O indígena Guarani Kaiowá Alexandre Claro, da aldeia Tey’i Kue em Caarapó, foi baleado duas vezes pela PM [Polícia Militar], na perna e no quadril, no dia 5 de janeiro. A ação foi justificada como uma tentativa de “conter” um suposto surto, no entanto, a PM imputou a Alexandre a tentativa de homicídio e dano qualificado. Testemunhas afirmam que Alexandre estava com um pedaço de madeira, no centro de Caarapó, com o qual supostamente tentou atacar a viatura. Porém, ele já era conhecido na cidade e na aldeia pelo costume de transitar nas ruas como andarilho sem rumo, apresentando sempre comportamento pacífico, além d e ter problemas em um de seus braços. Alexandre, diagnosticado com esquizofrenia, não recebia tratamento a pelo menos 3 anos, como deveria ser garantido pela SESAI. Trata-se de mais um caso de criminalização.
A família teve acesso negado a Alexandre durante sua internação no Hospital da Vida em Dourados. Além disso, a ficha hospitalar omitia informações: constava apenas que a internação foi provocada por uma fratura no fêmur, e não por cirurgia para retirada de bala, realizada com atraso, colocando em risco sua vida. Como se isso não bastasse, foi mantido sob escolta de policiais e algemado à cama, procedimento que pode ser caracterizado como prática de tortura.
Alexandre teve alta no dia 14/01, sendo direcionado para o Departamento de Polícia de Dourados, onde permaneceu detido até ser transferido para a Penitenciária Estadual de Dourados, local em que se encontra preso até hoje em uma cela com outros presos não-indígenas. Pelo fato de Alexandre ter sido diagnosticado com esquizofrenia, ressaltamos a necessidade de uma abordagem diferenciada para o caso. Além de ser indígena, ele foi legalmente interditado no ano de 2010 através de laudo psiquiátrico, fato que impede a reclusão carcerária por estar sob tutela da irmã.
A ação violenta da Polícia Militar é injustificável, remetendo aos agravantes do contexto geral da saúde mental indígena, afetada diretamente por séculos de exploração, genocídio e etnocídio, pelas políticas de confinamento em espaços de reserva e sua não resolução pela via estatal mesmo garantido pela Constituição de 88. O debate sobre a especificidade da saúde mental indígena diz respeito aos saberes, práticas e noções Guarani Kaiowá, que por lei devem ser tratados de acordo com as necessidades da comunidade e suas alternativas aos processos de saúde/doença dos seus membros (ver portaria nº 2759/2007). No Mato Grosso do Sul o quadro de saúde mental indígena é especialmente grave, situação que se confirma a quantidade alarmante de suicídios entre os Guarani Kaiowá sendo 707 casos registrados apenas no período de 2000 a 2014, e que segundo o CIMI, deve-se “a uma transferência brutal, por parte da União, de territórios indígenas para não índios.”
A saúde mental indígena não está dissociada do direito à terra, e não deve ser desvinculada dos efeitos perversos do racismo e da colonialidade contra a subjetividade dos indígenas. É no território tradicional que o modo de vida Guarani Kaiowá pode se realizar, e a partir do qual se dá seu reconhecimento de si como indígena no mundo, ainda que em um mundo de contradições e violência.
Diante disso, levantamos a voz contra todos os cárceres: nem a internação em hospital psiquiátrico, nem o aprisionamento na penitenciária representam soluções reais para o caso. Em tempos de barbárie, a defesa da vida passa pela luta e resistência em defesa dos territórios indígenas. Pedir pela liberdade de Alexandre é enfrentar o racismo e as práticas colonizadoras que ainda fazem a terra sangrar pelas mãos de instituições assassinas. Para o Estado genocida, como no caso do desaparecimento de Amarildo e da prisão de Rafael Braga, e hoje através do encarceramento de Alexandre, basta ser pobre, negro ou indígena para ser um alvo da polícia fascista. Compreendemos que as prisões são uma política de extermínio que não só representam estruturas remanescentes da escravidão, mas novas formas de sustentáculos da perseguição feroz dos de cima contra os povos em resistência. Não nos calaremos frente a isso e tantos outros Alexandres que morrem diariamente condenados pelo Estado burguês sustentado pelo latifúndio e o capital transnacional.
PELO DIREITO DE JUSTIÇA À FAMÍLIA DE ALEXANDRE!
PELO FIM DA POLÍCIA FASCISTA!
PELA TERRA, PELO DIREITO DO BEM-VIVER/TEKO PORÃ!
PELA AUTONOMIA DOS POVOS INDÍGENAS!
POR TODOS QUE JÁ MORRERAM, POR TODOS OS CONDENADOS: NÃO NOS CALAREMOS!
EXIGIMOS A IMEDIATA LIBERTAÇÃO DE ALEXANDRE DO CÁRCERE!
Comitê de Solidariedade aos Povos Indígenas de Dourados
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!