Por Stéphane Gouel
História. Patrice Rannou acaba de escrever um texto para o teatro sobre a tentativa de assassinato em Le Havre, em 1888, de uma grande figura da Comuna.
Entrevista com Patrice Rannou, de 61 anos, aposentado após 40 anos de carreira docente, entre os quais 25 como diretor de uma escola em Harfleur. É o autor de “L’affaire Durand” (O caso Durant), “La grande grève de la métallurgie. Le Havre 1922” (A grande greve da metalurgia. Le Havre 1922) e “Libertaire et éducation” (Libertário e Educação).
Acabou de escrever acerca da tentativa de assassinato de Louise Michel em Le Havre, porquê essa escolha?
Antes de mais nada porque Louise Michel é uma personagem que eu veria no Panteão: é uma das poucas mulheres que teve a palavra no século XIX. Começou como professora e recusou-se a prestar juramento ao imperador (Napoleão III), como era costume na época. Depois, reencontramo-la em primeiro plano dos acontecimentos da Comuna de Paris. Exilada na Nova Caledônia, ensinou os pequenos Canacas e recuperou a sua posição de professora. E isso, é algo que me toca. E depois, tem esta fórmula que acho bastante extraordinária: “Não existe uma lagarta tão feia que não se torne numa linda borboleta”. Uma professora que tem o sentido da pedagogia e que é otimista.
Porquê uma peça de teatro?
Cada vez que escrevo um livro de história, enche-se daquilo que chamo “um rés-do-chão de apontamentos”. Quero dizer que cada vez indicamos as fontes, as referências… Pensei que não ia reescrever um livro onde existe esse tipo de aridez. Quero tentar tornar o evento mais vivo, mesmo se tudo é histórico. Daí a tentativa de escrever uma peça de teatro.
“A Boa Louise”
Todos conhecem mesmo o enredo?
Somente em traços largos. Enquanto neste caso, fui realmente ao fundo do assunto. Baseio-me nos arquivos nacionais e departamentais. Recuperei os relatórios da polícia, os processos do julgamento e até a imprensa local como Le Petit Havre ou Idée Ouvrière. À partida não é fácil porque o editor do Le Petit Havre, Jules-Achille Lécureur, não quis fazer a cobertura do acontecimento para não divulgar as ideias de Louise Michel. Mas é forçado a fazê-lo porque uma investigação policial é iniciada e toda a gente quer saber o que foi dito. E especialmente se ela provocara o chamado Lucas, o bretão bêbado que tentou assassiná-la, mas os jornalistas regressaram dizendo que não.
Louise Michel deu duas palestras naquele dia em Le Havre…
Um primeiro encontro com 600 ouvintes num bairro do centro da cidade e 2 000 ouvintes, da parte da tarde, ao lado da Rotunda num ambiente mais popular. É alguém que sabe reunir e atrair ouvintes.
No entanto, ela decepcionou repetidamente os movimentos anarquistas do Le Havre?
Devia ter vindo duas vezes antes com Tortellier, um carpinteiro que lançará o conceito de greve geral. Ele próprio diz: “Se fazemos greve de braços cruzados, o capital será necessariamente prejudicado”. As pessoas estavam à espera de os ver porque conheciam a Comuna de Paris. No mínimo, 30 mil pessoas foram massacradas em 1871 e milhares exiladas. Consequentemente, naquele momento, o movimento militante estava profundamente diminuído.
A anistia da Comuna chega em 1880…
É neste momento que ela vai retomar as suas atividades, mas desta vez de um ponto de vista verdadeiramente anarquista.
Anarquista ou revolucionária, as fronteiras são realmente impermeáveis?
Sim, porque os Blanquistas foram revolucionários, mas não anarquistas. No meio revolucionário da época, e até agora, há diferentes obediências. Mas Louise Michel define-se como anarquista, quer mudar a ordem das coisas para que as pessoas pobres possam ter sua parte do bolo.
Na sua adaptação, escreve: “Os revolucionários são artistas que querem criar o belo, o ideal”. É uma fórmula da Louise Michel?
Não, é de Octave Mirbeau. Louise Michel apropria-se dos temas dos grandes intelectuais da época. Recupera as fórmulas de Mirbeau, que também era anarquista e sobretudo um formidável panfletista. Também recupera artigos de Jean Grave, ou do pedagogo libertário Francisco Ferrer, ou do geógrafo Élisée Reclus.
Louise Michel defenderá aquele que tentou matá-la, porquê?
Chamamo-la “A Boa Louise” porque é de natureza humanista. Disse: “Percebam: nunca nos vimos, não temos conflito pessoal, Pierre Lucas não é culpado, seríamos nós os criminosos se deixamos que seja condenado.”
Vai adaptar o seu texto para o teatro, não exclui o cinema?
Não sei. Enviei-o para os Amigos da Comuna que têm uma sede em Paris. Devem entrar em contato comigo.
• O atentado contra Louise Michel em 1888 continua um mistério •
Louise Michel escapou por pouco à morte em 22 de Janeiro de 1888 na Rotunda do Eliseu. Enquanto falava para anarquistas numa reunião pública, um funcionário comercial disparou contra ela com um revólver. Cento e trinta anos depois, nesse dia, o estranho comportamento de Pierre Lucas, um empregado de uma loja, um pai de família com 33 anos, ainda levanta questões. “Os anarquistas achavam que Lucas era um agente secreto da Prefeitura da Polícia, encarregado de suprimir Louise Michel, ou um súdito dos orleanistas”, afirmou em 2006 Marina Daniel, doutoranda (Universidade de Rouen) na revista Études normandes. “Tratou-se mais de um ato irrefletido, do crime de um ignorante do que de uma conspiração política como algumas pessoas pensaram”.
Nesse domingo de Janeiro de 1888, Louise Michel dinamiza duas reuniões públicas em Le Havre. O atentado ocorrerá durante a segunda, à noite, na sala de conferências do Eliseu. Ao relatar as críticas às receitas das suas palestras, “Lucas levantou-se rapidamente e disparou lhe duas balas praticamente a queima-roupa atrás da cabeça, deixando a audiência estupefata. Ele foi então desarmado por um jovem na plataforma, no momento em que estava prestes a disparar novamente”. O seu gesto intriga a justiça. Agira sob a influência da embriaguez? Ou agira a sangue frio? O seu crime foi premeditado? O ato foi-lhe sugerido? Para Louise Michel, os seus motivos eram patológicos. Logo pela manhã, Lucas ingeriu vários cafés e uns copos de rum em vários bares. A justiça achará que isso o excitara. Ao final da tarde, comprara um revólver num armeiro. “Afirmara a compra para um amigo leiteiro que fora atacado na semana anterior”. Em 8 de Maio de 1888, o julgamento foi realizado no Tribunal Penal de Rouen. Louise Michel pede absolvição. O seu desejo será concedido.
Stéphane Gouel
Tradução > Gisandra Oliveira
Conteúdo relacionado:
agência de notícias anarquistas-ana
Janela de casa
O canto do sabiá
E o pôr-do-sol.
Luana Fernanda Ferreira – 15 anos
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!