Ontem [24 de Fevereiro] num discurso em Maraş, Tayyip Erdoğan, acompanhado por uma menina de uniforme militar, declarou:
“Aqui também temos boinas bordeaux¹. A boina bordeaux não chora². JÖH³, Coronel, boina bordeaux … Macha’Allah. A bandeira turca está no seu bolso. Se cair como uma mártir, vão embrulhá-la com a bandeira inch’Allah. Está pronta para tudo, não é?”
Com esta mensagem que diz “cada qual deve ter a sua bandeira no bolso”, Erdoğan incentivou milhões a matar e a morrer. A realidade deste discurso não é “estais pronto(a)s para morrer? O(a)s 80 milhões de cidadãos(ãs) estão pronto(a)s para morrer?”, mas “eu peço-vos para morrerem”.
E com a menina ao seu lado, isto significa “não só aquele(a)s que têm idade para serem mobilizado(a)s hoje, mas também aquele(a)s que serão mobilizado(a)s no futuro, nos próximos anos, todo(a)s devem estar pronto(a)s a morrer. Construir os futuros sonhos de uma criança sobre “morrer e matar” demonstra o nível de militarismo conseguido na Turquia. Esta realidade, contra a qual um grupo de antimilitaristas e objetores de consciência lutam com um discurso e ações sob o lema de “o militarismo mata”, é perfeitamente ilustrada nesta única fotografia.
No mesmo discurso, ao afirmar “que aqueles que têm a ordem de mobilização que estejam prontos. Ainda que por agora não haja necessidade. No momento em que a decisão será tomada, iremos pela estrada fora”, também deixou claro a todos os homens capazes de segurar numa arma para estarem prontos.
A ordem de mobilização diz respeito aos homens que já fizeram o seu serviço militar obrigatório. [Em caso de chamada], pede-se aos que receberam a ordem da missão de se dirigirem à unidade militar que lhes foi indicada. Aqueles que não responderem à chamada podem ser presos como “desertores” e levados para a unidade. A seguinte afirmação deu toda a autoridade aos muhtar “Os ‘muhtar’ são responsáveis por acompanhar a situação daqueles que não obedecem às ordens. As pessoas que não forem para a sua unidade, enquanto estiverem nas áreas cobertas pelos ‘muhtar’, serão declaradas às forças de segurança”.
Durante o período de Gezi, centenas de milhares de vozes unânimes disseram: “Recep Tayyip Erdoğan / AKP fará tudo para estabelecer o seu poder absoluto. Por esta razão, a luta deve continuar”. Quando Tayyip Erdoğan / AKP chegou ao poder, declarou: “Eu vou acabar com a tutela militar”, mas só depois de estar no poder, especialmente a partir de 2009, agarrou-se ao militarismo e, passo a passo, começou a pôr em prática os seus planos. Nos primeiros anos do seu poder, mudou o seu discurso e com o lema “Uma única nação, uma bandeira e uma Pátria”, adotou declarações totalmente militaristas e racistas. Algumas das pessoas que sabiam muito bem o que significava, anunciaram que tínhamos “dias ruins pela frente”. Mas, não foi possível construir uma oposição efetiva. Foi em Gezi que houve a mais forte oposição social contra esta política. Depois desse período, Erdoğan, ao praticar uma política de morte, implementou o monopólio da violência pelo estado, a fim de neutralizar praticamente toda a estrutura da oposição, dos partidos e das pessoas.
Começou a praticar tudo o que nos fazia reagir dizendo “Não, não pode ser possível!”. Em particular, começou a organizar os “modos de ser” viris, racistas e militaristas e encostou-se a essas forças. As mulheres organizadas sabiam o que esses esforços organizacionais representavam. E contra isto, as mulheres empreenderam uma contra-reestruturação. Iniciaram e organizaram ações e campanhas sérias contra as políticas racistas e militaristas do estado / AKP. No entanto, muitos partidos, estruturas, grupos com os quais lutamos lado a lado durante Gezi, hoje, fazem parte desta frente racista e militarista.
Tayyip Erdoğan organizou esta frente, com base no sentimento anti-curdo. Essa máquina e o seu progresso trouxeram uma catástrofe para todos os ambientes vivos na Turquia e isso continua. Os únicos vencedores das políticas racistas e militaristas estarão sozinhos, serão aqueles que têm como objetivo o poder absoluto, os comerciantes de armas e de sangue. Por causa destas políticas, com os curdos, os alevitas, os sunitas, as mulheres e os homens continuarão a perder. Numa ordem fascista, não pode haver espaço para a justiça, a igualdade, a liberdade nem um futuro feliz para as crianças. Só pode haver morte.
Recentemente, com o processo de ocupação de Afrin, Erdoğan começou a servir à opinião pública que morrer e matar são uma coisa “normal” e um “mérito”. Sabemos, por experiência vivida por outros povos, que o ponto a que chegamos é extremamente perigoso. [O controle] do exército, dos tribunais, das universidades, dos partidos, das forças policiais não bastavam, então criou unidades de operações especiais ao armar milhares de civis. Não foi suficiente, pois agora diz a todo(a)s o(a)s cidadãos(ãs) “estejam pronto(a)s para morrer”. Neste panorama de horror, não haverá vencedor. A história mostrou-nos de que forma as estruturas racistas e militaristas evoluem, e o seu terrível fim, nos exemplos da Espanha de Franco, da Alemanha de Hitler, da Itália de Mussolini.
As estruturas racistas e militaristas de Franco, Hitler e Mussolini criaram imensos danos e horríveis massacres e genocídios, inscritos na história social na Espanha, Alemanha e Itália. Os sofrimentos e traumas ainda estão presentes na vida de hoje. E agora, vivemos e testemunhamos, outro exemplo que se organiza e cresce com as mesmas políticas.
A maior luta contra este processo está a acontecer em Afrin. Há muito a fazer para que as pessoas não tenham um futuro horrível. Em Afrin, a luta contra essa máquina racista e militarista não é apenas a luta dos curdos. As pessoas, os partidos e os grupos que participam nessa luta sabem disso. Mas isso não chega.
Na Europa, sigo atentamente as reações e as mobilizações das organizações, partidos e sindicatos europeus. A sensibilização mais básica é “Solidariedade com Afrin”. É uma abordagem parcialmente errada. A posição que deve ser tomada hoje, não deve ser “Solidariedade com Afrin”, mas uma posição mais ativa e inclusiva: “A luta de Afrin é NOSSA luta”. Em particular, os círculos socialistas, democráticos, ecologistas e anarquistas na França, Alemanha, Espanha e Itália devem ver isto desta maneira. Não podemos dizer “fizemos uma manifestação por Afrin, e agora vamos para casa sossegados”. A resistência em Afrin é realizada para que as pessoas não voltem a viver um genocídio. Temos que ver isso e entrar na intimidade do assunto, não apenas por “solidariedade”, mas temos que aceitar que é a “nossa luta”.
Ainda podemos agir para vencer. Ainda é possível organizar mobilizações mais efetivas de todas as zonas, regiões e cidades para combater essa máquina racista e militarista. É sempre possível inverter a situação, acabar com as tropas de ocupação em Afrin, e mandá-las para de onde vieram.
Hoje, as mobilizações de massa pela Europa são as maiores e mais efetivas. Mas a Alemanha e a França continuam os seus negócios de armas com a Turquia. As mulheres e as crianças de Afrin são mortas por armas francesas e alemãs. A França e a Alemanha devem participar nas mobilizações contra a Turquia de forma mais eficiente. Para isso, todos os partidos, grupos políticos e sindicatos opostos devem estar na frente da mobilização.
Amanhã será demasiado tarde. Devemos agir hoje!
Ercan Jan Aktaş
Objetor de consciência, autor e jornalista exilado na França.
Fonte: http://www.kedistan.net/2018/ 02/25/turquie-afrin-le- militarisme-tue/
[1] Comando de élite do exército turco.
[2] A menina estava emocionada.
[3] Forças especiais da polícia militar.
Tradução > Gisandra Oliveira
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