Publicação anônima para “Conflict MN”
Na noite de sábado (17/12), a estátua de Emiliano Zapata, coberta de neve, localizada na Lake Streetem Minneapolis, foi iluminada pelas luzes dos sinalizadores e cercada por uma massa de pessoas vestidas de preto, enquanto anarquistas rememoravam nossos camaradas que recentemente tombaram.
Nos reunimos para lamentar três tragédias – a morte de Michael Israel e outros combatentes da liberdade em Rojava, o assassinato de Guilherme Irish por seu pai nacionalista no Brasil, e dezenas de outros amigos e amigas mortas no incêndio do espaço cultural Ghost Ship em Oakland.
Michael Israel, da Califórnia, foi um anarquista e sindicalista revolucionário. Co-fundador da IWW de Sacramento, ele foi à Rojava para se unir às YPG (Unidades de Defesa Popular) e defender os cantões autônomos contra a ameaça do Daesh (termo em árabe usado para se referir ao Estado Islâmico) e contra a repressão dos Estados. A unidade em que Michael lutava avançava contra a capital do Daesh em Raqqa como pa rte da ofensiva das Forças Democráticas da Síria (SDF) para tomar a cidade, intitulada “a ira de Eufrates”. Apesar de o regime de Erdogan na Turquia alegar fazer parte de uma coalisão contra o Daesh, o regime ataca continuamente as SDF – uma estratégia para enfraquecer e destruir a revolução em Rojava, que o Estado turco entende como um a ameaça para sua ocupação das terras que são majoritariamente curdas. Na noite do dia 29 de Novembro, a Turquia realizou bombardeamentos aéreos contra um pequeno vilarejo que o YPG havia liberado das mãos do Daesh, assassinando Michael e muitos outros revolucionários.
Guilherme Irish era um anarquista brasileiro e estudante de matemática na Universidade Federal de Goiás. Era ativamente envolvido com as ocupações de escolas em Goiânia. No último verão, a presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), sofreu um impeachment através de um golpe organizado pelas famílias mais ricas do país, e o novo governo do então vice-presidente Michel Temer, lançou uma série de ataques para limitar a liberdade política dos estudantes, reformar o currí culo do ensino médio, e congelar dramaticamente os fundos sociais. Desde o início de Novembro, os estudantes ocuparam mais de 1000 escolas e quase 100 universidades em protesto. O pai de Guilherme não aceitou seu envolvimento com o movimento, e ameaçou entregá-lo para a polícia , para que fosse morto. Ele foi armado para manifestações contra a privatização da escola e ameaçou seu filho e outros militantes. No dia 15 de Novembro, Guilherme saiu de sua casa para a ocupação do Campus 2 na UFG. Seu pai o emboscou com uma pistola e o matou. Guilherme tinha 20 anos de idade.
Ghost Ship era um espaço DIY em Oakland e sede do coletivo de artes Satya Yuga. O espaço foi organizado em um armazém na vizinhança de Fruitvale, um dos muitos espaços de arte e vivências que se tornou inseguro estruturalmente em função da crise imobiliária. Para os artistas negros, latinos e queer, especialmente excluídos da cena musical, as festas no armazém em Oakland forneciam visibilidade mesmo em um dos bairros mais caros da América do norte, onde a indústria tecnológica e a gentrificação agrediram os bairros da classe trabalhadora negra. No dia 2 de dezembro, as 23h, um incêndio teve início no Ghost Ship durante um show, se espalhando rapidamente através do edifício lotado. As pessoas do lado de dentro, lutaram e se ajudaram para sobreviver, tentando escapar do fogo, mas para muitos isso foi impossível. 36 pessoas morreram. Como consequência deste episódio, fascistas fizeram um projeto online de ataque contra os espaços DIY, os denunciando para os bombeiros, esperando que através do incêndio pudessem trazer repressão do Estado contra o movimento DIY.
Na estátua de Zapata, anarquistas dedicaram elegias para nossos camaradas caídos, leram passagens em comemoração, e verteram whisky para celebrar suas vidas. Wobblies(sindicalistas da IWW) presentes recitaram o poema “Red November, Black November” (Novembro Vermelho, Novembro Negro):
“Novembro Vermelho, Novembro Negro – Novembro desolador e rubro-negro
Mês sagrado dos mártires, heróis, e mortos da classe trabalhadora
Da ira e da esperança e do pesar – promessa vermelha, ameaça negra
Quem somos nós para não lembrar? Quem somos nós para esquecer?
Vermelho e negro, as cores se misturam, vermelha e negra é a promessa que fizemos
Vermelho até que a luta finde – negro até que a dívida seja paga”
Enquanto anarquistas, nós não fetichizamos a morte, da forma que os fascistas, os exércitos e as nações o fazem. Nós não preferimos que nossos camaradas, amigos e amantes virem memoriais sérios e frios, ou uma memória rosa colorida revivida na bruma de uma poesia sentimental. Preferimos que estejam ao nosso lado, criando conosco os espaços e lutas para nossa liberação, e lutando ombro a ombro em defesa de nossas vidas. Não queremos mártires.
Nós sabemos, entretanto, que é inevitável que aqueles de nós que lutam, que se revoltam contra a violência esmagadora e diária do Estado, do capital, e de todas as hierarquias existentes, serão colocados na mira da repressão. Sabemos que aqueles de nós que buscam construir novos mundos nas fissuras e limites insustentáveis do velho mundo, irão enfrentar os perigos do colapso do mundo atual, e daqueles que tentam cimentá-lo novamente com sangue e terror. Somos nascidos da história dos mártire s de Haymarket, enforcados por resistir à polícia dos industriais, do enforcamento de Suga Kanno pelo império japonês, e do assassinato de Carlo Giuliani pelos tiros da polícia italiana. Nós herdamos uma bandeira negra tingida na lembrança dos nossos mortos, na neg ação de seus algozes, e na promessa de nunca se render.
As tragédias de novembro tiraram a vida de nossos camaradas, mas não as ideias pelas quais viveram. A revolução em Rojava faz caminhar a luta por autonomia, enquanto o regime Sírio abate sua oposição, o regime de Erdogan ataca os Curdos em ambos os lados da fronteira, e poderes externos, confiantes nas vitórias do YPG contra o Daesh, se preparam para sua traição inevitável dos cantões revolucionários. O golpe direitista no Brasil receberá sua oposição, e o movimento popular que se levanta contra o golpe não será atrelado e cooptado ao ineficaz PT, cuja capitulação ao neoliberalismo pavimentou o caminho para a ascensão dos reacionários. Os espaços DIY e os projetos de recuperação irão continuar a cercar as estrutura s abandonadas e evisceradas pela globalização e pela desindustrialização, e às preencherão com os desabrigados pela gentrificação. Nós iremos melhorar a segurança destes espaços, tanto de incêndios acidentais e colapsos, quanto em relação à extrema-direita e os ataques do Estado. Todos os dias nós acordamos e respiramos fundo, batalhamos para minar e atacar o sistema que retira a vida de nossos camaradas e amigos.
Em memória de Michael Israel, Guilherme Irish, Denalda, Feral, e todas as outras vítimas do incêndio do Ghost Ship, relembramos os versos do poeta Grego Dino Christianopoulos, que ecoa na contracultura mexicana: “Eles tentaram nos enterrar; mas não sabiam que éramos sementes”.
Fonte: https://conflictmn.blackblogs.org/seeds-beneath-the-snow-anarchists-mourn-our-dead/
Tradução > Yanumaka
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!