Estamos sofrendo diversos golpes na educação. Cortes e ajustes é regra e o sucateamento e esquecimento é uma consequência inevitável. O governo Dilma não garantiu direitos e nem recursos e muito menos o governo Temer irá garantir. Nenhum governo garantirá. Só a luta muda a vida. Cotidianamente estamos sendo golpeados/as, atacados/as pelo Estado.
A mercantilização da educação continua e o Plano Nacional de Educação deixa explícito isso, com diversas questões introduzidas pela lógica neoliberal. A recessão econômica atual atinge os mais pobres, enquanto os de cima continuam ganhando milhões. O argumento da recessão implementa cortes na educação dita pública, e paralelo a isso, as grandes empresas educacionais continuam recebendo altos investimentos, como no aumento de vagas pelo FIES feita pelo governo Temer, que também elitizou o acesso, aumentando a renda exigida para o ingresso.
No contexto atual presenciamos diversas greves no campo da educação: greves dos servidores técnicos-administrativos, greve dos/das docentes e estudantes das universidades Estaduais, greve dos/das professores/as, do ensino básico desde 25 de abril e dos/das estudantes secundaristas que ocupam de forma autogestionária suas escolas, tendo como uma das reivindicações a merenda escolar.
O governador do Ceará Camilo Santana, do PT, por conta da greve dos/as professores/as e das ocupações estudantis, anunciou o repasse imediato de R$ 32 milhões para reformar e “melhorar” as escolas estaduais e R$ 6,4 milhões de recurso adicional para a merenda escolar. Os valores são irrisórios quando distribuídos para todas as escolas do estado, ou se fizermos o cálculo por estudante. Atualmente só o Governo Federal financia a merenda através do Programa Nacional de Alimentação Escolar no Ensino Básico (PNAE).
O PNAE repassa um valor de R$ 0,30 por estudante, ou seja, em média R$ 0,30 é o preço de um ovo. O valor é repassado pelo Fundo Nacional da Educação (FNDE) para as escolas ditas públicas estaduais e municipais e não há reajuste desde 2009. A alimentação escolar no geral não atende o mínimo (20%) das necessidades nutricionais diárias da estudantada. Nossa educação está literalmente desabando. É alimentação, estrutura física, currículo e etc. Como se interessar por uma escola tão desinteressante? Por esse e outros motivos, o número de matrículas vem diminuindo a cada ano. Segundo o Senso Escolar de 2015, em Fortaleza, tivemos 15 mil matrículas a menos (rede municipal e estadual).
O que ocorreu com a EEF Santa Terezinha, no Parque Dois Irmãos em Fortaleza – em junho – foi um exemplo real de como se encontram as estruturas físicas da rede escolar, ou seja, frágeis, em escombros. As colunas estruturais do pátio do prédio não suportaram e cederam, ferindo cinco estudantes que foram conduzidos para o hospital. Estrutura frágil e nada atrativa, que mais parece um presídio, são assim nossas escolas.
O reajuste oferecido pelo Governo do Estado aos professores/as é miserável, não chegando a 5%, em um ano que a inflação passou de 10,67%. É um reajuste defasado, pois não é de hoje que os profissionais da educação não recebem um aumento real no seu salário. Hoje, são inúmeras escolas em Fortaleza que permanecem de forma integral em greve. A luta por valorização e outras pautas continua firme.
Ocupação auto-organizada dos estudantes
A primeira escola a ser ocupada depois da greve dos/as professores/as foi o Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Caic) Maria Alves Carioca (no Bom Jardim/Granja), no dia 28 de abril. Depois tivemos o Polivalente (da cidade de Juazeiro do Norte), João Mattos (Montese), Castelo Branco (Damas) e hoje contamos com quase 70 escolas ocupadas em Fortaleza e outras cidades, principalmente em Maracanaú, Crato, Juazeiro do Norte e a região de Russas.
Na verdade, antes da greve dos/as professores/as, no final de novembro de 2015, a Escola José Maria Campos Oliveira, conhecida também como UV8, no bairro Conj. Ceará, já tinha iniciado um processo de luta, quando a Secretaria de Educação do Estado quis fechá-la, alegando uma “otimização administrativa”, e por pressão da mobilização dos/as estudantes e professores/as (com intervenções e ato de rua) conseguiram reverter a decisão da SEDUC. Hoje a escola é uma das ocupadas no estado.
A auto-organização é viva nas escolas ocupadas pelos/as secundaristas, são eles/elas os/as protagonistas das ocupações. Os grêmios estudantis estão se reorganizando nesse processo de ocupações. As decisões são tomadas em assembleias estudantis de forma horizontal. Em paralelo às questões organizativas das ocupações a ação direta estudantil vem ganhando corpo. Algumas ocupações são construídas exclusivamente pelos/as estudantes secundaristas. Outras não permitem que nenhum componente do núcleo gestor entre na escola, pois como a ocupação é uma ferramenta política e se caracteriza por um espaço horizontal/anti-hierárquico, a presença de apêndices/reprodutores do sistema educacional hierárquico não faz sentido no referido ambiente escolar. É importante ressaltar que em algumas ocupações os/as professores/as constroem a ocupação com os/as estudantes, quer na doação e arrecadação constante de alimentos, quer na participação de atividades de greve, quer no auxílio com a segurança da ocupação mesmo.
Paródia dos alunos João Mattos
Governador nos não somos burros(2x)
Com $0:30 centavos não compramos suco
Cortam a merenda pra construir viaduto
A Seduc pensa que me engana (2x)
Diz que não tem verba, pensa que me engana
Corta a educação e a escola vai pra lama
O João Mattos já ta ocupado
O Caic já ta ocupado
O Castelo Branco já ta ocupado
E de pouco em pouco ocupamos o estado !
Ta traquilo ta ocupado
Algumas escolas tiraram essa determinação em suas respectivas assembleias estudantis, isso depois de grandes desgastes com a (in) gestão da escola. Lembramos que escolas como, Irapuan Cavalcante Pinheiro (num primeiro momento), Hilza Diogo de Oliveira e Mário Schenberg, que não permitem a entrada do núcleo gestor (Diretores e Coordenadores), se apresentam muito democráticas e bem abertas para o debate com suas respectivas comunidades.
No último dia 13 de junho, o CAIC Maria Alves (no Bom Jardim/Granja) foi desocupado. Mas os/as estudantes que estavam na ocupação atualmente apoiam outras ocupações. O que é estranho é a sequência de fatos que antecederam tal desocupação, como assaltos na escola/creche e uma bomba caseira que foi jogada no momento de uma Assembleia Estudantil. Além do assédio moral-institucional de diversos órgãos estatais, principalmente da polícia. O grande Bom Jardim é um alvo constante da violência institucional e do esquecimento do Estado. A inoperância do Estado é visível e sua dessegurança pública visa criminalizar os/as moradores/as do Bairro. Assédio que os estudantes da Escola João Mattos também sofreram por duas vezes. As forças repressoras foram na escola e praticaram violência institucional, intimidando os/as estudantes. Na escola João Mattos, os/as estudantes, se revezam em todas as comissões, numa tentativa de romper com a divisão do trabalho construída a partir do socialmente aceito para cada gênero numa sociedade patriarcal e violenta com as mulheres. A Ocupação JM foi a primeira a não aceitar entidades estudantis na escola, deixaram isso claro no texto: Porque não aceitamos entidades estudantis (texto encontrado na fanpage da Ocupação João Mattos). Colocaram não aceitar que nenhuma entidade fale por eles e elas, estudantes da escola, argumentando no texto que:
“[…] pensamos em coletivo abolirmos toda forma de representação que vem desde sempre conformando os estudantes com uma educação alienante e escravocrata, como por exemplo, as entidades estudantis.”
As escolas ocupadas, em sua grande maioria, se concentram na periferia, que tem uma renda média mensal baixa e um o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) muito baixo. População periférica de maioria negra e pobre que, por exemplo, pode apresentar um/uma morador/a com uma renda média mensal 14 vezes menor que um morador do Meireles, como é o caso do Conj. Palmeiras, bairro da Escola ocupada Aldaci Barbosa. IDH muito baixo e uma educação sem qualidade é a combinação perfeita para o opressor ter tudo ao seu favor, dominando assim, a maior parte da população. Outros bairros com uma renda média mensal baixa são o Bom Jardim (Ocupação Julia Alves Pessoa e Ocupação Santo Amaro), Pirambu (Ocupa Flávio Marcílio), Granja Portugal e etc, locais de lutas históricas.
O governo do Estado quer a desocupação e tenta através de uma mesa de negociação, da violência institucional da polícia e de algumas ações “paramilitares”, que buscam desestabilizar os/as estudantes. A mídia corporativa também cumpre seu papel, difundindo inúmeras mentiras nos veículos de comunicação de massa. A mesa de negociação, proposta pelo Ministério público do Ceará, visa pressionar a desocupação, mas os/as estudantes se mantém firmes, principalmente as ocupações de caráter independente.
Nós, da Organização Resistência Libertária, expressamos nosso total apoio às ocupações e a pedagogia da ação direta realizada na prática pelos/as estudantes. Nos somamos às ocupações a partir de nossas frentes de atuação, por isso nossa solidariedade é presencial. Estamos contribuindo para o processo de luta e resistência, respeitando o protagonismo dos/as estudantes secundaristas. Nossa militância: do magistério estadual, da Roda de Estudos Anarquista Negra Bonifácia e dos compas que atuam no movimento estudantil participam das ocupações com debates e arrecadação de mantimentos, apoiando os cadeiraços nas vias públicas, piquetes e todas as formas de pressão e ação direta.
A perspectiva de construção pela base, sem aceitar intermediação das burocracias, faz parte do processo de radicalização da democracia direta. As assembleias horizontais é um exemplo dessa radicalização, estimulando uma consciência revolucionária, forjando uma educação e cultura libertária.
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