Há 10 anos que reúne as experiências dos jovens que se rebelaram contra a autoridade na Barcelona dos anos 60 e 70
Por Gemma Tramullas | 02/08/2017
Por ocasião de uma investigação sobre a produção gráfica do anarquismo, O Observatório da Vida Cotidiana (L’Observatori de la Vida Quotidiana) reuniu no passado dia 19 de julho na La Virreina várias pessoas que viveram o chamado “Curtíssimo Verão da Anarquia”, que abalou a Barcelona de 1977. Um desses testemunhos foi o de Canti Casanovas (Barcelona, 1951), que tocou com o Ssnifferss no grandioso comício da CNT em Montjuïc e participou das Jornadas Libertárias do Park Güell. Convidamo-lo a regressar ao local dos fatos.
– De onde vem o seu nome, Canti? Na verdade, meu nome é Josep Maria. Em 1973 eu editei uma revista intitulada “Cantidades” e, portanto, o pseudônimo, com o qual eu continuei a assinar desenhos em outras publicações.
– “Cantidades” de quê? Era uma revista que não pretendia ser nada mais do que uma espécie de personificação de uma experiência lisérgica através de desenhos.
– O LSD era a droga da época. Não quero fazer proselitismo, mas o LSD teve um efeito cultural. Tomados em comunidade, em determinadas áreas, esta substância permitiu-nos viver a experiência de quebrar a fronteira do tempo. Muitos jovens perceberam que o tempo que temos aqui não existe realmente e que mudou nossas vidas.
– Em que sentido? Depois de tal experiência, o único sentimento que lhe resta é o amor pelos outros. O ego se dissolve no grupo, que passa a ser a coisa mais importante. Você também pode chegar a esta conclusão por outros sistemas, é claro, mas você viu um retrato tão perfeito da figura de um pai autoritário ou de um guarda civil ou do que for, que você diz: “Eu não quero ser assim”.
– Este foi um dos ingredientes da revolta juvenil dos anos 60 e 70. Jovens desclassificados nos encontrávamos no Gótic e convertemos o bar London, a praça do Rei e algum outro bar em salas de leitura onde devorávamos a Hesse, Baudelaire, Artaud ou García Márquez. Foi o início de um movimento contracultural autóctone em Barcelona. Pensávamos que éramos quatro gatos pingados, mas éramos milhares. Pela primeira vez, a juventude tinha consciência como sujeito político.
– Há 10 anos que reúne estas experiências no site La Web SenseNom (lwsn.net). A memória de nossa juventude não existe, foi encurralada ou reduzida a seus elementos mais folclóricos. Entre a narrativa dos fatos políticos da época e o que a nostalgia perverteu, há toda uma experiência humana, micro-histórias que não são explicadas, então eu tentei colocar os meios para as pessoas falarem. Remover essas memórias às vezes dói. Não podemos esquecer que a AIDS matou muita gente.
– Que interesse essas histórias têm para o público em geral? Falamos sobre o número de pessoas que queriam ter uma experiência total de vida, que não se vendeu por um trabalho alienante em um escritório porque queria fazer da sua vida algo revolucionário e a revolução começa com si mesmo. Estes jovens não fracassaram em todas as suas propostas. Desde então, nada voltou a ser o mesmo: nem a sexualidade, nem a família, nem a religião…
– O que você acha vendo o Parque Güell convertido em uma atração turística? Se damos um valor monetário para tudo não chegaremos a lugar nenhum. O Parque Güell era um espaço livre e não acho que seja necessário transformá-lo em um negócio. Tenho a sensação de que vivemos no dia da marmota: se levanta todos os dias e tudo permanece igual, e tens que começar de novo. Mas como dizem os versos de García Lorca: o sonho vai sobre o tempo, a flutuar como um veleiro/ninguém pode abrir sementes no coração do sonho. O tempo nos faz escravos, mas além do tempo nossos sonhos continuarão.
– Você nunca jogou a toalha. Refirmou a ideia fundamental da acracia. A raça humana pode viver perfeitamente sem que exista um poder centralizado e, na verdade, a sociedade não iria funcionar se não houvesse redes de solidariedade entre as pessoas.
Tradução > Liberto
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