Após a repressão da comunidade mapuche em Lof Cushamen, há uma pessoa desaparecida. Trata-se de Santiago Maldonado. Várias testemunhas indicam que na fuga, Santiago não atravessou o rio para o qual os outros escaparam, e foi capturado pela Gendarmeria [Polícia Nacional]. No entanto, não há nenhuma informação sobre o seu paradeiro. Enquanto isso, Lonko Facundo Jones Huala ainda está na prisão e em greve de fome. Isabel Huala, sua mãe, pediu o aparecimento de Maldonado e a liberdade de seu filho. Ela contou como foram as repressões desta semana, se referiu à demonização da mídia tradicional e descreveu o que aconteceu como Terrorismo de Estado.
Por La Retaguardia
Isabel Huala, falou com Fernando Tebele no programa de rádio “La Retaguardia” e não hesitou em qualificar severamente a contínua repressão do Estado que os mapuches têm sofrido há muito tempo. Também analisou a história dos sofrimentos de sua comunidade: “Isso se chama de violência política, institucional e Terrorismo de Estado. Não tem outro nome. Nesta área, há mais de 130 anos que sofremos o Terrorismo de Estado, com a Conquista do Deserto e depois, eventualmente, com a Operação Condor. Isto não é novo. Que foi deixado um pouco esquecido ou oculto, não significa que não farão as mesmas coisas novamente. Temos a certeza de que é uma perseguição política para com Facundo. Quando atacam Facundo, atingem a família e o povo mapuche”, advertiu.
Em seguida deu sua sensação sobre a liberação de sua família e companheiros: “Agora um pouco mais tranquila porque já liberaram os 9 detidos da repressão de segunda-feira. Meu filho Fausto, que foi ferido em janeiro, esteve preso esses dias. Também meu sobrinho Emilio e minha sobrinha Romina, que são irmãos. Meu outro sobrinho, Santiago, os lamien e outros companheiros que também foram detidos por pedir a liberdade de Lonko Facundo Jones Huala, meu filho mais velho”, contou.
Entre os fatos, o Clarín [principal jornal argentino] denunciou um incêndio em La Trochita, Esquel, responsabilizando os mapuches, mas Isabel disse ter sérias dúvidas sobre a responsabilidade atribuída aos membros de sua comunidade: “Eu vi as fotos em vários jornais e em vários meios de comunicação do que se queimou. Se foram os mapuches eu tenho minhas dúvidas. Tem havido muitos incêndios e eles culparam Facundo ou os mapuches. Em muitos dos incêndios aparecem os panfletos ou os papéis todos organizados que supostamente deixam os mapuches, inclusive onde houve chuva, neve e geada. Eles aparecem intactos, sem estarem molhados, no meio de um pampa. Onde houve grandes incêndios aparecem sem sequer queimar. Onde os bombeiros foram jogando água para apagar os incêndios, o papel aparece sem ter queimado e sem os bombeiros os terem atingido com a água. Tenho minhas dúvidas”, ratificou a mãe de Jonas Huala.
Santiago Maldonado está desaparecido
O desaparecimento de Santiago Maldonado, após a repressão em Lof Cushamen, é o mais preocupante nesta onda de violência e perseguição contra a comunidade mapuche. Isabel apontou as relações políticas do grupo Benetton com a Ministra da Segurança Interna, Patricia Bullrich, e confirmou que eles não têm nenhuma informação sobre o paradeiro do jovem: “Não pode saber ainda. A última coisa que se sabe é que a polícia o levou. Eles o viram. As pessoas que estavam fugindo das balas 9 milímetros e das balas de borracha, viram que a polícia agarrou-o e levou-o. Ninguém sabe nada sobre ele. Parentes dele viajaram para Bariloche para poder fazer a denúncia. Apresentações foram feitas em Esquel. Está sendo procurado em Esquel, em Bolsón, em Bariloche, em Maitén e em todos os lugares possíveis das dependências da Benetton ou de serviços da Benetton. Hoje estão todos sob as ordens da Benetton, tanto a Gendarmeria como todas as forças de segurança. Parece que estão de mãos dadas com a (Patricia) Bullrich, porque a Benetton manda”, explicou.
E acrescentou: “Estamos muito preocupados por isso, mais até do que a liberação dos nove detidos. O nome dele é Santiago Maldonado. É de La Plata. Ele veio morar em El Bolsón. Quando soube da detenção de Lonko, veio ajudar a comunidade. Agora também é responsabilidade da Lof encontrá-lo porque o levaram da comunidade”.
A repressão
Isabel relatou o que as forças repressivas significaram, mais uma vez, entre tantas outras. Ela também denunciou a perseguição contra todos os povos nativos, como com os wichí em Formosa e deixou um pedido específico: “Eles queimaram tudo. Queimaram barracas, casas, móveis, cadeiras, colchões, cobertores e roupas. Todas as sementes que estavam prontas para semear nesta temporada foram queimadas. Levaram todas as ferramentas e motosserras. Os colchões novos que tinham sido doados recentemente foram carregados nos caminhões e levados embora. Na terça-feira, na detenção dos lamien, de um dos meus sobrinhos aqui em Bariloche, a polícia de Río Negro roubou o salário que tinha sido cobrado por seu dia de trabalho. Tiraram de sua mochila, além de lhes bater, insultá-lo e machucá-lo”.
Esclareceu ela que “somos índios folclóricos e bons quando estamos quietinhos. Quando não levantamos as nossas vozes, quando não lutamos pelos nossos direitos ou pelo nosso território. Quando começamos a lutar, a gritar e a levantar a voz, nos tornamos os violentos, os maus e os não argentinos. Eu não sou argentina nem chilena. Sou mapuche. Sou preexistente aos dois Estados. Não quero construir outra nação. Quero que reconheçam minha identidade e me devolvam a dignidade como mapuche”, afirmou convencida.
A situação de Facundo Jones Huala e o papel da mídia
Facundo ainda está em greve de fome e está na Unidade 14. “Esta ditadura devolveu a verdade que produz muito medo. Muito medo de que apareça sem vida. Muito medo de que não só comecem a faze em Lof, mas que também façam com pessoas oprimidas. Com o trabalhador que está sem o seu salário e sem o seu modo de vida. Que comecem a fazê-lo também com todas as pessoas”, explicou a mãe de Jones Huala.
Ela também se referiu à mídia, “a coisa mais assustadora é as pessoas adormecidas. As pessoas acreditam no Clarín, no diário de Río Negro, no diário Jornada, na Red 43. Há tantos meios de in-comunicação que saem para dizer atrocidades, como a TN também, que agora se retratava e veio querendo tomar uma nota ao Lonko e queria também que me manifestasse, aqui no meu território. Eu não a dei”.
Isabel se encarregou de apontar para os líderes políticos responsáveis desta situação e pediu-lhes para anular o julgamento contra seu filho: “Tudo o que está acontecendo, além da mídia, há muito poucas pessoas que podem remediá-lo. Uma é a Corte Suprema que tem de manifestar-se no caso de Facundo. Eles não podem fazer um julgamento duplo quando houve um julgamento no ano passado e foi anulado. Exijo que a Corte Suprema diga alguma coisa e anule este novo julgamento que o juiz quer fazer (Gustavo) Villanueva. É ilegal. Ele está sendo sequestrado na prisão de Esquel. Eles o levaram daqui, de Bariloche, para Esquel, quando duas semanas antes não havia aviões para trazer comida para os animais e nosso povo atingido pela cheia do rio, em Maitén e Cushamen. Toda esta área foi isolada pela neve. Eles fizeram este grande teatro para que descobríssemos pelos meios de in-comunicação e nem sequer dar um telefonema para chamar a família e dizer que eles tinham atrasado no (Posto) Villegas ou dizer-nos que ia ser transferido para Esquel tal dia. Eles não puderam fazer isso, e eles não puderam ajudar as pessoas que realmente precisavam”.
“É claro para mim que a Corte Suprema, o presidente (Mauricio) Macri, a Ministra Bullrich, (Mario) das Neves, Weretilneck e todos os idiotas de plantão que estão neste momento eleitos pelo povo, que está adormecido e continua a reproduzir as grandes mentiras que trazem a mídia e os meios de in-comunicação, são os únicos responsáveis. Da saúde do meu filho por estar em greve de fome. Do que chegue a acontecer com Santiago Maldonado. Desses dias que estiveram presos todos esses meninos, meus sobrinhos, meus mapuches e meus lamien, que perderam dias de trabalho, perderam dias de estar com seus filhos. As únicas pessoas responsáveis são os idiotas de plantão. Também a presidente Bachelet porque se junta para fazer acordos com Macri e as preocupações que menos têm é com as crianças mapuche, com o povo mapuche e seguem a matar mapuches em Gulumapu”, denunciou.
Para terminar, Isabel Huala deixou uma reflexão sobre as injustiças que existem com os povos nativos e a enorme discriminação contra eles. Assegurou que eles não estão com medo e que eles vão continuar a lutar para restaurar a dignidade. “É muito triste que isso esteja acontecendo. É muito triste ver nas redes sociais a quantidade de absurdos racistas que as pessoas dizem. Todos pensam que são europeus. Todos eles desceram dos barcos, mas eles não devem esquecer que quando eles saíram dos barcos foi porque lá estavam famintos, porque lá estavam em guerra. É por isso que tiveram que vir para esta região. Eles não vieram aqui com bolsos cheios. Eles vieram para tirar a terra de nós, em cumplicidade com o Estado argentino e o Estado chileno”.
Ela deixou claro que hoje eles pedem justiça e dignidade e que isso lhes serão devolvidos, reconhecendo o genocídio que fizeram com todos os povos nativos. “Eles mataram-nos, massacraram-nos. Hoje vamos levantar-nos e vamos continuar a levantar. Não estamos mais com medo. Não temos mais medo da repressão. Não temos medo das balas. Não temos medo de todo esse aparato. Não temos medo de sua justiça, porque sabemos que foi feita sobre o sangue de nossos antepassados”, advertiu a mãe de Facundo.
Isabel Huala enviou força para todos aqueles e aquelas que lutam, para os povos nativos do Norte, para Santillán – que também está em greve de fome como meu filho -, “um grande abraço e muito newen”, concluiu.
O discurso de Isabel é duro. É difícil de ouvir para boa parte da população. São tantos anos de pilhagem e perseguição que talvez os mapuche que tentam se levantar não podem medir se estão ante um governo mais repressivo do que os anteriores, ou se são expostos para que o governo possa usá-los e dar uma mensagem exemplar. Pesam os anos. E não parece que exista algo mais para acalmá-los que respeitar os seus direitos, que lhes devolvam parte de suas terras arrancadas a sangue e fogo, para serem capazes de viver em harmonia com a natureza de acordo com sua visão de mundo. O Estado parece ter respondido com o pior das repressões. Com uma pessoa desaparecida. Novamente, com uma pessoa desaparecida.
Fonte: https://latinta.com.ar/2017/08/indios-buenos-calladitos-peleamos-violentos/
Tradução > Liberto
Conteúdos relacionados:
agência de notícias anarquistas-ana
Pequena flor
Sol contido na cor
Ipê amarelo
Luciana Bortoletto
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!