O anarquista, natural de Jerez de la Frontera, Miguel Vega Álvarez relata na sua biografia “Episódios pessoais” como viveu a Guerra Civil e os primeiros anos do franquismo.
Por Francisco Romero
Miguel Vega Álvarez (1915-2006) nasceu na estação ferroviária de El Cuervo, onde seu pai trabalhava como ferroviário, e ali viveu os primeiros anos de sua vida. Até à idade de 14 anos. Foi quando a sua família se mudou para Jerez. Lembrou-se sempre das palavras que o seu avô lhe disse antes de ir embora: “Miguel, por bem, por muito bem que te corra a vida, onde quer que estejas, longe, muito longe deste lugar, nunca poderás esquecer estes anos que passas-te aqui. São os anos que sempre se lembram como os melhores”. E não se enganou. “Sempre que tive ocasião passei por ali”, diz-nos o próprio Miguel na sua biografia, Episódios pessoais, reminiscências da Guerra Civil espanhola.
Miguel é um anarquista de Jerez de la Frontera que viveu na pele o movimento obreiro durante a II República, o início da Guerra Civil e a repressão e esteve preso por pertencer à CNT. Acabou por fugir da prisão e, por fim, exilou-se na França, depois de muitos anos vagando clandestinamente pelo país. É irmão de Cristóbal Vega Álvarez, conhecido por sua faceta literária, e por ter sido preso na Espanha por volta de 1958 e ter desenvolvido uma campanha internacional pela sua libertação como preso político – “o poeta obreiro”, assim o chamavam -. “A partir da fundação da Falange Espanhola começaram tempos de violência. Os bandos fascistas provocavam confrontos violentos a tiros de pistola. Atacavam as juventudes de esquerda, nos defendíamos, lutava-se com unhas e dentes, em situação de desigualdade absoluta, com o fascismo e a sua previsível brutalidade”, relata o próprio Miguel no seu livro.
Assim conta como o mudaram para a prisão de San Lorenzo: “Foi bastante desagradável. Nos amarraram, uns com cordas, outros com arames (…) O cobertor e a pouca roupa que tínhamos era o que se podia levar (…) Eu estava na sexta galeria. Eramos uns 1200. O chão era de madeira. Tínhamos 50 centímetros de largura para cada um. A largura da galeria não me lembro mais ou menos como era, mas onde terminavam os pés da fila que tinha tido a sorte de apanhar um lugar junto à parede, ali começava outra fila. E assim sucessivamente, até se juntar com a fila da outra parede, que também tinham a sorte de ter a cabeça junto à parede. Completo, cruzados os corpos mais ou menos. Algo espantoso a superlotação”.
Depois foi para outra prisão, Porlier, onde estava recluso junto a uns 6200 presos, até 1939. “Tinha a convicção que me queriam muito os falangistas de Jerez – relata Miguel-, tínhamos-nos enfrentado várias vezes na rua e isso não perdoariam por nada. A primeira vez que fui apresentado a Solís, o advogado em questão, na prisão de San Lorenzo, disse-me logo: Tu pertencias às Juventudes Libertárias e além disso foste da comissão organizadora do Ateneu Libertário. Disse-lhe que isso estava dentro da lei. Sim, mas agora não. Foi o que me respondeu”.
O anarquista jerezano conta que viu de perto as conhecidas Trece Rosas antes de serem fuziladas, num dos episódios mais cruéis – e simbólicos – da repressão franquista. “Estas garotas entretinham-se a jogar à abelha- é um jogo que consiste em por três pessoas de pé em fila, o do meio com as mãos na boca fazendo de abelha, tenta dar uma pancada a um dos que tem ao lado -. Assim tentavam passar a última noite das suas preciosas vidas aquelas lindas garotas. Como me impressionou aquilo. Vê-las tão jovens resignadas e prontas a morrer com coragem”, conta Miguel Vega. Em agosto de 1939, acrescenta, também foram fuzilados 63 membros das Juventudes Socialistas e das Juventudes Libertárias. “Listas oficiais. Extraoficiais, muito mais”, acrescenta.
O jerezano terminou por regressar à prisão de San Lorenzo, onde foi desenhando pouco a pouco o plano de fuga, sabendo o risco que corria, porque todos que tentavam, ou simplesmente parecia que o faziam, sofriam graves consequências em forma de porrada e tortura. Naquela época já estava processado, e em qualquer momento podia ser chamado a conselho de guerra, por isso temia pela sua vida e correu o risco. O dia elegido foi num domingo 25 de fevereiro de 1940 – “e não 27 como consta nos papéis ou documentação ou expediente que tenho comigo da Direção Geral de Segurança”, desmente Vega -. “Saímos sem sermos vistos. Cobrimo-nos logo com pilhas de terra. Depois com uns muros de outras construções e logo estávamos misturados com o público que passeava por um passeio, não muito longe, que há lá”, relata o anarquista, que acabou na casa de um familiar do companheiro que tinha fugido com ele, que depois acabou por se entregar.
Mas Miguel continuou com o seu plano. “Desta vez não tinha que contar com ninguém. As decisões seriam tomadas só por mim. Assim me entenderia perfeitamente com a comunidade que formei: discutia as decisões e sempre chegava a um acordo por unanimidade”, escreve com desdém o próprio Miguel nas suas memórias. Vega Álvarez acabou por se refugiar na estação de El Cuervo. Passou ali uma noite inteira a conversar com a sua mãe, que não via há alguns meses. Os seus pais, antes dele novamente ir embora, disseram-lhe: “É preciso ver, Miguel, com o que tiveste brincando e andas-te por todos estes campos e sei que gostas muito desta estação de El Cuervo e que tenhas de te esconder aqui onde nasceste e te criaste, que coisas tem o destino tão desagradáveis como impensáveis”.
Muitos anos depois da sua fuga, Miguel continuava a ser procurado e capturado. A mudança de nome – chamou-se Francisco Hidalgo Cañestro, como um tio político seu- não era suficiente. No final dos anos 50, a polícia e guarda civil iam à sua casa perguntar por ele. “Isto era cada vez mais desesperador”, disse na sua biografia. Por isso, quando sentiu que “se fechava o tenaz” sobre a sua cabeça, decidiu comprar um bilhete de avião e exilar-se na França. Passado seis meses intermináveis juntou-se com a sua companheira, Mary, que o acompanhou durante todas estas peripécias. Também viajaram com ela os seus filhos. O anarquista, depois de tudo o que viveu- anos de prisão, vida em clandestinidade, exílio…- lamenta-se de uma coisa: “O triste de tudo isto é o esquecimento oficial dos nossos mártires. Que não se tenham preocupado de buscar dados para fazer um censo mais aproximado de todos aqueles crimes. Cada vez ficam menos, por isso cada vez mais difícil. E melhor para os herdeiros do franquismo, os filhos e os netos daqueles criminosos, que vivem muito bem nesta Constituição democrática que não queriam, que a detestavam, mas que estão se aproveitando”.
Fonte: https://www.lavozdelsur.es/una-vida-entre-la-represion-la-clandestinidad-y-el-exilio
Tradução > Rosa e Canela
agência de notícias anarquistas-ana
Na hora do rush
o cheiro do incenso acalma:
hare-krishnas dançam.
Anibal Beça
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!