Para todos que tem acompanhado o problema do fascismo ardiloso e crescente nos EUA e na Europa, o “Nacional-Anarquismo¹” se tornou uma ferramenta de infiltração para a extrema-direita penetrar em movimentos anarquistas de extrema-esquerda. O “Nacional-Anarquismo”, um termo cunhado pelo ativista nacionalista Troy Southgate, vê uma forma de “anarquismo” onde comunidades autônomas são criadas com base em questões como raça, ideologia ou orientação sexual. De modo geral, eles misturam um profundo ecologismo e algumas políticas pós-esquerda e antiestatais com visões sociais ultraconservadoras, separatismo racial e um violento antisemitismo. Eles tentam se apropriar de símbolos anarquistas, estilos de organização e estruturas sociais, e muitas vezes você vai vê-los tentando se juntar ao bloco negro (black bloc) em protestos. Houve incidentes ao longo dos anos nos Estados Unidos com organizações “Nacional-Anarquistas” tentando ganhar entrada em projetos anarquistas. A “Aliança Tribal Nacional Anarquista” (NATA) de Nova York fez uma confusão após ser expulsa da Feira do Livro Anarquista em Nova York, bem como a agora extinta “Bay Area Nacional Anarquista” (BANA) foi expulsa de eventos em San Francisco e atacada em ações. A BANA tentou fazer sua imagem a o protestar contra o filme “Machete”, dizendo que era antibranco, bem como protestando contra a imigração e fazendo palestras sobre a importância da “tribo”. Vários “Nacional-Anarquistas” se juntaram a coisas como a “Rede Tradicionalista de Jovens” e o “Partido dos Trabalhadores Tradicionalista” na Califórnia, juntamente com racistas cristãos clássicos, como Matthew Heimbach e Matt Parrot, para desenvolver um movimento anti-imigrante violento.
Grande parte do arcabouço retórico do “Nacional-Anarquismo” nos EUA vem de “Atacar o Sistema” (Attack the System), um site que cobrimos extensivamente no passado. O site, liderado pelo ex-anarquista Keith Preston, defende o que chama de “Pan-Secessão”, uma ideia que grupos ideológicos diferentes devem revoltar-se contra o “Império” e meio que seguir seu próprio caminho. Sua concepção do anarquismo é “esquerda, direita e centro”, no qual eles acreditam que tudo o que as pessoas chamam de anarquismo deve ser uma parte do amplo projeto anarquista. Eles costumam trabalhar com “anarcocapitalistas” e tipos libertárianistas², bem como muitas das mais recentes variantes de extrema-direita como “Anarquistas Tribais”, “Anarcomonarquistas”, “Agoristas” e “Nacionais Anarquistas”.
Keith Preston fez o seu caminho em torno do movimento anarquista, tendo saído da “Trabalhadores Industriais do Mundo” (Industrial Workers of the World-IWW) e da “Aliança de Solidariedade dos Trabalhadores” (Workers Solidarity Alliance) no passado (os quais abominam suas visões e comportamento recentes). Ele tenta insistir que ele é, na verdade, ainda um anarquista, mas passa a maior parte de seu tempo falando em conferências nacionalistas brancas e apoiando movimentos nacionalistas.
Aqueles que continuam a ler muitos livros considerados clássicos anarquistas podem ter encontrado um volume que levantou algumas preocupações. Ao olhar para o pequeno repertório de livros estranhos de Keith Preston, um se destaca: “Anarquismo e Outros Ensaios” (Anarchism and Other Essays), de Emma Goldman. O livro, que possui ensaios de Goldman que são do domínio público, tem uma introdução por Keith Preston. Isto, por sua vez, é problemático, e quando vê-se que a editora é a “Black House Publishing Ltd”, isso só se torna mais evidente.
“Black House Publishing” é uma das editoras neofascistas mais prolíferas que saem da Europa, e ainda tenta dizer que realmente só publica livros sobre política. Seus principais tópicos são “Anarquismo”, “Capitalismo”, “Socialismo”, “Nacional-socialismo” e “Fascismo”, cujo objetivo é dar a noção de que é apartidário e que simplesmente examina o espectro esquerda-direita. Quando você navega através de seus títulos, a realidade da sua perspectiva se mostra bem diferente.
Na primeira página, além do mais recente livro de Preston, existem dois volumes sobre o fundador da “União Britânica de Fascistas” (British Union of Fascists) no período entre-guerras inglês, Oswald Mosley, em sua autobiografia (que, ironicamente, tem o mesmo nome que a biografia de Leon Trotsky), bem como uma história “autorizada” de Mosley e a União Britânica. Há dois livros sobre judeus, que afirma ser simplesmente sobre “o Sionismo, o Islã e o Ocidente” escrito pelo controverso autor de extrema-direita Kerry Bolton, bem como um livro sobre “banco central”, que ressuscita as teorias da conspiração antisemitas.
Seus livros sobre fascismo e nacional-socialismo são extensos, republicando livros nazistas de domínio público, como o “Programa do NSDAP” (The Programme of the NSDAP) e “Falsos Deuses: As Memórias de Jerusalém” (False Gods: The Jerusalem Memoirs) por Adolf Eichmann. Para aqueles que possam sugerir que esta é apenas uma tentativa de uma editora de publicar obras históricas para o lucro, seus livros incluem uma faixa de manuscritos que contradizem isso com quase uma dúzia de livros publicados por Mosley e toda uma biblioteca dos mais recentes livros de autores reacionários.
Os livros sobre anarquismo que detém mostram uma outra dificuldade, uma vez que eles tem o livro singular “Ataque o Sistema” (Attack the System) de Preston, o livro de Goldman com a introdução de Preston, bem como “Memórias da Prisão por um Anarquista” (Prison Memoirs of an Anarchist) de Alexander Berkman e “A Conquista do Pão” (The Conquest of Bread ) de Peter Kropotkin. Todos esses livros também estão publicados pela “Black House”, onde tomam os textos de domínio público e publicam-os para um público “nacional-anarquista”. Isso pode parecer uma contradição gritante para aqueles que conhecem a oposição histórica ao fascismo que os anarquistas tiveram, mas no mundo do “Terceiro Posicionismo”³ (Third Positionist) neofascista, eles vivem nessas contradições.
Estes livros clássicos são muitas vezes utilizados pelos “nacional-anarquistas” para endossar seu fascismo de base ampla, uma vez que podem pegar passagens vagas e usá-las citando-as para justificar os pontos mais simplistas de seu programa “antiautoritário”. Que Goldman, Berkman e Kropotkin nunca iriam aliar-se com capitalistas, nacionalistas ou movimentos relacionados é um fato que se perde nesse farrapo que é seu movimento, uma realidade que eles esperam obscurecer através da publicação de seus livros.
Esta não é a primeira vez que as organizações fascistas tentaram se apropriar do pensamento anarquista, mas este é um ponto de lucro em curso para a editora “Black House” e pode realmente confundir os anarquistas que estão tentando encontrar volumes acessíveis desses textos clássicos. Agora eles estão vendendo cada um destes livros por um pouco mais do que você vai pagar de outras editoras (incluindo a “AK Press”) quando você os encontra na “Amazon”, mas eles são mai s baratos no site da “Black House”. A “Conquista do Pão” e “Memórias da Prisão por um Anarquista” foram lançados este mês, que é parte do motivo pelo qual eles passaram por fora do radar, mas “Anarquismo e Outros Ensaios” foi lançado em Dezembro de 2012.
É difícil enfrentar essa apropriação indevida, uma vez que estes textos são do domínio público e isso é algo que queremos que continue, uma vez que permite a republicação aberta desses livros e nós não queremos incentivar a propriedade intelectual rigorosa. Em vez disso, apresenta-se um desafio para saber como minar a distribuição destes livros, que são problemáticos para a política anarquista coerente e fornece um ponto de entrada para ideias de extrema-direita.
Primeiro, isso pode significar confronto com comerciantes, certificando-se de contestar a colocação desses livros e de todas as obras publicadas pela “Black House” nas prateleiras. Estas são particularmente perniciosas, e, portanto, pode ser utilizado o argumento de que eles estão enganando os leitores do livro em questão. A “Amazon” nunca foi a mais responsiva à pressão da opinião pública, mas eles tiraram todas as mercadorias da “Bandeira Confederada” (Confederate Flag) durante a recente controvérsia, então isso poderia ajudar. O envio de e-mails para as pessoas no atendimento ao cliente é bom, mas ele precisa de uma campanha coordenada em larga escala para ser eficaz. Também será útil indicar em opiniões e comentários sobre os produtos exatamente o que é o livro, pois, como você vai notar, nessas grandes situações de varejo, a maioria dos compradores não tem nenhuma ideia do que exatamente está comprando.
A forma mais eficaz para enfrentar este tipo de infiltração é criar um núcleo antifascista muito visceral para projetos organizativos anarquistas, educando e agitando em torno de questões como o racismo e o nacionalismo, e continuar a enfrentar e não permitir a entrada da extrema-direita. Estes livros são um exemplo claro disso, mas podemos continuar a fechar as portas para eles, dando a nossos movimentos uma fundação na luta antifascista.
Tradução > AnarcaFem
Notas da tradução:
[1] Termos como nacional-anarquismo, anarcomonarquismo, anarcocapitalismo e similares foram postos entre aspas na tradução, uma vez que tais coisas não existem e são uma afronta a todos os anarquistas que dedicaram e deram suas vidas pela libertação dos oprimidos perante estes Sistemas.
[2] Vem de Libertarianismo, tendência neoliberal que nada tem a ver com a lógica libertária. Nos EUA, tem sua materialização no “Partido Libertário”, que concorre às eleições defendendo o livre mercado e o Estado mínimo.
[3] Refere-se a uma tendência que também vemos por aqui no Brasil, com fascistas não se dizendo nem de direita e nem de esquerda apelando ao populismo, mas que continuam defendendo um projeto de direita. Mesma tendência e discurso que o nazismo se utilizou para chegar ao poder.
agência de notícias anarquistas-ana
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