Por Eliana Gilet
Houve várias convocatórias para despistar a polícia. Mover-se em grupos menores, que se reuniram em um momento para marchar. Um grupo de umas trintas silhuetas vestidas de negro e a cara tapada fez o trajeto da marcha oficial. Ao chegar ao Zócalo, o Comitê 68 oferece seu discurso desde um cenário montado para a ocasião. Estão os rastros da noite de Roger Waters [em 01 de outubro fez um show gratuito para 200 mil pessoas na Plaza de la Constitución] e a estação de metrô continua fechada. Dezenas de pe cuaristas esperam nas ruas laterais e nas proximidades do metrô Alende. Também estão em outros metrôs da região, onde se reuniu várias pessoas.
Na explanada de pedra o sol castiga com força contra os normalistas [estudantes] parados em fila, um tanto desanimados com a “sonolência” do domingo. Os anarquistas estão decidindo o que fazer até que finalmente se separam. Uma parte fica, porque já não quer se reunir com o resto do bloco negro, e outros saem em busca dos demais. Três vão conosco que antes de sair do meio das pessoas se descobrem as caras jovens. Têm 21, 20 e 17 anos. São estudantes, conversam. O primeiro explica que para ele a chave do anarkopunk é que consegue levar a anarquia ao bairro, algo que às vezes os anarquistas mais intelectuais não conseguem. Diz que faz pouco tempo que trabalha com o bloco, mas que sente que abriram as portas. São todos tão jovens como vocês? “Não, há muitas pessoas de variadas idades e de muitos lugares”. E como decidem de que marchas participam? “Não somos reformistas, não vamos a mobilizações que planejam esse tipo de questões ao Estado. Mas nos somamos a uma luta se sofre repressão, se tem presos ou mortos”. A entrevista é rápida enquanto se checam os trajetos. Da via Brasil a Cuba. Na praça de Santo Domingo giramos até o Eixo Central e os encontramos.
Vem cantando. “Negras tormentas agitam o ar / Nuvens escuras nos impedem ver / Ainda que espere a dor e a morte / Contra o inimigo nos chama o dever”. À frente uma só bandeira. Caseira com o A dentro do círculo pintado em branco sobre fundo negro. O segundo grupo de anarquistas vêm marchando sobre o trilho do metrobus pelo Eixo Central até nós. Nos somamos ao contingente. Uma fila de policiais de trânsito levam uma marca pessoal que faria inveja a muitos times de futebol. Não vão sobre a rua senão entre os manifestantes e os comércios. Não cuidam deles, cuidam de mant&ecir c;-los separados das veredas e das pessoas. Os acompanham. “Malditos porcos, vem conosco desde que saímos!”, se queixa um dos manifestantes para que o escutem. O clima é tenso enquanto o contingente, que terá umas trinta pessoas, avança pelo centro da cidade. Ao girar em Juárez, a presença policial se intensifica e aparece os granadeiros [tropa de choque]. O bloco negro libera a tensão correndo e avançado fazendo correr aos policiais que não desgrudam deles.
Na corrida entre os carros que circulam por ali, o chefe de operações do corpo de granadeiros Álvaro Sánchez, o policial a cargo do operativo, alcança a um dos manifestantes ao mesmo tempo que o perturba e o joga contra um carro. Os trânsitos vêm correndo em fila detrás e também se caem. Chegam outros anarquistas e se arma uma “enxame” de barulho. Na multidão, dois grupos de policiais descarregam socos sobre um dos jovens que conseguem apreender até que o soltam. Não vai ter nenhuma pessoa detida nessa marcha. Mas para eles, os presos, é para quem dirigem as palavra s e as canções dos marchantes. Para Ayotzinapa. Contra os policiais que cada vez são mais.
Na altura do Hemiciclo, aparece de frente o terceiro grupo do bloco negro, que vem marchando desde o Antimonumento aos 43 de Ayotzinapa, em Reforma e Juárez. Quando os contingentes se reuniram o cerco policial havia completado ao seu redor. Centenas de policiais se fecharam ao redor dos manifestantes. Uma fila de granadeiros se coloca atrás dos manifestantes para que não possam avançar até o Zócalo. A sensação é asfixiante e a presença policial atua como ameaça. Alguns tentam romper o cerco e se produz um segundo momento de tensão. Integrantes da Brigada Humanitária de Paz Ma rabunta que vinha com o grupo do Antimonumento, intercede com a polícia. Nem todos gostam dessa ideia e os deixam saber. “Não vamos negociar nada, vamos ir por Reforma”, grita um dos manifestantes. “Pois, não vai passar”, lhe responde Sánchez, o policial que não negocia. Um dos Marabunta indica que abram Balderas (estação de metrô na cidade do México). Os policiais escoltam a marcha pelo trilho do metrobus, diante do olhar das pessoas que estão na parada.
É sempre assim? Sempre os escoltam? “Sempre”. Umas das manifestantes, Yaz, explica que o bloco negro se consolidou no México uns anos depois da aparição do movimento Black Block em Seattle [nos EUA], em 1999, nas marchas antiglobalização. O movimento, que na verdade é uma tática, se dirige a atacar certos símbolos do capital financeiro e transnacional e sustenta que isso não é necessariamente exercer a violência, já que a violência se exerce unicamente contra as pessoas. Não contra as coisas.
Para ela, que menciona a Biblioteca Social Regeneração como um espaço ácrata que sobreviveu na cidade um bom tempo – e que tem amplo arquivo sobre o anarquismo fundado a partir da doação recebida de um anarquista espanhol vindo a estas terras, Ricardo Mestre Ventura – o movimento agora é mais amplo. Já não tem apenas anarkopunks, senão muitos tipos de anarquistas.
Isso vai a chegar a Tlatelolco. A marcha é recebida por um microfone em que um orador encapuzado dá boa vinda de parte da Coordenadoria Combativa Dois de Outubro. Menciona a Ayotzinapa e os 49 estudantes das Normais de Michoacán, que estiveram quase quatro dias presos nesta semana e aos oito que seguem em Mil Cumbres (situada no município de Hidalgo no Estado de Michoacán), a prisão de segurança máxima desse estado. “Nós não marchamos negociando trajetos nem negociando com a polícia. Não comungamos com o Comitê 68, nem com o Movimento dos Trabalhadores Socialistas (MTS), nem com os cubículos de filosofia nem com a faculdade de contabilidade. Nossa forma sempre foi sincera, sempre tem sido honesta”.
Quatro dias antes da marcha, Luís Fernando Sotelo foi sentenciado a 33 anos e 5 meses pelo delito de ataques a paz pública, ataques a vias de comunicação e danos. Ele e outros dois presos anarquistas – Luís Fernando Bárcenas e Abraham Cortês – iniciaram uma greve de fome indefinida em rechaço a condenação, que apontam ser excessiva e ao processo arranjado que mantém a todos na prisão.
“Lançaram a greve em 28 de setembro em solidariedade com a greve de presos nos Estados Unidos e com as revoltas de Charlotte. E porque é um momento de reapropriar-se de suas vidas. Há um médico solidário que os visita, perderam um pouco de peso, mas pouco. Bárcenas é o que tem uma situação mais difícil porque há alguns meses manteve uma greve de fome de 60 dias”, explicou um dos presentes.
O quarto que se juntou à medida é Miguel Peralta. Seu irmão e sua companheira leram uma carta que ele enviou. Explicaram que Miguel está preso na penitenciária de Cuicatlán, em Oaxaca, com outras duas pessoas acusadas em sua mesma causa. No total, há 34 pessoas acusadas do mesmo assassinato, das quais 12 estão presas.
Fala sua companheira: “Miguel é originário de Eloxochitlán de Flores Magón, uma comunidade na serra mazateca que se rege por usos e costumes mas que desde um bom tempo sofre o assédio dos partidos políticos para reinstalar o sistema eleitoral e consolidar a exploração de seus recursos naturais. Miguel estudava no DF (Cidade do México), onde se definiu libertário, participava da assembleia comunitário do povoado. Em 15 de dezembro de 2015 houve um enfrentamento entre os partidários e a assembleia e eles detiveram um cara armado do outro bando. O entregaram a polícia muni cipal e ele apareceu morto. Por isso acusam de homicídio qualificado aos 34 da assembleia”.
Seu irmão explica que o julgamento está parado porque os que o estão acusando não se apresentam às audiências, por isso não avançam a desenrolar as provas que poderiam liberá-los. Ele também é mazateco. Eloxochitlán é o povoado em que nasceu Ricardo Flores Magón, um dos principais anarquistas do México.
Em Tlatelolco continua castigando o sol às cinco da tarde. O ambiente é distendido tanto que as pessoas mal notam a mudança da bandeira no mastro, que deixa de ser tricolor para converter-se em vermelha e negra. Ali onde outros foram abatidos em 1968 vítimas da repressão e das balas, os anarquistas lograram por fim se liberar da polícia que os seguiram todo o caminho e fazer seu ato em paz.
Fonte, mais fotos: http://www.vice.com/es_mx/read/dos-de-octubre-con-el-bloque-negro
Tradução > KaliMar
* Em 2 de outubro de 1968, apenas dez dias antes da abertura dos Jogos Olímpicos do México, o exército mexicano abriu fogo contra uma multidão de estudantes reunidos numa manifestação no centro da capital, em um local chamado Tlatelolco. Até hoje, o verdadeiro número de mortos permanece incerto: algumas fontes apontam para mais de mil mortos, mas a maioria delas aponta para um número entre 200 e 300 mortos enquanto que fontes governamentais referem 40 mortos e 20 feridos. Um grande número de pessoas ficou ferido e foram feitas milhares de detenções. O episódio ficou conhecido como Massacre de Tlatelolco.
agência de notícias anarquistas-ana
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Alvorada morna…
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