Ramóm Acín (Huesca, 1888-1936) tinha um cachorro Tobi. Orgulhoso exemplo desses cães de raça difusa, mas inteligência vivaz, o bom Tobi ficava muito triste quando lhe colocavam a focinheira, tal como exigia a normativa municipal. Por isso, Acín decidiu pintar com uma brocha um simulado de correia e passear com ele, para despistar os guardas e felicidade da mascote. Anedotas como essa, relatada por Victor Juan aos visitantes do Museu Pedagógico de Aragón, retratam a este criador e professor [anarquista e militante da CNT], qualificado por alguns como “o Lorca Aragonês” que neste 2016 completam 80 anos do seu fuzilamento pelas for&cce dil;as fascistas. Exposições, homenagens e até uma história em quadrinhos lembram sua figura.
Aquele homem assassinado há oito décadas foi um ser poliédrico. Escreveu artigos e foi um notável humorista gráfico. Percorreu desde a periferia às vanguardas com uma considerável produção artística. Foi professor da Escola de Magistério de Huesca e deu aulas particulares de desenho em sua própria casa a crianças com poucos recursos; foi também um grande entusiasta da imprensa Freinet, com a que os escolares da época podiam realizar seus próprios livros. Em seu afã pedagógico, negou a transmutar-se em inventor e desenhou uma mesa cavalete declarada de utilidade para o ensino do desenho. Com o cidadão comprometido manteve posições inequivocadamente libertárias e pacifistas.
Pode-se definir Acín de muitas maneiras, mas para os que se aproximaram de sua figura, ficam com uma caraterística fundamental: era um “homem bom”. Sua forma de ser ficou refletida em anedotas como a relata mais acima, mas não é a única digna de menção. Antológica é a história de quando em 1932 ganhou El Gordo de Natal de Huesca. Muitos dos agraciados destinaram o prêmio a construir os chalés que ainda hoje se encontram na rua do Parque; o professor, em contrapartida, o investiu em financiar “Tierra sin pan”, o documentário de seu amigo Luís Buñel sobre Las Hurdes. Outra imagem icôn ica é sua jaula com um passarinho de papel dentro: decidiu soltar o pássaro e substitui-lo por uma figura de papel por coerência com sua paixão pela liberdade.
Suas ideias e suas formas de entender a vida lhe colocaram como centro de atenção das autoridades. Esteve várias vezes na prisão, e sua implicação na Sublevação de Jaca em dezembro de 1930 lhe obrigou a exilar-se em Paris. Mesmo após a proclamação da II República pisou novamente o presídio por sua solidariedade com as greves obreiras. Durante aquela reclusão escreveu umas simples, mas emotivas linhas a suas filhas Sol e Katia: “…nós que estamos aqui presos fomos traídos porque queremos que os filhos e seus pais e todos vivam felizes e melhor e todos passem o verão em lugares bonitos que ho je apenas podem ver os que tem perricas e isso não pode ser e muitos protestamos e mataram Galán”.
“A arte contra a violência”: pai e filha dividem sala
Esta carta a suas filhas faz parte, entre outras peças, da exposição “A arte contra a violência” inaugurada em 6 de agosto passado, no Museu Pablo Serrano de Zaragoza, coincidindo com o 80º aniversário de fuzilamento de Acín e que poderá ser vista até 20 de novembro. A mostra reúne pela primeira vez na capital aragonesa a obra gráfica e pictórica de Ramóm e Kátia Acín, pai e filha, e é um recorrido desde a “noite negra” que representaram os tempos tenebrosos que ambos viveram a “la luz” com a que Ramóm quis iluminar o caminho a uma sociedade melhor.
A parte dedicada a obra de Katia Acín (1923-2004) tem o título “Estética de la víticma” e expõe a arte gráfica com a qual a primogênita do matrimônio Acín-Monrás plasmó o horror ao que teve que enfrentar mal completados os 13 anos. Primeiro fuzilaram seu pai, e logo depois sua mãe, Conchita Monrás (cúmplice de seu esposo até o final: implorou aos captores de Ramón que dessem a ela o mesmo destino que a seu amado), Katia foi despojada de seu nome e obrigada a responder por Ana Maria. Após exercer toda sua vida como professora, se aposentou em fins dos anos 80 e se matriculou em Belas Arte s, empreendendo já em idade madura uma fecunda carreira artística. Sua história, contada por ela mesma com muito humor, está em vídeo realizado por Emílio Casanova.
Pintor de focinheiras e bigodes
A exposição de Pablo Serrano não é a única dedicada a Acín neste aniversário. O Museu de Huesca mostra até novembro de 2017, “Sobre el papel: retratos en torno a Ramón Acín”, uma coleção de esculturas, relevos e obra gráfica e pictórica que recria o ecossistema familiar, afetivo e social do artista.
Acín era um grande cultivador da amizade. Ainda que andasse com Lorca, Buñel, Indalecio Prieto e outros destacados personagens da época, sempre presumiu que seu melhor amigo era Juan Arnalda, um sapateiro de Huesca.
Com Arnalda se escondeu em julho de 1936 em sua casa da rua Cortes, em um buraco detrás de um armário. Cansado de ver como os falangistas maltratavam a sua mulher em busca de informação sobre seu paradeiro, Acín resolveu se entregar. Mas, como fez anos antes com o focinho do cachorro Tobi, desenhou em Arnalda um bigode para que pudesse
escapar camuflado na noite.
Arnalda morreu na França em 1977; Acín, nos muros do cementério de Huesca em agosto de 1936. Nesse mesmo lugar, em 23 de agosto passado, dia em que foi fuzilada Conchita Monrás junto a outras 94 pessoas se inaugurou um monumento em memória dos assassinados pelo fascismo na capital oscense.
As últimas horas de Ramón Acín, em quadrinhos
Após facilitar a fuga de Juan Arnalda Acín esperou se detido detrás do claustrofóbico buraco do armário em sua casa da rua Cortes de Huesca. Juan Pérez roteirista, e Daniel Viñuales, desenhista, imaginaram como foram aquelas horas largas em “La bondad y la ira”, uma história em quadrinhos publicada por GP Ediciones. “Não queríamos mostrar o que era, mas sim como era. Com este ponto de partida, o argumento saiu só: todas suas facetas tinham origem e se podiam explicar por sua forma de ser”, conta Pérez. O quadrinho, traçado em um expressivo preto e branco a lápis recria a interven ção “crucial” de Acín na Sublevação de Jaca e recorre também anedotas menos conhecidas, como sua propensão pela prática do naturismo. “Huesca teve uma relação de amor e ódio com Acín: foi muito querido, porque tinha muitos amigos, mas talvez não foi entendido”, reflexiona o roteirista.
Fonte: http://www.eldiario.es/aragon/cultura/Ramon-Acin-financiarle-Tierra-Bunuel_0_551895068.html
Tradução > KaliMar
agência de notícias anarquistas-ana
Solzinho da manhã
O louva-a-deus no galho
Bem agarradinho.
Murilo Henrique Rosa da Luz – 10 anos
É importante lembrar Acín, cujas constribuições à Revolução Social e à Cultura Ibérica são pouco conhecidas.