Por Eduardo Bravo
Nas confeitarias argentinas não é a mesma coisa pedir um sonho e um suspiro de monja (doce também semelhante a um sonho). Sem embargo, optar por um ou outro nome pode mostrar uma atitude que se remonta as origens do movimento anarquista no país.
Em 1885 o pensador e militante anarquista Errico Malatesta decidiu se estabelecer na Argentina. O país sul-americano parecia um bom lugar para escapar das autoridades europeias. Os governos da Suíça, Espanha, França, Bélgica e Inglaterra e, obviamente da Itália, estavam fartos de Malatesta. Suas atividades revolucionárias o haviam levado até mesmo ao Egito, de onde havia sido expulso. Definitivamente a América parecia um bom lugar para uma mudança de ares.
Em Buenos Aires Malatesta começou a divulgar o ideal anarquista entre os trabalhadores. Com sua ajuda e de Ettore Mattei surgiram os primeiros sindicatos libertários argentinos. Entre eles se destacava a Sociedade Cosmopolita de Resistência e Colocação de Obreiros Padeiros. As autoridades argentinas não tardaram a conhecer suas atividades e depois de outra campanha de acosso, Malatesta rumou para Itália. Sem embargo, em apenas quatro anos sua mensagem havia conseguido ecoar entre os trabalhadores, mais do que podia imaginar.
Sendo o sindicato dos padeiros um sindicato anarquista, os trabalhadores começaram a batizar suas criações com nomes que recordavam a luta proletária. Denominações que faziam referência a ação direta, escapando da polícia e zombando da igreja católica. Apareceram assim os canhõezinhos, as bombas, os vigilantes, os sacramentos e as bolas de frade, também chamadas de suspiros de monja. De repente a população argentina passou a ser partícipe da difusão dos ideais libe rtários através dos bolos.
Sem embargo, utilizar a confeitaria como forma de combater o inimigo não era algo novo. Segundo conta Christian Ferrer em seu livro ‘Cabeças de Tempestade’ isso já havia sido utilizado em 1528. Nessa data, durante o assédio de Viena pelos turcos, os confeiteiros da cidade decidiram criar as famosas ‘meias luas’ (espécie de croissant doce). Sua inspiração era o símbolo que as tropas inimigas levavam em seus estandartes. Desnecessário dizer o que sentiam os muçulmanos quando viam os vieneses a comer seu símbolo sagrado. Ainda que não conseguissem acabar com o a taque, as ‘meias luas’ serviam de combustível para alimentar a resistência.
O tempo desgasta as palavras. Por outro lado, os argentinos vão as confeitarias e pedem, conscientes ou não de seu significado, essas especialidades blasfemas e revolucionárias. Um fato que passou despercebido aos diferentes governos ditatoriais que o país viveu no século XX. Sem dúvida, uma engenhosa estratégia que mistura desobediência e humor, que já haviam reivindicado para si os situacionistas franceses.
Fonte: www.yorokobu.es/pasteles-y-anarquismo-en-argentina/2/?offset=31
Tradução > Liberto
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!