agricultura, Florestas e Pecuária e ele professor na recém-criada Universidade de Évora, licenciado em Ciências Políticas e Sociologia, na Universidade de Paris, França, então com 28 anos. Desenvolveu-se uma empatia imediata entre ambos, pois tínhamos preocupações intelectuais e revolucionárias com o movimento social que se formou após o 25 de Abril de 1974. Essas preocupações, forjaram uma amizade que durou até aos dias de hoje.
O Dr. Júlio Filipe Neto de Almeida Carrapato, professor, escritor e autor, editor e livreiro morreu em 21/06/2016. O seu pensamento está presente e é partilhado por todos os que o conheceram. O seu ideal de uma sociedade livre, constituída por homens e mulheres também livres, é um legado para todos os que pensam, sentem e emocionam, que têm vontade e paixão, tudo propriedades da fisiologia humana, que só a VIDA possui, não se confundindo esta com a filosofia ou com a ciência. É esta ordem superior de organização social sem poder, que se chama Anarquia, o estádio histórico último do desenvolvimento social que se seguirá à Democracia classista tida pelos políticos como fim da História, [já deu o que tinha a dar que não é aperfeiçoável e ninguém quer a mítica e imutável “sociedade perfeita”, só a anarquia e um anarquismo prático, já que a perfeição não existe!], como dizia o Júlio Carrapato.
Lembro-me que nos anos 80/90, numa troca de opiniões, o espanhol Raphael Martinez no Centro de Cultura Libertária de Almada, me ter dito que o Júlio Carrapato era o “Bakunin do séc. XX”, tal foi o seu contributo para a teoria e prática anarquista contemporânea na Europa.
Separando o joio do trigo, não havendo lugar aos “neolibertários” que querem casar o Libertarismo com o Liberalismo, reclamando-se heterodoxos e flexíveis por oposição com os acratas autênticos, que são apodados por aqueles de “ortodoxos”, o que a fina flor da família democrática da heterodoxia quer, é liquidar, isolar e arrumar o anarquismo, que quanto ao Júlio, é uma heresia que a sociedade autoritária e capitalista mal suporta e tolera! Continua a ser “um cadáver recalcitrante” como diz Mercier Vega.
O Dr. Júlio Carrapato foi um teórico e prático da acracia, que na sua escrita abundante e nas relações interpessoais que manteve, foi exuberante de gentileza e finura de “cavalheiro” que mereceu o respeito de todos e pela parte que me cabe, só me resta elevá-lo a um expoente máximo do Anarquismo português, ibérico e francês, do séc. XX e XXI, nunca esquecendo a sua inteligência, coragem e cultura, que tanto me influenciaram para formar a concepção voluntarista de anarquismo.
− Só a VIDA pode criar VIDA! (Miguel Bakunin)
− O Mundo “comunista” não é comunista e o Mundo “livre” não é livre! (Maurice Briton)
− A liberdade só pode ser criada pela própria liberdade! (M. Bakunin)
− Caminhamos para a liberdade, com o método da revolução, e para a revolução, com o método da liberdade! (E. Malatesta)
Adeus, amigo e companheiro!
Carlos Pimpão
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