A seguir, reproduzimos nota divulgada pelos estudantes autônomos em página na rede social, que esclarece os motivos que os levaram a ocupar a Casa do Vice-Reitor, campus Seropédica, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Okupa Rural: Nota de Ocupação da Casa do Vice-Reitor
Seropédica, 11 de Outubro de 2017
No final de setembro houve vazamento de um encanamento da CEDAE dentro do campus universitário da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Este vazamento acarretou em falta de água em todo o alojamento masculino e no bloco 1 dos alojamentos femininos, durante 4 dias. Diante disso, não houve nenhum posicionamento da reitoria no que se refere a tentar sanar o distúrbio que interfere num direito básico a sobrevivência. Na segunda-feira, dia 2 de outubro, alguns estudantes indignados com a situação decidiram ocupar a casa destinada ao reitor. Esta ocupação se inicia com a convocatória para um “banhaço” organizado por estudantes moradores dos alojamentos sem vínculos com o DCE.
Nós, estudantes autônomos, nos inserimos na ocupação da casa do reitor como forma de reivindicar as pautas estudantis que consideramos prioritárias, como moradia estudantil não precária e alimentação saudável. Na nossa concepção, estes pilares são fundamentais para a permanência dos estudantes na Universidade, sobretudo aqueles que são de classes desprivilegiadas da sociedade.
Nós propomos um outro molde de ocupação, baseado na autogestão e na horizontalidade, em virtude do aparelhamento de grupos partidários, que, mesmo sendo minoria, em via de regra conseguem dominar os espaços por meio de determinados métodos, como concentração de falas nas mesmas pessoas, não-rotatividade de mesas das assembleias, controle rígido do tempo de fala apenas para estudantes independentes, reuniões a portas fechadas com a direção de sindicatos e direcionamento das pautas com o objetivo de conciliação com o poderes institucionais, visando o benefício próprio em detrimento das demandas estudantis.
Repudiamos a falta de diálogo e a hierarquia dos grupos organizados (por partido) desta universidade, que levantam pontos de menor relevância em favorecimento de interesses particulares e partidários em detrimento das demandas estudantis. Repudiamos também qualquer ato discriminatório, racista, homofóbico, machista e autoritário ou a omissão e conivência diante de determinados atos opressores. Em vista de práticas que apontavam em direção oposta aos princípios que acreditamos e diante das formas de opressão recorrentes, nos retiramos do espaço da casa destinada ao Reitor e ocupamos a casa atribuída ao Vice-Reitor.
Deflagramos esse movimento porque vivemos em péssimas condições nos alojamentos, enquanto existem diversas casas ociosas, sem função social, que são destinadas a professores, técnicos e diretores de institutos. Enquanto, nós estudantes, dividimos quartos com até 20 pessoas, quando o limite estabelecido pelo Setor de Residência Estudantil, o Sere, é de 8 alojados. Os banheiros do alojamento masculino são coletivos e fora dos quartos, não há cozinha nem pontos de água nos cômodos. E, além disso, os pontos de água potável ficam fora dos prédios. As instalações elétricas e hidráulicas são muito antigas e estão precárias. Os funcionários que estavam responsáveis pela manutenção das instalações estruturais dos alojamentos foram demitidos, sobrecarregando os funcionários da limpeza, que não têm os meios para reparar os constantes danos estruturais deste espaço. Outro ponto é a questão da má qualidade dos espaços destinados a estudo, quando não a falta deles, os locais são deficitários e mal planejados para os devidos fins. A internet é insuficiente para suprir as demandas de pesquisa, ensino e extensão da universidade.
Além disso, é importante lembrarmos das condições precárias de trabalho dos funcionários terceirizados do Restaurante Universitário que não recebem o beneficio de insalubridade há meses, e frequentemente seus salários são atrasados. E também da guarda universitária que tem em sua sede problemas muitas vezes solucionados a partir da arrecadação de dinheiro entre os próprios guardas. Dessa forma, nosso movimento diz respeito não apenas aos estudantes, mas a toda a comunidade universitária. Pois compreendemos que a precarização da Universidade Pública é algo que atinge a todos nós.
Nós ocupamos esta casa destinada a Vice-Reitoria pois éramos muitos estudantes amontoados em poucos quartos sob condições precárias. Entendemos que esta é uma pauta de todos os estudantes desta Universidade. Por isso, precisamos fomentar o debate de ocupações das casas ociosas compreendidas no terreno da Rural. Estas casas sim devem ser moradias coletivas e autogestionadas, não só para os estudantes como também para servidores e técnicos que pleiteiam estas moradias há anos. Muitas destas casas que historicamente são destinadas para determinados servidores que possuem vínculos políticos com a Reitoria, enquanto outros simplesmente são invisibilizados.
Estas moradias almejam levantar o debate de uma alimentação saudável e agroecológica, a partir da construção de hortas e implementação de SAF’s (Sistemas de Agroflorestas) nestes espaços, bem como na extensão das terras da Universidade. Neste sentido, estas casas teriam a capacidade de prover a alimentação saudável que nos é negada pela instituição quando oferece quentinhas que não suprem o essencial para um equilíbrio alimentar adequado e para uma qualidade de vida necessária a permanência na Universidade. Além disso, estas casas promoveriam oficinas, debates, minicursos, cursos de extensão para realmente estabelecer uma ponte com a comunidade do município de Seropédica.
Num cenário de sucateamento e precarização das universidades públicas, o que estamos propondo com esta ação de “Ocupar e Resistir” é construir modelos alternativos e autônomos baseados na cooperação mutua entre todos aqueles que sofrem diariamente com os reflexos de uma política de aprofundamento liberal da sociedade brasileira.
Desta forma, é preciso estabelecer um elo com a conjuntura política nacional, onde ensino público está sofrendo um desmonte por parte dos governos federal e estadual, anterior mesmo ao governo Temer, mais que neste encontra seu período de maior intensificação.
Nós estudantes autônomos ocupantes da UFRRJ declaramos apoio a ocupação da UFRJ e a ocupação do bandejão da UERJ, assim como à luta de estudantes de outras universidades que usam da ação direta de ocupar os espaços que nos pertencem em contestação e alternativa a tudo que posto na atual conjuntura.
Se um direito básico como a moradia, a alimentação e o acesso ao conhecimento nos é negado, temos o direito de ocupar para desenvolver novas formas de alcançar estas necessidades básicas.
FB: https://www.facebook.com/OcupacaoAutonomadaRural/
agência de notícias anarquistas-ana
Mata devastada
Vence a luta pela vida
Cachos do Ipê roxo
Kiyomi
Sobre a autogestão “de brincadeirinha”
Ao transformar a ocupação apenas num instrumento de barganha, tendo como fim a “realização de reformas”, o movimento não corre o risco de simplesmente servir como meio de pressão para a adoção de medidas reformistas, burocráticas, de cima para baixo, visando “sanar o problema”, barrando a oportunidade dele se tornar um embrião de experiências autogestionárias que criticassem a totalidade do capitalismo, como mecanismo de alienação e sujeição que subjuga os trabalhadores todos os dias? Em suma, ao justificar a ocupação em termos de “problemas particulares”, esquece-se de apontar que eles tem como causa problemas gerais que nascem da própria essência do capitalismo. Numa curiosa e bizarra reviravolta, é como se o papel desempenhado pela esquerda libertária, “revolucionária”, fosse se “auto-gerir” para se ajustar a competição cada vez mais brutal contra outros trabalhadores mundo a fora: uma espécie de “toyotismo” onde o trabalhador vira “seu próprio patrão”. É quase como se dissessem: forneçam nossa comida e boas instalações ou brincamos, por um período breve e de forma teatral, de anarquistas com nossa “ocupação autogerida”.Já que no primeiro passo dado nesse sentido (como a ocupação da reitoria ou das escolas), os próprios militantes, com um rabo entre as pernas, se “justificam” explicando que não é um problema com o capitalismo, a educação burocrática ou com o estado em si, mas só uns pequenos ajustes dentro dele (e, nesse sentido, lembra muito a “justiça com as próprias mãos” e “ação direta” dos fascistas na forma de milícias e linchamentos).
E, na medida que se isolam nessas pautas específicas, a ocupação deixa de ser “libertária”: seria perfeitamente possível que, nessas condições, até soldados de direita de um exército se rebelassem contra a autoridade visando, por exemplo, a vinda de medicamentos ou de comida adequada, enquanto que, uma vez atendidas essas condições, “retornam aos seus postos” e assim “restaurando a ordem”.
Ou seja, de um lado está a oposição ao Estado e o Capitalismo em fornecer os equipamentos para cumprir o papel que ele nos impõe.Oferecendo como “solução” a disputa (partidos) ou pressão(greves e ocupações) contra aqueles no poder.A imposição do papel de aluno, alguém forçado a passar horas sentado fazendo anotações num caderno e exercícios se mantém inabalável.Que é a mesma do trabalhador, que realiza atividades que não escolhe, por um salário, e cujas finalidades não controla. Como se a a vida humana hoje, só existisse em função de “estudo” e “trabalho”.E não fôssemos nada fora dessas esferas. É justo esse mito que nós libertários temos que atacar!
Ora, criticaremos então o Estado e o Capitalismo apenas em termos da suposta “qualidade” dos serviços que oferece (avaliados em termo do quão uteis são para nos oferecer “um lugar” nele) ou, pelo contrário, pelo bloqueio que ele representa para a expressão de nosso potencial criativo coletivo?