Protesto contra a estátua do Padre António Vieira foi impedido por grupo de extrema-direita, diz ativista.
Por Nicolau Ferreira
Uma manifestação marcada em Lisboa para a tarde desta quinta-feira (05/10) com o objetivo de protestar contra uma estátua do padre António Vieira, colocada recentemente no Largo Trindade Coelho, não conseguiu realizar a ação a que se tinha proposto: pôr flores ao pé da estátua e fazer uma performance poética. A causa para o impedimento foi a presença de um grupo da extrema-direita.
“Na tal democracia, estamos neste momento cercados por neonazis”, escreveu esta tarde, no Facebook, Mamadou Ba, dirigente da associação SOS Racismo, e um dos integrantes da organização “Descolonizando”. Esta organização marcou a manifestação e integra “investigadores, professores, artistas e ativistas de diversas nacionalidades” com o objetivo de “refletir, discutir e agir promovendo a construção de uma narrativa crítica, para a eliminação do racismo e da desigualdade”, segundo a página no Facebook.
O cartaz do protesto, intitulado “Descolonizando Padre António Vieira”, resume o que estava em causa para esta organização e o que motivou o protesto: “Não aceitamos essa estátua. Com a colaboração da Igreja, mais de seis milhões de africanos foram escravizados pelos portugueses no tráfico transatlântico. Padre António Vieira era um escravagista seletivo. A colonização portuguesa no final do século XVI já tinha dizimado 90% da população indígena. A evangelização jesuíta foi a maior responsável pelo etnocídio ameríndio.” No cartaz, havia ainda um pedido a quem se juntasse ao protesto para levar flores, cartazes e velas que iriam integrar uma homenagem ao povo ameríndio na praça.
A manifestação, marcada para as 15 horas, tinha sido comunicada à Câmara Municipal de Lisboa, segundo Mamadou Ba. Mas quando os integrantes do protesto chegaram ao local foram surpreendidos, adiantou Mamadou Ba. “A estátua estava já cercada com elementos dos hammerskins [um dos grupos mais violentos da extrema-direita]”, disse o ativista ao PÚBLICO, ao fim da tarde, por telefone.
O PÚBLICO não esteve no local, mas numa fotografia colocada num comentário a um post de Mamadou Ba, no Facebook, identificam-se cerca de uma dezena de pessoas à frente da estátua com várias bandeiras de Portugal. Pelo menos um dos homens tinha uma camiseta com o símbolo dos hammerskins. No chão, tinha sido colocada uma faixa com a mensagem “Portugueses primeiro!” e o símbolo da cruz de malta entre as duas palavras.
Os organizadores da manifestação falaram com agentes da PSP que estavam no local, explicando que queriam ter acesso à estátua. “Pediram-nos para esperar”, conta Mamadou Ba. Durante duas horas, esperaram que o grupo de extrema-direita saísse de lá. Segundo Mamadou Ba, o número de pessoas que integrava o bloqueio da extrema-direita foi aumentando ao longo da tarde. Mas a polícia acabou por não fazer nada e o grupo de extrema-direita não saiu da praça. Por volta das 17h, a manifestação convocada pela Descolonizando desmobilizou-se, sem conseguir realizar a ação.
A PSP não confirma esta situação. “Ninguém impediu qualquer ação”, disse ao PÚBLICO o comissário Pimentel, que não foi capaz de informar se o grupo de extrema-direita tinha comunicado a contra-manifestação, remetendo a questão para na sexta-feira e para o departamento de relações públicas.
“Mantivemos uma certa distância para evitar qualquer possibilidade de confronto ou choque”, descreveu por sua vez Mamadou Ba. “Não estávamos ali para agredir ninguém, mas para expor o debate sobre a estátua”, explicou, adiantando que “o tom de ameaça [do grupo de extrema-direita] estava sempre a subir”. Para o ativista, o fato de a PSP não ter agido “mostra que eles estão impunes”.
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