A anarquista morre aos 100 anos sem saber onde estão os restos de sua irmã María, assassinada 81 anos atrás.
Por José Luis Gutiérrez Molina | 11 de agosto de 2017
Ontem, onze de agosto, faleceu em sua casa de Montauban Catalina Silva Cruz. Tinha 100 anos e pouco mais de oito meses. Com ela desaparece o último testemunho vivo da matança de “Casas Viejas”. Afortunadamente nos deixou seu relato em uma entrevista de várias horas cujo “bruto” vai merecer inclusive o tratamento de Bem de Interesse Cultural naquela, nunca nascida, apesar das reiteradas promessas, declaração do ano 2009.
Catalina Silva foi uma lutadora sempre. Antes de janeiro de 1933, no grupo anarquista feminino Amor e Harmonia ao qual pertenceu junto a sua irmã María e sua amiga Manolita Lago. Durante os Acontecimentos, por atrever-se a chegar até a choça enquanto estava assediada. Depois, em 1936, após o golpe de Estado, ajudando a fugir os moradores de Paterna e escapando ela mesma após o assassinato de sua irmã. Valor e luta que manteve na fuga contínua até a fronteira francesa e ainda no país vizinho acossada pela ocupação nazi e a desconfiança das autoridades francesas nos milhares de anarcossindicalistas refugiados no sul do país.
Inclusive nos piores momentos, segundo dizia, nunca esqueceu aquela noite invernal de janeiro de 1933 quando, o sol da esperança revolucionária foi substituído pelas chamas da repressão mais desapiedada. Noite após noite recordava o vivido ainda que não fosse até entrado o presente século quando saiu do anonimato no qual voluntariamente se havia mantido. Foi durante a preparação do livro que escrevi sobre Miguel Pérez Cordón, o companheiro de María Silva. Tive a imensa fortuna não só de conseguir seu testemunho mas de abrir um tempo de amizade e carinho com ela, sua filha Estrella e seus filhos Augusto e Universo.
Catalina, como outros Silva, não teve sorte com o país onde lhe tocou nascer e cuja nacionalidade nunca renunciou apesar de viver na França quase oitenta anos. Toda uma vida. Não teve sorte porque sempre esteve no grupo dos perdedores, dos que perderam em 1933, em 1936-1939, no exílio e após a morte do ditador quando entrou a fazer parte dos esquecidos e dos que não gostaram do que viram quando regressaram, em breves viagens, a sua terra e localidade natal. Mas a ela, como a tantos outros, isso certamente que não lhe importava. Sabia que enquanto que esta sociedade esteja como está organizada, seu lugar seria esse. Nunca deixaria de ser uma lembrança para os poderosos, sejam quem sejam, de que o pior que lhes pode acontecer a eles é que existam pessoas conscientes e lutadoras, como ela, às quais quanto mais longe esteja, melhor.
No entanto, e não vou ser muito original, a história tem suas ironias. Hoje pela tarde, quando os restos de Catalina sejam depositados na tumba familiar do cemitério de Montauban, apenas umas dezenas de metros os separaram dos do responsável político último dos assassinatos de “Casas Viejas”: o então presidente do governo da república espanhola, Manuel Azaña. Aquele que sacrificou o interesse coletivo do país pelo particular de quem ocupava o poder.
Catalina, como outras dezenas de milhares de espanhóis, se vai sem conhecer onde estão os restos de sua irmã María que foi assassinada, dentro de uns dias fará 81 anos. Em silêncio, sem fazer ruído como viveu. O tempo passou por ela, apesar de seus 100 anos, demasiado rápido para os ritmos de uma sociedade e uma administração, a todos seus níveis, como os atuais do Reino de Espanha.
Catalina que a terra te seja leve. Sempre viverás em nossos corações.
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
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