A opinião dos marginalizados sobre a tese do “golpe” no Brasil

a-opiniao-dos-marginalizados-sobre-a-tese-do-gol-1

 

Associar o golpe militar, de um lado, e o atual processo de afastamento da presidente, do outro lado, dando aos dois momentos a mesma marca de “golpe contra a democracia”, é colocar no mesmo saco dois processos de naturezas diferentes – o primeiro, um golpe de força; o atual, um procedimento rigorosamente dentro da lei capitalista – e é defender assim a tese da esquerda institucional de que existe uma verdadeira democracia no Brasil contemporâneo e de que existem também partidos e políticos “democráticos&rdq uo;.

Eu compreendo porque esta opinião tenha conseguido enganar alguns libertários na Europa (e mesmo no Brasil): é a opinião mais difundida fora do Brasil pela esquerda institucional e suas grandes mídias.

Entretanto, esta não é a opinião de muitas organizações libertárias, autônomas e anticapitalistas radicais do Brasil.

Para dar alguns exemplos que sustentam esta opinião marginalizada, eu destaco, por exemplo, que existem professores universitários brasileiros da área da informática que não confiam no sistema de urnas eletrônica do Brasil; que o governo do Partido dos Trabalhadores – PT –, a partir de Lula, foi aliado de muitos dos grupos e políticos que sustentaram a ditadura militar no Brasil; que o PT adotou muitas das mesmas políticas econômicas e também “sociais” da ditadura militar e de governos neoliber ais precedentes – políticas de priorização do mercado capitalista e de inserção dos pobres no consumismo e na dependência às dívidas bancárias; que o PT reprimiu com muita ferocidade diversas greves de trabalhadores, protestos das classes populares e revoltas de índios e de agricultores pobres; que o PT fez diversas ocupações militares de muitas favelas e que os habitantes desses lugares têm sofrido violências cotidianas do Exército; que o PT impulsionou e comandou muitas perseguições policiais e judiciais contra organizações populares libertárias, autônomas e anticapitalistas radicais; etc…

Então, defender a tese de que há uma verdadeira democracia e também partidos e políticos “democráticos” no Brasil, é fazer o jogo de apagar a verdadeira marca autoritária e antipopular do sistema brasileiro e do governo do PT.

O que acontece neste momento no Brasil, é que a partir das grandes ondas de protestos populares radicais e autônomos de Junho de 2013, o papel de “pacificação” e de conciliação da luta de classes que o PT jogou para os grupos dominantes se esgotou e, a partir deste momento, o PT perdeu sua importância para as classes dominantes brasileiras, que decidiram lhe substituir para perpetuar as vãs esperanças do povo na “democracia” (lembro que as pesquisas de opinião pública demonstravam que os índices de confiança popular no governo Dilma eram pí ;fios, no final do ano passado).

É por isto que a tese do “golpe”, que implica que há democracia e também partidos e políticos democráticos no Brasil, esconde a realidade de que, de fato, seja no antigo regime militar, seja no Brasil contemporâneo; seja com os oficiais do Exército governando, seja com o governo do Partido dos Trabalhadores; os mesmos grandes grupos econômicos têm continuado a determinar as grandes decisões e direções da sociedade brasileira.

É lamentável que algumas comunicações tenham sido feitas através do meio libertário europeu – e brasileiro – defendendo a tese do “golpe contra a democracia”: eu penso que o objetivo dos anarquistas deveria ser o de denunciarem a verdadeira armadilha que os governos do PT têm representado para as organizações e lutas populares, bem como demonstrarem que a única esperança segura para estas organizações e lutas é a organização autônoma e anticapitalista.

Porém, como os difusores dos interesses de poder do PT têm mais condições financeiras para difundirem suas teses, eu compreendo porque a tese falaciosa do “golpe contra a democracia” tenha conseguido se estabelecer, mesmo entre os anarquistas.

Entretanto, a luta contra as ilusões criadas pelo sistema continua, na Europa e no Brasil.

À luta, camaradas!

Saúde e anarquia!

Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira

Militante Anarquista e Pós Doutorando em Sociologia pela Université Paris Descartes [França].

O texto em francês:

https://paris-luttes.info/l-avis-des-marginalises-sur-la-6446?lang=fr

Conteúdo relacionado:

https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2014/06/11/admiravel-gado-novo-ou/

agência de notícias anarquistas-ana

A lua passa pelos pinheiros
e o olhar de súbito detêm
uma outra imóvel lua.

Hokushi

3 responses to “A opinião dos marginalizados sobre a tese do “golpe” no Brasil”

  1. alguém

    Na verdade o problema é que nem as leis capitalistas ‘tão sendo respeitadas nesse imbróglio todo.

  2. Luiz Alberto Barreto Leite Sanz

    Postei um comentário longo e não apareceu. Por quê?

  3. Luiz Alberto Brettas

    “…que a partir das grandes ondas de protestos populares radicais e autônomos de Junho de 2013…”
    Tenho minhas dúvidas sobre se foram, realmente, “autônomos”…