Por Nathalia Benavides
Nem Angelina Jolie nem Penélope Cruz, ELA ERA ASIA RAMAZAM ANTAR, COMANDANTE DAS YPJ, as milícias de autodefesa curdo-sírias que estão combatendo não apenas contra o autoproclamado Estado Islâmico e contra os estados assassinos de Erdogan e Al-Assad, senão que fazem parte ao mesmo tempo de um processo revolucionário conduzido pelas mulheres.
Uma revolução em todos o aspectos da vida, não apenas na primeira linha de batalha.
Não são uma novidade as forçadas comparações físicas que a imprensa ocidental instalou desde que se conheceu a imagem desta combatente curda. Mas a indignação se renova cada vez que a partir da notícia de sua morte [em 30 de agosto], estas notas se replicam aos montes, inclusive por “simpatizantes” que mais além de suas boas intenções, não puderam compreender a profundidade desta disputa. Desrespeitosos, mas coerentes com o olhar patriarcal que tudo contamina e tudo apodrece, fazendo dos corpos uma ferramenta poderosa para esvaziar a razão de nossas lutas.
Asia Ramazan Antar era parte dessa revolução e continuará sendo, porque como dizem os curdos, “os mártires não morrem”.
Tomo as palavras de Dilard Dirik, ativista no Movimento de Mulheres do Curdistão, para falar dela e de tantas mulheres que DECIDIRAM lutar até morrer se necessário for, para alcançar a liberdade:
“Nossos pontos de vista filosóficos nos fizeram mulheres conscientes do fato de que só podemos viver resistindo. Nossa revolução vai muito além dessa guerra. Para ter êxito, é de vital importância saber para o que se luta”.
“A resistência das mulheres curdas opera sem hierarquia ou dominação e faz parte de algo maior: a transformação social e a liberação das Instituições poderosas do mundo que operam através da estrutura do Estado, o mesmo que finalmente tem o monopólio sobre a tomada de decisões, sobre a economia e sobre o uso da força. O mesmo que nos diz que a violência que hoje prevalece é a razão pela qual o Estado necessita proteger-nos contra nós mesmos. O mesmo que determina que as comunidades que decidem defender-se contra a injusti&c cedil;a, devem ser criminalizadas.”
Nos últimos dois anos, o mundo foi testemunho da resistência histórica da cidade curda chamada Kobane (em Rojava, Curdistão sírio) onde essas mulheres, de uma comunidade esquecida, se converteram nos inimigos mais ferozes do grupo autodenominado Estado Islâmico, cuja única ideologia está baseada na destruição de todas as culturas, comunidades, línguas e cores do Oriente Médio, alterando o convencional entendimento sobre o uso da força e a guerra.
Não foi porque os homens estavam protegendo as mulheres ou um estado protegendo a seus “sujeitos”, que Kobane se inscreverá na história da resistência da humanidade, senão porque homens e mulheres sorridentes converteram seus corpos e suas ideias na frente de batalha ideológica no qual o grupo Estado Islâmico e sua visão do mundo violador se derrubou.
E foi especialmente no Oriente Médio, onde já não é suficiente para as mulheres “condenar a violência” porque a violência se converteu em um fator tão constante em nossas vidas, ali onde nossa condição de “vitimas” percebida ou construída se utiliza como justificação pelos imperialistas para lançar guerras em nossas comunidades.
O ascenso do grupo Estado Islâmico mostrou os desastres que a plena dependência dos homens e dos exércitos dos estados trazem: nada mais que femicídios.
Frente a isto, necessita-se um mecanismo de autodefesa radical.
A conduta de guerra do movimento de liberação curdo se baseia no conceito de “legitima defesa” e inclui o estabelecimento de mecanismos sociais e políticos de base para proteger a sociedade mais além da simples defesa física.
…Isto só pode alcançar-se em uma sociedade que está politizada, conscientes de si mesma e ativa, enquanto que internaliza a ética do amor na comunidade – incluindo valores fundamentais como o compromisso com a liberação da mulher, no lugar de depender da lei imposta pelo Estado capitalista e seu aparato policial.
O que converteu ao Curdistão no lugar de peregrinação para as mulheres e os movimentos antisistemas de todo o mundo é esta postura ideológica que defende a vida, frente a um exército da morte.
As forças de defesa em Rojava dão mostra de como a autodefesa pode funcionar sem hierarquias, controle e dominação: em meio da guerra, as Unidades de Defesa Populares ou YPG e suas brigadas de mulheres, as YPJ, assim como as unidades de segurança interna, Asayish, se centram na educação ideológica baseada na igualdade de gênero.
As Academias educam aos combatente para que possam entender que eles não são uma força de vingança e que a mobilização atual é apenas uma necessidade devido à guerra.
As academias Asayish trabalham na construção de uma comunidade em que as Asayish não devem levar armas, apostando em mediar verbalmente nos conflitos nos bairros, com o objetivo último da abolição das forças de segurança curdas por completo, mediante a construção de uma “sociedade ético-política” que possa resolver seus próprios problemas. Rechaçam a etiqueta de polícia, porque ao invés de servir ao estado, servem às pessoas, e antes que nada, porque são pessoas.
…Para as mulheres, a defesa própria é mais que uma questão de vida ou morte.
Não é uma coincidência que os primeiros exércitos permanentes tinham surgido a partir do aumento da acumulação de riqueza, o qual também marcou a institucionalização do patriarcado e os predecessores do estado. O Estado-nação afirma insidiosamente sua existência mediante a elaboração das fronteiras entre as comunidades, a criação da paranoia e a xenofobia onde se há produzido os mosaicos de culturas durante séculos. Portanto, se estamos comprometidos com a defesa da sociedade, devemos abordar também filosoficamente todos os ataques contra a sociedade, já que os sistemas de dominação e hierarquia se estabelecem primeiramente em seus pensamentos.
Dualismos como homem-mulher, estado-sociedade, humano-natureza têm como objetivo representar as relações hierárquicas como naturais.
A defesa própria, acompanhada pelo pensamento revolucionário, tem o potencial de gerar uma mudança social radical. A Revolução de Rojava com seu modelo de “Confederalismo democrático”, segundo o proposto por Abdullah Öcalan, é um brilhante exemplo do poder do povo.
…A autodefesa deste modo não só deve lutar ‘contra’, mas também ‘para’ algo, sobretudo no Oriente Médio, onde todas as formas de violência se realizam em uma escala insuportável. Portanto, a autodefesa é a intenção radical ao dissociar o poder do sistema militarista patriarcal – e as mulheres devem ser a vanguarda militante de autodefesa no marco da auto-determinação – o que é mais belo ainda, simplesmente, de uma vida em liberdade.
Talvez alguém, depois de saber sobre isso, deixe de comparar vergonhosamente esta mulher com personagens inventados pela indústria de hollywood que nem em suas melhores ficções poderão nos convencer que se parecem.
Fonte: https://rojavaazadimadrid.wordpress.com/2016/09/11/ni-angelina-jolie-ni-penelope-cruz/
Tradução > KaliMar
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agência de notícias anarquistas-ana
Como as folhas
Se soltando das árvores
Pensamentos vão e vem.
Mariana Emily Kopsch – 15 anos
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!