Por Capi Vidal
A revolução cubana, tal como ocorreu com a chamada “bolivariana” mais recente, produziu paixões e rechaços em vários lugares, muitas vezes sem possibilidade de matizar entre os dois extremos. A realidade é que o comunismo originado em Marx viu o fracasso repetidas vezes, tanto sua teoria supostamente científica, como suas experiências políticas; falamos de fracasso em termos autenticamente revolucionários e socialistas, é claro.
Apesar desta práxis falida, com uma negação da liberdade em todos os âmbitos da vida, e com uma política econômica questionável (que, em qualquer caso, nunca foi autogestão por parte dos trabalhadores nem pareceu ter caminhado nessa direção) certa esquerda encontrava novos referentes uma e outra vez nestas experiências de Estado. Vejamos como foi visto pelo movimento anarquista, partidário do socialismo autogestionário, este mais de meio século de “revolução cubana&rd quo;. Na luta contra Batista, como é lógico, os anarquistas tiveram um papel ativo. Logo, com a chegada de Fidel Castro ao poder, encontraram uma repressão em suas linhas políticas; em suas publicações, advertiram sobre o autoritarismo, o centralismo estatal e a hegemonia do Partido Comunista e reclamaram democracia nos sindicatos. Os anarquistas, como deveriam fazer os marxistas, apostavam pela autogestão e pela emancipação dos trabalhadores. Não obstante, a via do Estado cubano derivou, com sua falta de liberdade e de iniciativa própria, no autoritarismo e na dependência do modelo soviético.
Estando conscientes deste desastre, em 1960 os anarquistas fizeram uma declaração de Princípios mediante a Agrupação Sindicalista Libertária, nela se atacava o Estado, o centralismo agrário proposto pela reforma do governo, assim como o nacionalismo, o militarismo e o imperialismo. Os libertários se mantiveram fieis à sua concepção da liberdade individual, com base para a coletiva, do federalismo e a uma educação livre. As habituais acusações, que chegam até nossos dias, de estar a mando dos Estados Unidos ou outros elementos reacionários nã o tardariam em chegar. Depois daquilo, a repressão castrista fez que o anarcossindicalismo não tivesse lugar ao erradicar-se a liberdade de imprensa e proibir-se a propaganda ideológica. Se iniciou o êxodo anarquista nos anos 60, ficando poucos militantes em Cuba e sofrendo sob um miserável despotismo.
Naqueles primeiros anos da revolução cubana, se criaram organizações no exterior, como o Movimento Libertário Cubano no Exílio (MLCE), e teve outros manifestos libertários criticando a deriva totalitária. Uma obra anarquista destacada é “Revolução e ditadura em Cuba”, de Abelardo Iglesias, publicada em 1961 em Buenos Aires. A posição anarquista, ao menos por parte da maior parte do movimento, estava clara. A incansável atividade intelectual de alguns anarquistas cubanos fez que se expunha com clareza meridiana conceitos como os seguintes: “expropriar empresas capitalistas, entregando-as aos obreiros e técnicos, isso é revolução”; “mas convertê-las em monopólios estatais onde o único direito do produtor é obedecer, isto é contrarrevolução”. Apesar destes esforços, a finais da década de 60, o castrismo parecia ganhar a propaganda ideológica, o que provocou que alguns meios libertários, na Europa e na América Latina, tendessem cada vez mais a apoiar a revolução cubana.
Um ponto de inflexão para esta situação será a publicação de 1976 no Canadá do livro The Cuban Revolution: A critical Perspective (A Revolução cubana: um enfoque crítico), de Sam Dolgoff, excelentemente distribuído e que “fez um impacto demolidor entre as esquerdas em geral e os anarquistas em particular”. O livro constituiu um enfoque crítico certeiro do castrismo, agregando a luta do MCLE (reiteradamente acusado de estar a serviço da reação) e propiciando o seu reconhecimento internacional; o imp acto sobre o anarquismo internacional, e inclusive sobre outras correntes de esquerda, foi considerável. Nos anos seguintes, destaca-se a publicação Guángara libertaria, a cargo do MLCE, iniciada em 1979 e que chegou até 1992. Nos últimos tempos, destaca o boletim Cuba libertária, do Grupo de Apoio aos Libertários e Sindicalistas Independentes em Cuba, cujo primeiro número apareceu em fevereiro de 2004. Na atualidade, é uma obrigação dos movimentos anarquistas internacionais apoiar a rede do Observatório Crítico Cubano, que implica projetos socioculturais internos e externos, com um caráter marcadamente antiautoritário e autogestionário.
Se algo alimentou o mito da revolução cubana, foi o bloqueio criminoso dos Estados Unidos, que chega até nossos dias apesar do início das relações propiciadas por Obama. Tão intolerável é esse bloqueio norte-americano como o que tem estabelecido os Castros sobre a população cubana. Essa escolha entre o ruim e o pior, tendência tantas vezes da mentalidade humana, é pobre e falaciosa; o mal continua sendo mal, há de se trabalhar por uma via que assegure a justiça e a liberdade. Assim o fizeram historicamente os anarquistas, desde a época colonial até o atual sistema totalitário. Desgraçadamente, os movimentos sociais são inexistentes em Cuba, já que a única representação política é através do Partido Comunista e da União de Jovens Comunistas. O regime cubano parece duplamente perverso, por sua condição intrínseca, suavizada pela exaltação de seus êxitos, e por atribuir-se uma autoridade moral fundamentada em sua suposta natureza transformadora e progressista. Após a morte de Fidel Castro, o regime tem tido continuidade com a liderança de seu irmão Raul; é digna de assombro a capacidade do falecido comandante em perpetuar seu legado.
O processo que se abriu, nos últimos tempos, com o início de relações com os Estados Unidos e com algumas reformas internas aparentemente liberais (ainda que assegurado o controle estatal da economia), parece uma nova etapa capitalista na ilha na linha do “comunismo” chinês, ainda que claramente liderada pelas mesmas elites políticas e militares. Lembremos que em Cuba, apesar das dificuldades do bloqueio, operam e tem operado empresas do capitalismo internacional. Como em tantas outras experiências marxistas, o suposto soc ialismo acabou sendo capitalismo de Estado e uma triste e perversa prática totalitária. Nestes Estados totalitários pseudo-socialistas, tal como os “liberais”, os paradigmas hegemônicos são a exploração e a dominação. A crítica anarquista a toda forma de poder se demonstrou acertada.
Fonte: http://reflexionesdesdeanarres.blogspot.com.br/2016/11/la-revolucion-cubana-una-mirada.html
Tradução > KaliMar
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