Aos 80 anos e rodeado dos seus entes queridos em Sevilha, deixou-nos o escultor Juan Salcedo. Dizer apenas que era um homem bom, é pouco. Juan era muito mais, era um cidadão cuja grandeza repousava no fato de que nunca foi súdito de ninguém – “Livre até ao final”, diz o seu obituário -. E era um cidadão exemplar porque era intrinsecamente tolerante. E era paradigma de tolerância porque era forte, robusto nas suas convicções e até mesmo fisicamente – a sua arte assim o exigia-.
Como pude comprovar quando partilhamos prisão em Palencia, carregava nas veias a sua independência de critério e a sua desconfiança perante os truques da autoridade artificial. Desta distinguia perfeitamente da autoridade natural, àqueles que chamamos “os nossos grandes”. Como escultor de “nascimento” que foi, respeitava os grandes artistas mas sabendo que poucos dos oficialmente grandes, o são de verdade. Juan se inclinou para a arte clássica, a realista, a naturalista, a figurativa, como a queiram chamar. Por isso, a sua obra é duradora, porque nunca caiu em efêmeras extravagâncias.
Acusado de pertencer às Juventudes Libertárias, em 1963, Juan Salcedo foi condenado a duas penas de morte que logo foram comutadas pelo que chamam nas cadeias “uma ruína”- incontáveis anos. Cumpriu pena nas cadeias de Sevilha, Madrid, Jaén, Burgos, Segovia e Palencia. Não saiu à rua até depois da morte de Franco. Não se necessita ser profeta ou psicanalista para imaginar a amputação na vida e na arte que sofreu nosso querido Juan. Na vida porque só tinha 26 anos quando, ao deixar a França, foi capturado. Na arte porque, sendo escultor de verdade, daqueles que suam, soldam e martelam, viu-se proibido de trabalhar o ferro. Em Palencia o vi limitar-se ao desenho: aquelas mãos nascidas para brincar com os metais agora viam-se obrigadas a mexer com cartolinas nas quais criava desenhos a tinta da chi na com milhares de pontos e linhas firmes. Suas três dimensões se tinham reduzido a duas. Traumático? Sem dúvida, mas nunca o ouvi queixar-se; pelo contrário, adaptou-se com toda a serenidade e alegria. Deprimido em Palencia após doze anos fechado… Franco vivo e tudo interminável? Quem pergunte é porque nunca conheceu Juan.
Chegado ao que agora sabemos que foi a metade da sua vida, os quarenta anos, sai em liberdade e se aposenta em Sevilha onde conhece Pilar e com quem tem a sua filha Eva, uma família que é o vivo exemplo da tolerância interna e externa. E da elegância porque, quem, depois de tantos anos de tortura, se atreveria a tratar com a simplicidade que só é patrimônio dos sábios a todas as classes sociais? Pois, evidentemente, Salcedo. Juan tratava igual os deserdados e os poderosos -o que pude comprovar-. Isso é elegância e o resto, vaidade de vaidades.
Salcedo volta às suas amadas ferragens, fundições e bronzes e, como não podia ser menos, a sua arte é muito apreciada. Anos depois, muda-se para Islantilla, para uma casa na praia onde pode instalar a sua oficina num barracão. Será aí onde, entre muitas outras obras, cria “As Mãos”, umas enormes mãos de bronze que agora enaltecem uma avenida na mesma localidade. Umas mãos mais humanas que as anatômicas porque estão permanentemente entrelaçadas, unidas nas adversidades e nas diversidades, definitivamente, na busca conjunta de liberdade. Por isso, foi lógico que, quando faleceu o escultor, As Mãos receberam uma oferenda de flores vermelhas e um tecido negro.
Para os universitários rebeldes dos anos setenta, Bujalance era uma aldeia mítica, não porque ali houve em 1933 um grande levantamento anarcossindicalista nem tampouco porque foi a base dos guerrilheiros Los Jubiles -nossa instrução não chegava a tanto-, se não porque ali nasceu Juan Díaz del Moral e ali exerceu de notário enquanto escrevia uma obra que foi fundamental na educação histórica dos esquerdistas de antigamente: História das Agitações Campesinas Andaluzas (1929). Pois agora podemos dizer que Bujalance tem dois filhos autenticamente nobres e os dois se chamam Juan. Um, o dos bons arquivos; ou tro, o das Boas Mãos.
Juan Salcedo Martín (27.VI.1936, Bujalance-11.IV.2017, Sevilha), companheiro, Sit tibi Terra levis.
Antonio Pérez
Fonte: http://fal.cnt.es/?q=node/37499
Tradução > Joana Caetano
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agência de notícias anarquistas-ana
É comigo
que vou parar
no chão
Marien Calixte
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!
Um puta exemplo! E que se foda o Estado espanhol e do mundo todo!
artes mais que necessári(A)!
Eu queria levar minha banquinha de materiais, esse semestre tudo que tenho é com a temática Edson Passeti - tenho…