Depois de três dias e noites reunindo-se e conversando entre si, os Mbyá-Guarani de Maquiné chamaram para uma reunião as pessoas e organizações que apoiam a Retomada Guarani. Essa reunião aconteceu no domingo, 02 de abril, na nova aldeia Mbyá-Guarani de Maquiné (ainda sem nome), na área que antes era usada pela FEPAGRO – Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária, extinta pelas políticas de austeridade do governador [do Rio Grande do Sul] José Ivo Sartori.
“Ninguém é sem ninguém.” – Cacique André dos Mbyá-Guarani de Maquiné.
Os caciques André, de Maquiné, e Cirilo, da Lomba do Pinheiro e representante dos Guarani de todo Rio Grande do Sul, demonstraram imensa alegria e esperança pela construção dessa nova aldeia em uma terra tão rica e fértil. Ao contrário das terras geralmente demarcadas pelo Estado – improdutivas, tomadas por monoculturas de soja e eucalipto, inadequadas para o modo de vida tradicional dos Guarani – a terra retomada para a construção da nova aldeia é coberta de mata nativa, árvores frutí feras e nascentes de água potável cristalina. Eles deixaram clara a intenção de resistir e lutar pela terra, indiferente do que o homem-branco e suas instituições decidirem.
Depois de breves falas dos dois caciques, abriu-se um espaço para que as apoiadoras e apoiadores se apresentassem. Apresentaram-se representantes e integrantes da Ação Nascente Maquiné (ANAMA), Associação de Estudos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários (AEPIM), Amigos da Terra Brasil, Jornal Já, diversos professores e estudantes dos cursos de antropologia e geografia da UFRGS, partidários do Movimento Raiz, fiéis de uma igreja (não identificada), além de várias anarquistas e morado ras de Maquiné que apóiam a retomada Guarani.
“Não precisamos subir degraus pra ter poder, pra falar. Na nossa cultura qualquer criança pequena tem esse poder.” – Cacique Cirilo
Houveram algumas intervenções que informaram o andamento dos processos jurídicos. Sobre a liminar que pede a “reintegração de posse”, que retiraria a terra dos indígenas e as recolocaria nas mãos do Estado: um juiz de 2ª instância deveria se manifestar na terça-feira, 04 de abril. Mesmo no caso de o juiz ordenar a reintegração de posse, ela não deverá ser imediata, pois a Brigada Militar não pode interferir com os povos indígenas sem a presença da FUNAI e da Polícia Federal. Os apoiadores dos mbyá-guarani que estão acompanha ndo a questão legal apresentaram um certo otimismo.
Outra informação relevante é que um antropólogo da FUNAI iria comparecer a aldeia na segunda-feira, 03 de abril, para começar a levantar dados sobre a retomada.
“Por quê não nos dão uma terra boa para criar galinha, pra plantar batata-doce, pra não dependermos do Estado? É uma forma que o Estado cria pra nos dominar.” – Cacique Cirilo
Depois das conversas no turno da manhã, foi servido um almoço. À tarde os caciques retomaram a conversa, pedindo para os militantes do Movimento Raiz explicarem o que é esse movimento. Seguiu-se então um mini-comício do partido por cerca de 20 minutos, explicando os seus conceitos e suas aspirações. O discurso foi tão sedutor que o próprio Cacique Cirilo, ao fim, falou que já que os guarani estão recebendo apoio do Raiz ele não via por quê eles também não poderiam apoiar o movimento. Não ficou claro se o Cacique compreendeu que está lidando com um partido político, que está em processo de coleta de assinaturas para sua regularização para assim concorrer a cargos no governo.
Em seguida falou-se do levantamento de verbas para realizar dois encontros do povo guarani que eles consideram muito importantes para fortalecer a retomada. Aparentemente, o Raiz tinha ficado responsável por esta campanha, divulgando contas bancárias para que apoiadores fizessem essas doações. Parece que não chegaram nem perto do valor necessário – entretanto não se mencionaram valores, nem o quanto é necessário, nem o quanto foi arrecadado. Militantes do partido falaram então em realizar um projeto para conseguir verba através da Igreja Luterana. Nesse momento o Cacique André demon strou sua frustração, explicando que não entende por que o branco faz tanto projeto e projeto e nunca faz as coisas de fato.
“As burocracias existem pra que a gente não consiga fazer nada.” – Cacique Cirilo
Aparentemente, o que os guarani precisam para realizar os encontros são muitas taquaras para construir o telhado de 20 casas, transporte para essas taquaras e para os guarani de outras aldeias possam ir ao encontro e alimentação para o encontro.
“O juruá (homem-branco) adora fazer reunião. É reunião o tempo todo. Eu não agüento mais reunião. Daqui a pouco vou ficar branco de tanta reunião.” – Cacique Cirilo
Conclusões
Os mbyá-guarani demonstram ter uma visão autonomista, compatível com os valores anarquistas (como dá pra perceber pela citações dos caciques ao longo deste texto). Eles estão recebendo bastante apoio na área jurídica e inclusive com doações de alimentos. Entretanto parece que em alguns aspectos o apoio à retomada encontra-se preso nas burocracias das instituições que os apóiam.
Embora anarquistas e outros apoiadores autônomos tenham tido um papel importante na solidariedade com a Retomada Guarani, com produção audiovisual, transporte, organização de campanhas independentes de arrecadação de doações, ficamos com a impressão que eles são meio que deixado de lado pelas instituições, das quais não percebemos nenhum esforço com o compartilhamento de informações e criação de uma ampla rede de comunicação e articulação para os apoiadores da Retomada. Por exemplo, falou-se de em caso de “r eintegração de posse” pelo Estado, que todos fossem à aldeia prestar sua solidariedade com os guarani, mas não se falou de como se fará a comunicação para a difusão dessas informações para que um número significativo de apoiadores consiga comparecer de fato à aldeia. Quando perguntamos sobre a existência de algum canal de comunicação entre os apoiadores, as instituições foram reticentes e evasivas.
Também tememos que com a presença de partidos políticos, os mbyá-guarani possam ser usados e influenciados a apoiarem essas causas, que lhes são vendidas com as mais doces palavras.
Por essas duas razões – a falta de uma rede autônoma de apoio e solidariedade à Retomada Guarani, que faz com que muitos apoiadores não saibam como ajudar e se somar, e a presença de partidos políticos – achamos importante uma participação anarquista mais articulada e organizada. Sentimos que uma rede verdadeiramente autônoma é capaz de difundir as necessidades da Aldeia e engajar mais pessoas a se somar em solidariedade e defesa à essa retomada. Deixamos o convite para que entre em contato pelo nosso e-mail (coisapreta@bastardi.net) para construir essa articulação.
“Ninguém manda no Guarani. Ele que sabe como viver e onde viver. Somos livres pra ir onde quisermos. Os brancos não entendem isso.” – Cacique André
Fonte: https://coisapreta.noblogs.org/relato-da-reuniao-de-apoiadores-da-retomada-guarani-02042017/
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