Por Fernanda Câncio
Não há forma de saber em quem votam preferencialmente os portugueses emigrados em França. Há a ideia de que a maioria – ou uma parte considerável – vota na Frente Nacional, e de fato não é difícil nas reportagens em França encontrar portugueses que apoiam Marine Le Pen, mas com tantas intenções de voto nela na população geral, e especialmente na dita “classe operária” e pequena burguesia (à qual pertencerá a maioria dos luso-franceses), tal não será sur preendente. A não ser por um motivo, claro: todos ou quase todos os emigrantes entrevistados que declaram apoio a Le Pen dizem fazê-lo porque ela quer “endurecer a política da imigração”. Ouvir emigrantes a defender tal coisa não pode deixar de chocar. Primeiro, porque aquelas pessoas parecem não se dar conta da total contradição entre a sua situação e o que defendem; segundo, porque a explicação dessa ausência de noção é a ideia de que as políticas de Le Pen, apesar de esta insistir em usar a expressão “français de souche” (que pode ser traduzida como “francês de origem”, no sentido de “puro”) não se lhes dirigem porque eles são imigrantes “bons”, ou seja, europeus, brancos, cristãos, “esforçados” e “integrados” (aliás, Le Pen co stuma elogiar a imigração portuguesa nesses mesmos termos) – enfim, gente que “não arranja problemas”. Ou seja, muito simplesmente dito: a explicação desta ausência de noção, se pode ser entendida como pragmática (no sentido de que pensarão que mais imigrantes prejudicam os que já existem) é também xenófoba.
Há muito são adiantadas explicações sociológicas para esta alegada preponderância da extrema-direita na comunidade luso-francesa – a principal das quais tendo que ver com o fato de muita dela ter emigrado antes da instauração de um regime democrático em Portugal e portanto, paradoxalmente, apesar de o ter feito “a salto” (fora da lei) por viver em condições miseráveis, subscrever, por não conhecer outra, a cartilha do regime anterior. Mas, sejam quais forem os motivos, a ideia de que boa parte dos emigrantes portugueses no país onde há mais portugueses emigrados votam na extrema-direita choca com o comportamento dos eleitores em Portugal, considerado, com a Espanha, uma exceção numa Europa na qual a extrema-direita ganha balanço.
Mas talvez não haja choque algum. Qualquer pessoa que já tenha feito reportagem pelo país ou esteja atenta às discussões que permitam aferir da xenofobia dos intervenientes (nas redes sociais e fora delas) não pode deixar de se dar conta de que esse tipo de discurso não é de todo excepcional. Veja-se por exemplo o tratamento dado à comunidade cigana por algumas autarquias; o hábito arreigadíssimo de usar sapos em estabelecimentos comerciais para “afastar” os membros da etnia (prática denunciada no curta-metragem de Leonor Teles, Balada de um Batráquio, que ganhou o Urso de Ouro em 2016); a forma como se noticiam e normalizam os raides [operação militar] policiais em bairros de maioria negra e a profusão, no dia-a-dia, de atitudes e comentários racistas dirigidos a negros; a onda de indignação com a intenção da Câmara de Lisboa de financiar a construção de um centro comunitário que inclui uma mesquita.
Aliás, numa sondagem de 2016, efetuada para o arranque do programa da SIC E se fosse consigo, 16,4% dos inquiridos admitiram ser racistas e 11% disseram “não saber” ou não responderam, sendo 26,1% os que confessaram não apoiar um namoro do filho ou filha com alguém negro. E se 72,9% se afirmaram não racistas, 43,7% acham que os portugueses o são. Uma sondagem vale o que vale, claro – mas nos resultados do eurobarômetro de 2015 sobre discriminação as respostas dos portugueses, se dão a ver progressos no que respeita à aceitação de alguns grupos discriminados (nomeadamente LGBTQI), não se distinguem pela positiva face, por exemplo, às dos franceses.
Se os portugueses não forem menos xenófobos e racistas que os franceses, porque será então que isso não tem, em Portugal, correspondência no espectro político e nas intenções de voto? Talvez porque, ao contrário do que sucede noutros países que tiveram colônias, como França e Reino Unido, os grupos étnicos delas provenientes são praticamente invisíveis; não competem, não disputam lugares nem empregos “desejados”, não surgem como “uma amea&cced il;a” para os “portugueses puros” (para usar a horrível expressão de Le Pen), não exigem igualdade. Basta ligar a TV ou olhar para o Parlamento, passear no centro das principais cidades, frequentar restaurantes, bares, lojas – ou, o que é ainda mais aterrador, as escolas depoi s do secundário. Onde estão os negros portugueses? Em bolsas urbanas – os “bairros deles” – e de trabalho desconsiderado (obras, limpeza, etc.), nas “discotecas deles”, nos “restaurantes deles”. Não estão, decerto, nas redações dos jornais, das rádios, das TV. E, salvo raras exceções, estão calados. Não reivindicam, não se manifestam. Se Le Pen fosse portuguesa, podia dizer deles o que diz dos luso-franceses: “Portam-se bem.” Enquanto assim for, e continuar a haver uma tão diminuta presença muçulmana em Portugal, pode mos permanecer na ilusão da nossa “excepcionalidade”. E da nossa brandura política – filha, é claro, dos nossos brandos costumes.
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