Por Jeffrey Swartz
Nas últimas décadas Barcelona queimou etapas e consumiu marcas de identidade em um ritmo vertiginoso. Agora que nos aproximamos da comemoração do 25º aniversário dos Jogos Olímpicos, recordamos como a Barcelona olímpica deu um passo da cidade de desenho para a metrópoles cultural e também para a millor botiga del món, como dizia uma campanha oficial. A obsessão da cidade para se resumir a apenas um lema, de consumo fácil, se foi diluindo na medid a em que os mesmos barceloneses se atreveram a questionar esta grande genealogia de modelos fabricados desde cima. Mas isso, talvez, soa tão oco recentemente: a autodenominação de “cidade refúgio” por parte da prefeita, que redesenha a cidade como “a capital da esperança”. Que necessidade tem a cidade de se converter cada virtude em elogio público?
Visita fugaz ao passado glorioso
Em uma cidade construída a base de identidades diversas que se solapam em uma colagem que contrasta valores e interesses, a Barcelona anarquista se perfila como uma das mais sugestivas. Por um lado está a história “gloriosa” sublinhada pelos intelectuais, que enxergam as circunstâncias dos anos 30 como um dos melhores exemplos do anarquismo posto em prática. O papel, chave em todos os sentidos, da CNT, confederação anarcossindicalista, se erige como uma referência inegável, monumental, mas impossível d e ressuscitar. Postular uma sociedade auto-organizada, capacitada para substituir as posições estatais e empresariais com estruturas próprias e federadas de apoio mútuo – seguindo a formulação do anarquismo clássico – requereria não apenas uma militância massiva, mas também uma forte debilitação dos estamentos dominantes.
Algumas entidades barcelonesas vinculadas ao passado se dispõem a fazer uma ponte com o presente. O Ateneu “Enciclopèdic Popular” (AEP) nasceu em 1902, na tradição dos centros libertários, como propósito de aportar ferramentas de conhecimentos aos trabalhadores. Espoliado pelo franquismo, reabriu em 1977 como centro de documentação, com a vontade de “ser capazes de ensinar e criar nossa própria história”, nas palavras do livreiro e ativista Manel Aisa.
Aqui ninguém quer ser Anarquista?
Mais além das comparações complicadas com o passado revolucionário, na atualidade se percebe uma presença anarquista real, porém intangível. O historiador Xavier Diez, deL’anarquisme, fet diferencial català (2013), fala de uma “ideologia gasosa”, difícil de sujeitar e que afeta a tudo. Diez encontra rasgos anarquistas – o assemblearismo e a iniciativa associativa – em lugares inesperados, como as comunidades de vizinhos e na Assembleia Nacional Catalã, que impulsiona o independentismo para além dos partidos polí ticos.
Muitos anarquistas não estariam de acordo com o conteúdo social de alguns dos exemplos de Diez, ainda que seus procedimentos sejam anti-hierárquicos. Ainda assim, existem coincidências entre as opiniões encontradas no curso de iluminar essa cartografia viva das práticas anarquistas na atual Barcelona. Manel Aisa, por exemplo, fala de um “anarquismo impregnado”, mais presente nas periferias do que no centro. Diez insiste em um “anarquismo tácito”, resumido em práticas veladas, inconscientes e que não se identificam abertamente.
A semente anarquista se encontra com outra dificuldade, no caso de querer emergir: nem todo mundo quer se denominar assim, preferindo ocultar siglas ou defender um perfil misto. Aparece assim um sem-fim de eufemismos – libertário, assembleario, anticapitalista – que se filtram através de conceitos paralelos como a transformação social e o poder popular. Ao ligar para a revista La Directa, que é um referencial em informação alternativa, topamos com a frase de um redator: “Nós não nos identificamos como anarquistas”. Aise diz algo par ecido do AEP: “Nunca se pronunciaram anarquista”. Porque, quem quer ser anarquista?
De marciano a Robin Hood
Ao ser tradicionalmente crítico a representação parlamentar, o anarquismo não pretende ter um partido político que resuma suas reivindicações. Uma boa parte dos ativistas é abstencionista, desprezando a utilidade do voto. “Os anarquistas entram no debata sobre as novas formas de fazer política”, reflete Iñaki García, da livraria “El Lokal”, no Raval. ”A sociedade está reclamando outras maneiras de fazer política – a democracia direta – e não somente os anarquistas”.
Tudo isso se junta a grande história de repressões legais, junto com os preconceitos da mídia, que estigmatizaram o termo. A conexão entre anarquia e violência, que corresponde em verdade a uma facção menor da prática anarquista, se alimenta como instrumento de propaganda conservadora. Ainda assim, na medida em que se articulam seus projetos construtivos, cada vez mais pessoas assumem a etiqueta sem ambiguidades. Existe uma federação anarquista da Catalunha, na qual participam os chamados Centros Sociais Ocupados (CSO). O legado sindicalista se debate entre a CNT e a CGT, com algum sindicato novo. Existem feiras de livros anarquistas, um festival de cinema anarquista, alem de projeções constantes na “Cinètika de la Rambla Fabra i Puig”. Também existe o Embat, um thinktank anarquista com vontade ativista e que se define como “organização libertária”.
O anarquismo é mais visível, mas nem todo mundo está disposto a “sair do armário”, uma ideia que defende Iru Moner, da Assembleia de Vallcara. Moner destaca a tendência de alguns militantes levarem uma vida dupla, sem explicar suas convicções para suas famílias ou no trabalho. O fato de expor uma opinião anarquista poderia os expor à repressão, mas também levaria a um maior entendimento de seus postulados e a desestigmatização.
As condições, aliás, mudaram, explica Moner, em parte pelas constantes subidas dos preços dos aluguéis e o crescimento das economias de subsistência provocadas pela crise. “Depois da crise de 2008, todos esses conceitos que soavam como marcianos – “está maluco”, “és anarquista” – voltaram com força”. Nas assembleias de bairro, insiste, “não se prejulga uma pessoa por utilizar um espaço que não é sua propriedade legal”. Em Vallcarca, um dos objetivos compartilhados é defender a integridade do centro histó rico, um núcleo em parte ocupado, bem como resistir a gentrificação do bairro. É cada vez mais comum ouvir os vizinhos em Barcelona mencionarem a violência dos despejos, como ocorreu em Can Viés em 2014. A bolha imobiliária e as consequências de seu colapso acabaram, para muitos cidadãos, por dar razão às okupas.
Confio, dou e empresto
As ocupações são uma forma de ação direta, sempre que os juízes colocam o direito a propriedade acima do direito de residência. Outras iniciativas para a construção de uma sociedade renovada trabalham desde espaços legais mais favoráveis. Pensemos nas redes de intercâmbio e cooperação, que vivem um momento sem precedentes. O cofundador, em 2010, da Cooperativa Integral da Catalunha (CIC), Enric Duran, conhecido pela sua fraude ante 39 bancos para financiar projetos sociais, descreve o cooperativismo como “uma ferramenta para construir um contrapoder desde a base, p artindo da autogestão” e da democracia direta. Ainda que exista uma proteção legal que permite seu desenvolvimento, Duran e outros predicam a “desobediência econômica ante as estruturas do Estado”, por exemplo, como em relação aos impostos. A organização cooperativa do trabalho permite “antever uma sociedade diferente”, nas palavras do economista Lluíz Rodríguez, participante das jornadas do Embat.
Seguramente muitos pensarão nas cooperativas de consumo: já existem tantas (cerca de 200 na cidade) que inclusive surgiram coordenadorias (como a de Poblenou). O cooperativismo também se dá nos setores da saúde, educação e tecnologias (tanto para o consumo de energia elétrica como para gestão ambiental). Inclusive existem entidades financeiras, como a Coop57, que se faz de filtro ético e intermediário financeiro sem ser um banco, com muitos ateneus e cooperativas que utilizam seus serviços. Assim o cooperativismo demonstra que se pode construir de uma maneira coerente com princ&iacu te;pios anarquistas (e com outras ideologias, sem dúvida) sem ser consciente disso.
As que limpam
A luta contra a precariedade segue sendo um dos temas que mais preocupa os barceloneses, receosos ante a proclamação do fim da crise. Uma boa parte da classe média desliza para a subsistência, onde encontram pessoas que levam toda sua vida ali. Surpreender, assim, a relativa passividade dos trabalhadores mais vulneráveis, abandonados a sua própria sorte pelos grandes sindicatos. A única greve visível atualmente em Barcelona é a dos empregados dos restaurantes Udon, com apoio do Sindicato SUT.
Outra resposta surpreendente foi a aparição das “Kellys”, uma associação autofinanciada de faxineiras, mulheres dedicadas a limpeza de quartos de hotéis. O nome, explica Isabel, “vem de uma piada: as que limpam”. Ela e suas companheiras encontraram uma recepção midiática inesperada por todo o Estado. “Já não é apenas ser faxineira de apartamentos e dizer que não estamos bem, e sim ser faxineira de apartamentos, dizer que não estamos bem, tomar consciência e fazer coisas para mudar essa situação”. Sua fórmula para atribuir-se poder e autonomia poderia servir para todo o setor hoteleiro, que se encontra focado na redução radical de custos e em busca de maiores benefícios. Os salários das faxineiras nas empresas subcontratadas, e que destoam dos convênios, baixaram de 1.100,00 a 800,00 euros ao mês, ou mais. Enquanto antes em um dia limpavam 15 quartos – tendo em conta que são maiores e detalhistas quanto mais cara o hotel for – agora se lhes exigem 25. Algumas mulheres estão sujeitas a um regime que lhes paga por quarto – em alguns casos pouco mais de 2 euros por cada uma, o que repercute gravemente na saúde.
Porque surgiram as “Kellys” justamente agora? “Muita gente tem medo de se rebelar”, reflete Miriam. “No início éramos poucas, mas pouco a pouco vamos reunindo mais forças”. As “Kellys” de Barcelona são um grupo modesto, quando se considera que existem pelo menos 6 mil mulheres trabalhando nessa profissão somente na cidade. Vivem uma realidade de trabalho beirando apenas a sobrevivência, em condições desprotegidas, justificando as leituras feministas capazes de mencionar as discriminações laborais e sanitárias que afetam as trabalhadoras. Exist em muitos coletivos de mulheres organizados desde os centros sociais libertários, que impulsionam uma análise crítica de temas relacionados a gênero, transcendendo-os amplamente.
Stop!
Em mais de uma ocasião os entrevistados para esta reportagem comentaram que as condições atuais justificam uma ação mais contundente. Um membro do Embat o disse diretamente: “Tínhamos que ter a capacidade de parar a cidade”. O postulado de uma greve geral podia soar como uma fantasia revolucionária, ainda que sua lógica venha do que muitos chamam de “poder popular”, o empoderamento das pessoas em todos os aspectos da vida. Em uma cidade onde os poderes de sempre impõe sua vontade contra o bem-estar de tanta gente, uma greve devolveria a jogada, se convertendo em um despertar de c onsciências. Ao mesmo tempo, quase todos reconhecem a construção de uma realidade alternativa – seja reformista, revolucionária ou anarquista – corresponde a um processo lento e altamente disseminado. Existe a Barcelona anarquista? Sem dúvida; mas suas formas, consensos e consciências estão em vias de construção.
Fonte: http://bcnmes.com/anarco-atlas
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
Anoitece
Atrás da colina
O sol adormece
RôBrusch
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!
Um puta exemplo! E que se foda o Estado espanhol e do mundo todo!
artes mais que necessári(A)!
Eu queria levar minha banquinha de materiais, esse semestre tudo que tenho é com a temática Edson Passeti - tenho…