Eu não sou bem versado na história do movimento libertário na Catalunha, mas imagino que deve ter havido uma boa razão pela qual, em 1934, a CNT, que estava no auge de sua força, recusou-se a colaborar na tentativa de proclamar o “Estado Catalão em forma de República Catalã”. Eu simplesmente imagino isso. No entanto, o que eu não imagino, mas estou plenamente convencido disso, é que não existe nenhuma boa razão para que parte do atual movimento libertário na Catalunha colabore de uma forma ou de outra com o processo de “independência nacional”protagonizado pelo Governo catalão, pelos partidos políticos que o apoiam e pelas grandes organizações populares nacionalistas que o acompanham.
O mínimo que se pode dizer é que esta parte do movimento libertário está “em plena deriva“, uma vez que depois de ter contribuído para “proteger as urnas” durante o Referendo que o Governo convocou com o propósito expresso de legitimar a criação de um novo Estado sob a forma da República da Catalunha, também se lançou para chamar uma greve geral na sequência imediata do Referendo, com o efeito esperado de aumentar seus efeitos.
Esta deriva é agora reafirmada ao se juntar a outra greve geral para amanhã, 8 de novembro, ao exigir a libertação dos “prisioneiros políticos”originados pela repressão que o Estado espanhol em seu componente Judicial exerceu contra certas atividades destinadas a promover a independência da nação catalã e a criação do novo Estado.
Certamente, desta vez não é o conjunto dos sindicatos anarcossindicalistas que se juntam a essa greve, mas uma parte significativa dos sindicatos da CGT e dos libertários integrados nos CDR“Comitês de Defesa da República”. Se eu já tivesse manifestado a minha“perplexidade” ante a greve geral em 3 de outubro, essa perplexidade é aumentada ainda mais pelo fato de que esses sindicatos da CGT e esses militantes libertários do CDR vão apoiar a iniciativa de um minúsculo sindicato radicalmente independentista, a “Intersindical-Confederação Sindical Catalã”, que lançou o chamado e só recebeu o apoio das duas grandes organizações pró-independência catalã que agrupam de forma transversal setores populares e setores burgueses da população catalã (Ómnium Cultural e ANC).
Ninguém duvida de que a repressão deve ser rejeitada, mas talvez seja surpreendente que essa rejeição só possa ser traduzida em greve geral quando os reprimidos são membros de um governo, juntamente com os dois principais líderes do movimento civil independentista, limitando a manifestações de rejeição e de solidariedade quando se trata de outras pessoas.
Felizmente, no domínio libertário, as lutas sempre foram avaliadas em termos de seu significado político e, no caso de que essas lutas fossem reprimidas, se ativará a solidariedade por meio dessa avaliação política. Ou será que, condenando qualquer tipo de repressão, também devemos mobilizar nossas energias quando se reprime os “lutadores” da extrema-direita? Do ponto de vista libertário, qualquer repressão motiva, sem dúvida, a nossa rejeição, mas não implica automaticamente a nossa solidariedade. Além disso, o que é inaceitável é que se evoquem as recentes vítimas anarquistas da repressão para declarar que “essa lista” foi ampliada com novas represálias que não são senão os governantes detidos. Imagino que algumas dessas companheiras presas ficariam indignadas por se verem amalgamadas com esses novos “prisioneiros políticos” para justificar desse modo que eles também requerem nossa solidariedade.
A deriva de uma parte do movimento libertário torna-se ainda mais evidente quando observamos que bastante dos seus elementos estão agora envolvidos nos “Comitês de Defesa da República”, originalmente promovidos pela CUP [Candidatura de Unidade Popular]. Se foi sensível até agora ao argumento de que essa participação era uma forma de ouvir nossas vozes e de propor nossas propostas dentro das mobilizações populares, com a esperança de “transbordar” o estreito sentido de independência de suas demandas, embora também, devo acrescentar, que essa “perspectiva de transbordamento” sempre me pareceu totalmente ilusória.
No entanto, quando, como aconteceu comigo nesta tarde, se pode ler nas ruas de Barcelona cartazes assinados pela organização oficial do CDR que apelam para “parar o país” em 8 de novembro em resposta à “prisão do governo legítimo do nosso país”, a perplexidade ante a incorporação de uma parte do movimento libertário nesses comitês não para de aumentar e abre a questão de saber até que ponto chegará “a deriva” dessa parte do movimento libertário.
O único consolo que pode permanecer é que, através desses comitês, a politização e a experiência de luta adquirida por setores da população, sobretudo jovens, encorajem mobilizações futuras em outros contextos, menos longe da autonomia e da autodeterminação das lutas que defendemos desde as práticas de luta libertárias.
Tomás Ibáñez
Barcelona, 7 de novembro de 2017
Tradução > Liberto
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