Por Enrique Guerrero-López
Temos uma desafortunada tendência para ver os países pelo prisma dos seus governantes, invariavelmente minimizando as diversas contribuições dxs de “baixo”. Em Miami, as pessoas dançam nas ruas, celebrando a morte de Fidel, enquanto muitos segmentos da esquerda estadunidense limpam a garganta para gritar “que viva Fidel!”
Esta caricatura a dois tons tem impedido a nossa capacidade para lidar com as belas, trágicas e desafiadoras contradições da história e a situação atual de Cuba, sem mencionar o legado de Fidel. Embora Fidel ocupe um lugar importante na história de Cuba, Cuba não é Fidel e a Revolução cubana não pode nem deve ser reduzida a um só homem ou a um só movimento.
Aos meus companheirxs da esquerda, que com razão denunciam a falta de militância no movimento operário estadunidense, deveríamos celebrar um regime que sistematicamente destripou a atividade laboral independente na ilha, proibindo as greves, perseguindo os militantes sindicais e convertendo os sindicatos em uma agência passiva do Estado?
Aos meus companheirxs da esquerda, que com razão denunciam o racismo e a supremacia branca nos Estados Unidos, devemos celebrar um regime que declarou o “fim” do racismo na ilha depois da revolução, convertendo-o em um tema tabu para o debate público durante décadas, um regime que impediu os afro-cubanos de se organizarem independentemente, tanto política como religiosamente, ao mesmo tempo que fomentava uma ideologia anti-negro?
Aos meus companheirxs da esquerda, que lutam legitimamente pela libertação queer, devemos celebrar um regime que reuniu as pessoas queer e as pôs em campos de concentração?
Aos meus companheirxs da esquerda, que legitimamente lutam pela libertação dos presos políticos nos Estados Unidos, devemos celebrar um regime que encarcerou ativistas políticos à esquerda de Castro?
Aos meus companheirxs da esquerda, que com razão lutam por uma educação universal gratuita nos Estados Unidos, devemos celebrar um regime educativo que privilegia quem tem mais recursos para replicar os desequilíbrios de poder existentes, um sistema que inclui apologistas estatais como o afro-cubano Esteban Morales, que diz “Educa os cubanos a serem brancos”?
Aos meus companheirxs da esquerda, que legitimamente lutam por um mundo mais além do capitalismo, devemos celebrar ou defender um regime que passou de uma ditadura unilateral de estilo soviético para uma forma sino-vietnamita de capitalismo de Estado?
Aos cubanxs que dançam nas ruas de Miami:
Xs cubanxs de direita em Miami lamentam a ditadura na ilha enquanto abraçam a ditadura dos dois partidos do capital neste país.
Xs cubanxs de direita em Miami denunciam a falta de “liberdades civis” na ilha, exigindo a libertação dos presos políticos enquanto a polícia mata xs negrxs impunemente nos Estados Unidos e Mumia e outros presos políticos seguem presos no sistema carcerário mais povoado do mundo.
Xs cubanxs de direita de Miami se queixam da falta de “liberdade de expressão” em Cuba, enquanto que os manifestantes nos Estados Unidos estão confinados a “zonas de liberdade de expressão”, os indígenas, protetores da água, estão sendo violentamente reprimidos pela polícia e a nossa infraestrutura de comunicações se concentra cada vez mais em menos mãos corporativas do que em qualquer momento da história deste país.
Xs cubanxs de direita criticam a falta de “oportunidade” em Cuba, enquanto que nos Estados Unidos a mobilidade social está em grave declive, já que 10% dxs capitalistas mais ricos dos Estados Unidos possui 75% de toda riqueza.
Xs cubanxs de direita denunciam a violência do regime castrista a partir da posição privilegiada do maior império da história mundial, em defesa do Estado estadunidense, que segundo Martin Luther King Jr. era (e continua sendo) o “maior provedor da violência no mundo”.
Há muito que celebrar no que diz respeito a Cuba e sua história – desde Aponte e da salsa ao beisebol e a Las Krudas – mas Fidel, na minha perspectiva, deve ser compreendido, não celebrado.
Fonte (texto em inglês e castelhano): http://www.blackrosefed.org/companerxs-left-reaction-death-fidel/
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!