O espaço libertário do Raval chega aos trinta como espaço de referência das lutas dos moradores do bairro
Por Helena López | Terça-feira, 17/10/2017
A propriedade no número 1 da rua da Cera, como tantas outras no bairro, está em processo de despejo. A proprietária inicial vendeu o edifício a um grupo investidor que por sua vez o revendeu a um segundo grupo, que não está renovando aluguéis. E, como em muitos dos edifícios nessa mesma situação, já existem expulsões em trâmite de inquilinos aos quais não se renovou o contrato. Esta mesma terça-feira mantiveram uma reunião com o distrito para expor-lhes a situação. Uma terça-feira, como poderia ser qualquer outro dia – no qual, segundo anunciou na noite de segunda-feira a conselheira da Ciutat Vella, Gala Pin através do Twitter, “necessitavam colaboração” para deter desalojos em Sant Climent, 12 e 18; Beates, 1; Sant Antoni Abad, 29; Berenguer o Vell, 4 e Estruc, 34.
O músculo de moradores que consegue parar -“adiar”, matizam – essa sangria de despejos no bairro se exercita precisamente aqui, nos baixos do 1 da rua da Cera, no “El Lokal”, em aparência uma livraria libertária, loja de discos, camisetas e bottons punk que subiu a persiana pela primeira vez em outubro de 1987. Ou seja, estes dias o “El Lokal” celebra seu 30º aniversario, em um “contexto dramático”, onde à voracidade imobiliária se somou o flagelo das drogas. “Aqui conflui todas as máfias, as legais e as ilegais”, resume Iñaki García, fundador e alma do “El Lokal” (e do Raval).
Mas nada é o que parece. Esta recomendável loja “underground” é e foi, sobretudo, ponto de encontro e de referência para as muitas lutas que o Raval teve que encontrar nestas três décadas (e, pelo momento, sua continuidade não corre perigo, já que, após a finalização da moratória da “ley Boyer”, a anterior proprietária renovou o contrato até então indefinido por outros de 10 anos, mediante aumento de 100 euros ao mês.
Cálido refúgio punk
Segunda-feira, 12 horas, Iñaki escuta uma mulher, que foi visitá-lo com seu filho para falar sobre seu despejo, previsto para breve. “Não te preocupes, lá estaremos”. Ao sair, mãe e filho se cruzam com um vendedor ambulante que entra para buscar o material com o qual produz os artesanatos que vende na rua. Bastam cinco minutos nesta variada livraria, sem necessidade de perguntar nada, para dar-se conta de que o espaço é, sobretudo, cálido refúgio. “Tínhamos clara a necessidade de ser um espaço aberto todo o dia. Todos os dias. Poucos centros sociais tem essa flexibilidade”, explica. Tampouco é comum a heterogeneidade de seu público. “Estas coisas só podem acontecer no Raval”, destaca este homem de tradição libertária, uma das pessoas mais queridas do ativismo no bairro, especialmente no setor rebelde, mas não só.
“Aqui nunca se pediu carteirinha a ninguém”, insiste. Daí essa encantadora mistura, que vem de longe. Com a chegada da imigração ao bairro, nasceu aqui o projeto “Xenofilia”. Duas mulheres da “ONG Sodepau” ofereciam ali uma tarde por semana de assessoria a pessoas sem documentos, que encontraram entre cassetes de “L’Odi Social” e revistas anarquistas um espaço de confiança, que nem de longe lhes oferecia a Prefeitura. E também ali se dirigiam, alguns anos antes, meninos do ainda “chinês” que não queriam servir o exército, para assessorar-se sobre como poderiam evitá-lo.
Rock antimili
“Da fita de rock antimili fizemos 15.000 cópias”, assinala Iñaki como um das iniciativas da história do espaço que nunca deixou de ser “lugar de produção e distribuição de materiais críticos e loja de referência de música punk”. “Agora porque compram pela internet, mas isto no início aos sábados pela tarde era o ‘Espai Comarques’. Vinham os meninos dos povoados com a lista de compra”, explica o fundador do “El Lokal”, referência também hoje em dia no mundinho dos fanzines, que vive um ressurgimento.
Uma das campanhas políticas – política de guerrilha, se entende – mais recentes que se forjou aqui – além da de “Stop Despejos Raval” – foi a denúncia do “caso Juan Andrés Benítez”, cujo nome dá lugar ao exultante – suas fábricas são a inveja do bairro – solar okupado a poucos metros do “El Lokal” e do lugar no qual este vizinho do Raval morreu após uma condenada atuação dos Mossos d’Esquadra [polícia catalã]. “Em uma mesma manifestação andavam juntos imigrantes e prostitutas”, conta o ativista enquanto busca nos bastidores uma camiseta do tamanho L (ainda é possível manter este espaço livre e autogestionado porque aqui se vendem camisetas).
Essa liberdade foi a essência do espaço – desde o que também se formou a resistência a Barcelona 92 – durante estes 30 anos. E a que levou Iñaki a rechaçar em duas ocasiões – a título próprio e como entidade – a medalha da cidade. As duas na era Colau [prefeita de Barcelona], resta dizer.
Fonte: http://www.elperiodico.com/é/barcelona/20171017/o-lokal-30-anos-de-resistência-6358504
Tradução > Sol de Abril
Mais fotos:
agência de notícias anarquistas-ana
Como que levada
pela brisa, a borboleta
vai de ramo em ramo.
Matsuo Bashô
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!