> Memória. Há 15 anos, a “ANA” divulgava…
“Somos mesoperiferia geopoliticamente fetais. Adolescentes até que sua mente desinjete o preconceito voraz que o torna melhor e nunca apodrecidamente adulto à espera de que nos reconheça. Apenas seremos íntimos sob nossas luzes, sempre por esperar que o arco-íris nunca tenha apenas um único dono”. Assim são os “mesoperiféricos”, que carregam como idéia principal à de dar identidade à cultura do subúrbio e levar sua linguagem e expressão até outras periferias paulistanas. A seguir, um bate-papo que a ANA teve com o Movimento Mesoperiferia.
Agência de Notícias Anarquistas > O que é Mesoperiferia?
Movimento Mesoperiferia < Mesoperiferia é um neologismo inventado para tentar descrever uma parte da zona norte da cidade de São Paulo, situada entre o centro (sendo por nós entendido vários centros), e entre outros bairros que constituem a região próxima à Fernão Dias, Tucuruvi, Jaçanã etc. Quando se fala em descrição, toma-se por base uma ferramenta de descrição mais artística, mais literária e poética, não deixando de lado, evidentemente, a formação cultural heterogênea do grupo mesoperiférico. Enfim, só para ilustrar, ou melhor, para imaginar/sentir foram criados alguns personagens que seriam a personificação de neuras do grupo (que é também reflexado na meso em geral) e desafios a que o grupo se submete desde que nasceu mesoperiférico e que, muitas vezes, nem se sabe disso! O totem monstro mesoperiférico é um exemplo desta grande brincadeira séria.
ANA > Caramba, então fale de alguns desses personagens…
MM < Um deles é conhecido como Epeligrindos de Gúncios. Trata-se de uma voz dentre as inúmeras aqui existentes, que tentam descrever a região e seu inconsciente coletivo. Sem dúvida é um personagem requintado para a região, pois sua linguagem é um tanto hermética a princípio. Aos poucos, ele vai ganhar novas formas de expressão que se coadunem mais com o espaço/cultura mesoperiférica. Outro personagem-ícone é o monstro-totem-mesoperiférico. Ele representa as contradições existentes no grupo e na meso, e sua criação prevê, em seguida, sua auto-destruição por nunca constituir-se de resposta acabada e ação rotineira.
ANA > Quando nasceu o grupo? Em que contexto?
MM < Quando nasceu é difícil de mensurar. Já havia na região, antes de minha mudança para lá, um grupo de pessoas que elaboravam e realizavam uma série de discussões, principalmente sobre política, educação e arte. A primeira reunião, que, creio, fizemos para discutir a montagem de um movimento foi em Novembro de 2001, quando quatro pessoas do grupo se reuniram para pensar qual seria nossa intervenção cultural na região que habitávamos. Respondendo a segunda questão, foi num contexto, digamos, de falta de ânimo do grupo com a atuação do partido que ainda hoje nutrem certa simpatia. Como aconteceu em diversos lugares e com grupos variados, carregaram muito piano, mas na ora de ouvir o concerto não havia espaço no auditório. E, como em muitos outros grupos, também, achavam que não poderiam construir absolutamente nada que não girasse ao redor do partido.
ANA > Mas o grupo de vocês é autônomo, ou tem alguma ligação com partidos? Aliás, vocês abraçam as idéias libertárias?
MM < Não tem ligação com partido. Como disse, a maioria do grupo teve algum tipo de experiência com partido político e alguns ainda tem alguma proximidade. Mas a maioria concorda que as idéias libertárias são as verdadeiras responsáveis por formar censo crítico e vontades que a burocracia partidária destrói. Por outro lado, houve um consenso do grupo em votar em Lula. Não somos idiotas para acreditar em mudanças profundas em nossa sociedade, mas, com os pseudogovernos de esquerda no poder, excetuando os regimes totalitários, há uma grande possibilidade de organização de movimentos populares.
ANA > Como assim “grande possibilidade de organização de movimentos populares”? Eu penso o contrário, com movimentos sociais tão frágeis, tão na mão da esquerda que está assumindo o poder em 2003, a tendência é que se acomodem ainda mais, ou dêem uma trégua para o governo petista. Em Santos mesmo, que teve uma das primeiras prefeituras petistas do Brasil assumindo o poder, o pensamento era o mesmo do que você fala, que os movimentos ficariam mais fortalecidos, mas foi tudo ao contrário, os movimentos sociais ficaram ainda mais fracos, com os “cabeças” assumindo cargos, institucionalizando a luta…
MM < Bueno, tudo é uma questão de fé. Não somente a fé que move religiões e religiosos. A fé que move grandes idéias, grandes filmes e obras literárias. A fé que ainda acredita na humanidade. Enfim, acreditar em algo, que pode ser feito. Se Deus, realmente, joga dados, temos que, ao invés de ser os dados, tentar roubar-lhe o copo que os comporta, ser a mão-copo. Não temos nenhum paralelo histórico nos países subdesenvolvidos que tenham colocado uma figura como Lula no poder. E, se existir algum, o contexto será diferente. As forças de reações serão diferentes. Temos uma convicção que haverá algumas mudanças. Social Democrata? Talvez. Creio que este é o destino do PT. Mas o mais importante é pensarmos que não é um intelectual, não é um economista, não é empresário. É uma cara que se ralou muito na vida, conheceu a miséria e sabe o que é um atendimento num sistema público de saúde. Nunca alguém assim chegou ao poder. A fé está justamente aí. Em acreditar que esta mudança que nos foi jogada pode causar novas experiências e novas formas de pensar o começo do milênio. Se errarmos, temos total consciência de que aqueles votos em Lula foram revestidos de algum tipo de fé. E que encontraremos novo sentido de fé, quando quisermos derrubá-lo para construir, de novo, algo, diferente e libertário. Agora com a certeza de que com torneiro mecânico ou não, nada poderá haver além de algo novo e diferente.
ANA > Que análise vocês fazem do governo petista da prefeita Marta?
MM < O governo da Marta em São Paulo é como outro qualquer, travestido de uma hipócrita idéia de que seus assessores e ela própria são a essência da verdade. Por outro lado, a gente que trabalha com movimentos, em ONGs e sindicatos, nota uma grande movimento no querer fazer, participar, encontrar soluções que havia hibernado no governo Maluf-Pita. Um exemplo é o Movimento Hip Hop está crescendo em todo Brasil. Organizamos na Ação Educativa a 2ª Semana de Cultura Hip Hop, que contou com a presença de muitos jovens que queriam falar, se expressar. Enfim, não podemos sair do meio onde as coisas acontecem sinceramente, embora temos que entender que nem todos querem participar, nem todos querem aprender mesmo que tenham chance. Querem se dar bem e phoda-se!!! Com todo direito que possuem.
ANA > O que o grupo faz, promove na periferia da zona (norte) de São Paulo?
MM < Muitos dos projetos ainda estão em fase de construção. O projeto que está em andamento, e que puxará uma série de outros é o da Cicloesia: poesia em movimento. Foi inventado a partir da observação de que o grupo possuía dois pontos em comum: gostavam de andar de bicicleta e cultivavam o gosto por imagens (cinema, foto, etc.) e letras (poesias, textos, etc.). Deste interesse, começou-se a discutir pequenos roteiros ao redor da zona norte, com o intuito de conhecê-la melhor e fotografar cenas que raramente paramos para ver/sentir em virtude da rapidez e frieza relacionada ao capitalismo depredador de sentimentos e emoções. Coletado este material idealizamos organizar pequenas exposições para a comunidade em escolas ou mesmo nas ruas, para que possa ser apreciado por todos. Enfim, mostrar aos moradores que existe algum tipo de produção e incentivo cultural na região. Nesses percursos, também, são feitas pequenas intervenções ecológicas, como a limpeza de alguns canteiros que contém árvores antigas e tratamento de sua terra com adubo (desta temos algumas fotos que em breve colocaremos em nosso site). O próximo passo é elaborar um roteiro mais consistente, com pontos que contenham alguma forma de expressão artística e cultural na região e ampliar os participantes do grupo. Outro projeto que está funcionando é o site, que deverá receber uma janela para memória do bairro com declarações de antigos moradores da região. Enfim, a gente vai fazendo, avaliando sem necessariamente precisar de um crivo acadêmico.
ANA > Legal essa história da cicloesia… Mas vocês estandardizam as poesias, fotos… nas bicicletas?
MM < Não. Confeccionamos uma camisa com os dizeres Cicloesia – poesia em movimento (na Frente) e Mesoperiferia (atrás). A idéia é fotografarmos a região, incluir textos e fazer exposições nas ruas com o material. Mas há muito ainda a fazer.
ANA > E o trabalho de vocês está sendo “assimilado” pela população “periférica”?
MM < Participamos, recentemente, de uma reunião com alguns grupos da região. A idéia era fazer uma grande Festa em Homenagem a Zumbi dos Palmares, dentro da Semana de Consciência Negra. Quando tudo parecia resolvido, um vendaval levou todo nosso entusiasmo. Talvez o show marcado para o dia 24 de Novembro aqui no J. Brasil, nem saia. O que aconteceu? Grupos muito ligados a partidos e intolerantes puseram seu projeto pessoal acima do trabalho comunitário. Enfim, isto é um exemplo do que iremos enfrentar. Por outro lado, muita gente nos para na rua e pergunta do que se trata aqueles nomes estranhos: mesoperiferia/cicloesia… Creio que alcançaremos, daqui alguns meses, uma maior participação da comunidade, quando começarmos a distribuir nossos panfletos e esclarecendo a população sobre nossos projetos.
ANA > Me parece que as idéias de Lao Tsé estão muito presentes na trabalho de vocês, não?
MM < (risos) Não há dúvidas que sobra orientalismo em nossas propostas. No “Perfeito Tao”, logo na primeira estrofe, do Tao Te Ching, ele diz: “O Tao de quem se pode falar/Nunca será o Tao Absoluto/Os nomes que podem ser dados/Nunca são os verdadeiros nomes”. Existe um versão de que quem escreviam os poemas de Lao Tsé, na verdade, era um grupo e isto, além do fato de trabalharmos muito com a intuição e renegar o positivismo, nos coloca próximo às teorias de Lao Tsé.
ANA > E essa história de “Festa da Árvore” veio de onde?
MM < A festa já existia. Um de nossos amigos mesoperiféricos possui um quintal extremamente bucólico. Daí, para a festa da árvore, onde são apreciados vários prazeres, foi uma questão, apenas, de nomenclatura. Aproveitamos a festa para apresentar textos, poesias, músicas, enfim, criações do grupo e dos convidados. Atualmente ela está restrita, mas gostaríamos mesmo de levá-la pras ruas, praças etc., junto com o Monstro Totem Mesoperiférico: uma grande festa da comunidade.
ANA > Você está preparando um livro, do que se trata?
MM < O livro só poderia chamar-se Mesoperiferia, pois faz parte do projeto levar informações de nossa região à outras plagas. Podemos classificá-lo como um pequeno romance escrito em prosa poética. Recentemente ele foi classificado num concurso da USP chamado Nascente, mas na verdade, não estamos dando muita importância ao prêmio e sim na possibilidade de dar voz ao movimento. Outro colega, o Igor, também participou de um concurso do Metrô, mas como era muito erótico, deve ter causado calafrios aos examinadores. A Mesoperiferia também tem alguns trechos eróticos, mas creio que os examinadores são menos conservadores (talvez). Enfim, é um livro que de certa forma, canta a periferia através de uma de suas múltiplas linguagens.
ANA > Creio que já tomei muito do tempo de vocês, assim, nada mais, quer dizer, acrescentem algo…
MM < Gostamos muito das perguntas e de poder esclarecer mais sobre nosso movimento. Achamos seu trabalho muito interessante e, com certeza, leremos sempre as outras entrevistas para que possamos entender melhor o que são os outros e o que nós somos.
Um grande abraço,
Movimento Mesoperiferia (mesoperiferia@ig.com.br)
agência de notícias anarquistas-ana
As ondas beijam
os lábios da praia –
bocas do mar
Carlos Seabra
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!