Sei que levo o passo mudado, que a marcha que sigo não é a mesma que segue a maioria, mas não posso abandonar meu próprio rumo sem trair-me. Dentro deste tipo de coisas, há algo que sempre contou com minhas simpatias, com o que me identifico facilmente e que de novo me situa à margem da opinião comum da sociedade.
Na vida, na literatura e no cinema, em qualquer história, quase sempre me ponho do lado dos “maus”. Há uma classe de indivíduos que geralmente gostam de mim: são os foragidos e marginalizados, os rebeldes e perdedores, os que não se submetem e vivem segundo suas próprias regras e não com as normas dos demais. Daí provêm minha simpatia pelos piratas e os ladrões de bancos.
Já sei que os piratas – salvo a honrosa exceção do Capitão Misson – foram uns bastardos sanguinários aos quais seria melhor pendurar no mastro; e que a maior parte dos atracadores são criminosos violentos e desapiedados que merecem estar entre grades. Não obstante, também é preciso assinalar que são um reflexo da ordem estabelecida que impera no mundo, que não é muito melhor, quando não é indubitavelmente mais infame e execrável.
Entre estes malfeitores há uma categoria a parte, uma classe de pessoas sem igual, feitos de outra matéria, talhados em uma madera diferente a da imensa maioria dos mortais. Foram poucos, pois são exemplares únicos e especiais, dos que cada geração proporciona tão só uns poucos frutos seletos. Estas pessoas são consideradas a miúdo como criminosos, mas na realidade não o são, ou melhor dito, não pertencem ao tipo habitual de delinquentes. A maioria da sociedade os cataloga como tais e, em consequ& ecirc;ncia, os condena utilizando o código penal. Me refiro aos anarquistas expropriadores.
É certo que o anarquismo persegue outra classe de mundo, uma sociedade que se conduza mediante umas ideias e costumes muito diferentes e inclusive antagônicas as atuais, e que em sua luta se enfrenta com frequência ao poder e a ideologia dominantes. Mas não sempre o faz usando os mesmos métodos. Nem todos os anarquistas lutam com a violência e o crime. Pelo contrário, uma importante corrente anarquista é clara e decididamente pacifista a qualquer custo.
Mas hoje quero falar dos primeiros, daqueles anarquistas que empregaram métodos violentos e delitivos para conseguir seus fins: romper toda lei arbitrária e injusta, arremeter contra todo aquele que entra em conflito com a liberdade do ser humano, e com uma plena consciência do latrocínio e o abuso a que é submetida a maioria das pessoas por parte dos ricos e poderosos. São bandidos na medida em que delinquem.
No entanto, ainda que os atos possam ser os mesmos que os empregados por outros criminosos, suas motivações são muito distintas. Ponhamos por exemplo o fato de roubar um banco. Igual rouba um atracador que um anarquista. Mas enquanto o primero unicamente lhe move o mero afã de lucro, o segundo atua por um ideal. Se o ladrão persegue seu próprio interesse, os expropriadores ácratas buscam o bem comum. Se uns querem o dinheiro para gastá-lo e desperdiçar inutilmente, os outros desejam empregar o botim roubado em lutar contra a injustiça e a opressão. Se uns jamais colaboraram com nada bom à sociedade, os outros expropiam os lucros desonestamente obtidos mediante o abuso e a exploração dos trabalhadores.
A esta linha de atuação pertencem os integrantes de La Banda Bonnot, ou La Banda del Auto, como anunciavam as manchetes da imprensa de La Belle Epoque por serem os primeiros ladrões de bancos da história em utilizar um carro como veículo de fuga; do anarquista francês Alexandre M. Jacob, criador e cérebro de Los Trabajadores de la Noche, um bando que se dedicou a desapropriar aos ricos de meia Europa com um inovador sistema conhecido nos anais do crime como “o roubo científico” pela audácia e limpeza de seus métodos de luva branca; sem esquecer os nossos, aqueles jovens espanhois que fizerm o grupo de ação anarquista de Los Solidarios, o braço armado que defendeu o movimento sindical espanhol contra a patronal e o governo, e cujas aventuras assaltando bancos na Am&e acute;rica deixam pálidas às do Grupo Salvaje de Butch Cassidy e Sundace Kid, por citar tão só uns poucos casos.
Atacaram bancos a ponta de pistola, saquearam igrejas e catedrais, assaltaram castelos e saquearam mansões, roubaram a banqueiros, notários, rentistas, aristocratas e também a simples guardas de segurança quando portavam valores. Levaram vidas de ação, sempre no fio da navalha, entrando e saindo do cárcere, perseguidos, acossados, em constante perigo, arriscando sua vida por umas ideias que antepunham a qualquer outra coisa. Testemunhas deste sacrifício foram muitas vezes seus familiares, que não os abandonaram na adversidade nem na desgraça, e que pagaram as consequências dos atos daqueles a quem queriam. Algum dia deveria contar-se em profundidade a história dessas famílias, como a de Durruti ou Jacob e tantos outros, que sofreram a perseguição e a pobreza por fazer parte do entorno daqueles que se atreviam a levantar-se contra o poder.
Sei que talvez não seja a melhor forma de lutar, entre outras razões pelo alto custo pessoal que supõe, e que seguramente é um método de luta fadado irremediavelmente ao fracasso. Sei que o uso da violência pode acarretar graves consequências. Sei que o fim não justifica os meios. Mas ainda sabendo tudo isto, não posso deixar de admirar a estas pessoas. Me assombram e admiram as coisas que fizeram, a convicção e integridade com a qual viveram, seu arrojo e decisão na hora de atuar, sua inteireza para sofre r e afrontar as adversidades, sua generosidade sem limites, seu idealismo a qualquer custo. Esta é a gente a qual admiro e cuja memória jamais esquecerei. Lutaram por um mundo melhor, mais justo, mais livre, humano e solidário, e o fizeram a sua maneira, talvez equivocada, mas sem dúvida sin cera e abnegada. Estes são meus herois.
Fonte: http://www.jcaro.es/los-anarquistas-expropiadores
Tradução > Sol de Abril
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